Benedictus XVI |
Uma nota do ano passado do L’Osservatore Romano, órgão oficial da
Santa Sé, disse que o papa Bento XVI era “um pastor cercado de lobos”. O que o
jornal não disse foi que, como cardeal e, depois, papa, Ratzinger ajudou a alimentar a matilha.
Bento XVI foi o herdeiro e continuador da mais exitosa “reação termidoriana” de
que se tem notícia na Igreja Católia – o pontificado de João Paulo II. Por reação
termidoriana entende-se um movimento de reação sistemática a um processo
revolucionário, como aconteceu na França depois de 1794, com a queda dos
jacobinos e a ascensão do Diretório.
Papa João XXIII |
Quando o cardeal Giuseppe
Roncali foi eleito papa João XXIII em 1958, aos 77 anos, acreditava-se que ele
seria um pontífice transitório, depois do extenso, absolutista e reacionário reinado
de Pio XII. No entanto, em menos de cinco anos, João XXIII provocou uma
verdadeira revolução na Igreja Católica ao convocar o Concílio Vaticano II
(1962-1965), que promoveu um aggiornamento
da instituição com a modernidade, suplantando a oposição sistemática da Santa Sé
a tudo o que veio depois do Iluminismo. Um dos principais frutos do Vaticano II
foi a Teologia da Libertação, com o engajamento do clero dos países do Terceiro
Mundo com as forças que lutavam pela libertação nacional e pela justiça social.
Paulo VI, sucessor de João XXIII, seguiu timidamente os passos de Roncali até
sua morte, em 1978.
João Paulo II e Javier Echeverría, da Opus Dei |
Mas Karol Wojtyla, o papa
polonês, empreendeu uma vigorosa marcha à ré e, durante seu pontificado
(1978-2005), destruiu pacientemente tudo o que o Vaticano II erigira. Enquanto
perseguia bispos progressistas, João Paulo II protegia mafiosos, como o cardeal
Marcinkus, envolvido com o escândalo do Banco do Vaticano, e reforçava reacionários
como Escrivá Balaguer, da Opus Dei, que foi canonizado. O resultado foi um
esvaziamento nunca visto pela Igreja, agravado com o escândalo de milhares de denúncias
de pedofilia contra o clero, a maioria acobertada pelo Vaticano.
João Paulo II e Marcial Maciel, dos Legionários de Cristo |
O papa João Paulo II não era
apenas um superstar midiático, mas um
instrumento da Cúria e dos elementos mais reacionários da Igreja Católica. Ratzinger,
embora comungando os ideais tridentinos de seus antecessor, encontrou ferrenha
oposição à tímida limpeza que tentou empreender. Afinal, enquanto João Paulo II
esteve vivo, a ordem foi proteger as “ovelhas desgarradas”. Um exemplo típico foi
o caso dos Legionários de Cristo: Marcial Maciel, fundador do movimento, foi condenado
nos EUA por pedofilia, mas elevado ao altar de assessor de João Paulo II. Bento
XVI conseguiu afastá-lo. Mas não teve forças ou vontade política para ameaçar o
poder da Cúria e dos movimentos integristas.
“A Cúria forjada nos tempos
de Wojtyla era uma reunião atrabiliária do pior de cada diocese, desde evasores
fiscais passando por contrarrevolucionários latino-americanos e por integristas
da pior espécie. Essa Cúria digna de O
Chefão III sempre viu com maus olhos as tentativas de Ratzinger de fazer
uma limpeza de fundo, enquanto os movimentos mais pujantes e lucrativos, como
os Legionários, a Opus Dei e a Comunhão e Libertação, torpedeavam qualquer
tentativa de regeneração”, diz o El Pais.
Segundo El País, Ratzinger, intelectual e pouco afeito às tarefas de
governo, mostrou-se um pontífice débil. O resultado é que, nestes sete anos, a máfia
do Vaticano teve êxito em impedir a renovação da Cúria e a modernização da Itália,
especialmente nos setores de finanças e informação, impérios onde mais poder e
interesses têm a Opus Dei e a Comunhão e Libertação – os dois movimentos, ao
lado dos Legionários – que mais prosperaram sob o pontificado de Wojtyla. “O
papado de Ratzinger foi um rotundo fracasso [...] Os lobos ganharam a partida,
e sua renúncia [...] o situa como um pastor derrotado que, farto de lutar, se
retira à clausura antes de ser devorado pelos abutres. Que seja o primeiro caso
em quase 600 anos diz muito sobre o nível de iniqüidade com a qual conviveu. E
que até agora isso não tenha vazado diz tudo sobre sua solidão”, conclui o El Pais.
Como dizia aquela máxima
espanhola: “cría cuervos y te sacarán los
ojos”.
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