O complexo nuclear de Angra dos Reis |
A história
do programa nuclear brasileiro parece ser uma daqueles episódios que o filósofo
alemão G. W. Hegel denominava “a astúcia da Razão”. Segundo ele, um general ambicioso
e sedento de poder, como Julio César, representou as linhas tortas pela qual a
Razão realizou a necessária transição histórica da República ao Império Romano.
Em relação ao programa nuclear, aconteceu algo parecido. A ditadura pretendia
desenvolver a capacidade de o Brasil fabricar bombas atômicas. Não conseguiu,
mas o país desenvolveu a capacidade de enriquecimento de urânio – em breve não
precisaremos mais exportar commodity
e importar urânio enriquecido do Canadá – que permitirá, inclusive, a construção,
em parceria com a França, de um submarino de propulsão nuclear até 2020.
Brasil
Nuclear
O
Brasil é o único membro dos Brics que jamais construiu um artefato nuclear.
Essa escolha tem mais consequências para a trajetória internacional do país do
que geralmente se reconhece.
Antes
mesmo de a primeira bomba atômica cair sobre o Japão, o Brasil estava atrelado
a uma economia política na qual o urânio virou commodity global. Estava também
vinculado a redes transnacionais de tecnologia nuclear que moldaram a evolução
da ciência no país.
No
processo, o Brasil recebeu apoio de governos e empresas da Europa e dos Estados
Unidos.
Quando
o regime militar fez do átomo um elemento importante de seu projeto
modernizador, sabia contar com anuência internacional para ir adiante, mesmo
que o programa nuclear contribuísse para uma cultura de segredo e arbítrio.
Tudo
mudou em 1974, quando a Índia detonou sua bomba e o mundo reagiu criando regras
muito mais intrusivas de não proliferação.
Assim
como ocorrera no passado escravocrata, o Brasil nuclear virou pária
internacional, amargando sanções e pressão externa.
Na
defensiva, o regime em Brasília fincou o pé, levando parte do programa para a
clandestinidade.
Documentos
agora disponíveis para a pesquisa mostram o trabalho brasileiro para obter
peças e conhecimento, urânio enriquecido e recursos para custear a empreitada,
numa narrativa de iniciativas diplomáticas que vai da Europa à Ásia, passando
pelo Oriente Médio.
A
política nuclear da época, marcada pela opacidade, teve resultados mistos.
Por
um lado, a burocracia e a competição por recursos escassos entre diversos
órgãos geraram enorme desperdício e incompetência, além de contribuir para
horríveis acidentes com materiais radioativos. Por outro lado, contudo, as
ilhas de excelência no seio do programa conseguiram enriquecer urânio com um
mix de tecnologias integradas por cientistas e técnicos brasileiros.
Também
houve um desenvolvimento inesperado: em sua resistência conjunta diante do
regime global de não proliferação, Brasil e Argentina criaram um sistema capaz
de gerenciar desconfianças mútuas.
Não
surpreende, portanto, que a adesão brasileira às regras internacionais de não
proliferação na década de 1990 gerasse divisões.
Para
uns, foi capitulação; para outros, bom senso.
Esse
embate não acabou.
Há
um novo reator ficando pronto em Angra, uma indústria incipiente de
enriquecimento de urânio em Resende e contratos polpudos que poderão levar um
dia a um submarino de propulsão nuclear.
Isso
ocorre em um contexto no qual as regras globais de não proliferação são
reescritas a cada dia.
A
princípio, o Brasil deveria estar tranquilo. Sua mensagem simples é que o mundo
não se divide apenas entre os que possuem armas atômicas e os que não as tem.
Divide-se também entre os que poderiam tê-las, mas escolheram outra coisa.
Contudo,
nem sempre esse comportamento é premiado. Nem sempre essa mensagem é entendida.
A
animada história do relacionamento brasileiro com a ordem nuclear global ainda
está em seus capítulos iniciais.
FONTE:
Folha de S. Paulo via Resenha
do Exército
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