Ulysses como o "Senhor Diretas" |
A Carta que enterrou a ditadura em 1988 |
O “Senhor Diretas” tornou-se
um dos grandes responsáveis pelos avanços sociais da Constituição de 1988 –
bombardeados pela direita travestida de moderna – que ele denominou
apropriadamente “Constituição Cidadã”. Ficou famosa a frase que Ulysses disse
por ocasião da promulgação da Carta: “Eu tenho nojo da ditadura. Nojo e ódio!”. Ele também já se referira à Junta Militar que depôs Pedro Aleixo em 1969 como "Os Três Patetas". Mas sua trajetória não foi uniforme. Eleito pela primeira vez em 1947 pelo PSD,
o partido das velhas “raposas” políticas, Ulysses apoiaria o golpe de Estado de
1964 e votaria no marechal Castello Branco na “eleição” indireta que os
militares montaram num Congresso devidamente expurgado de “janguistas”.
Tancredo, também do PSD, teve a coragem de não votar em Castello.
Depois dessa derrapada,
Ulysses se tornaria uma pedra no sapato dos militares. Assumindo em 1971 a presidência do MDB –
único partido de oposição então consentido – ele teve a ousadia de se lançar
“anticandidato” à Presidência da República em 1973 contra o general Ernesto
Geisel, cuja eleição indireta no Colégio Eleitoral era um jogo de cartas
marcadas. Foi chamado por muitos de Quixote, mas sua atitude motivou um MDB até
então combalido e desmoralizado para a surpreendente vitória nas eleições
parlamentares de 1974. Sua atitude contribuiu também para o surgimento de
deputados combativos – os “autênticos” – como Lysâneas Maciel, Chico Pinto,
Freitas Nobre, Marcos Freire e Alencar Furtado, entre outros.
Acuada, a ditadura militar
reagiu à vitória eleitoral do MDB com mais repressão – prisão em massa de
militantes do PCB, que resultou na morte sob tortura de Vladimir Herzog e
Manuel Fiel Filho – e com mudança nas regras do jogo eleitoral, como a edição
do “pacote de abril”, com a criação, entre outras medidas, dos chamados
senadores “biônicos”. Mas Ulysses já sentira o vento da mudança e saía às ruas contra
o arbítrio da ditadura, em defesa das liberdades democráticas e de seu partido.
Ulysses contra a repressão: "baioneta não é voto; cachorro não é urna" |
Em 16 de maio de 1978, a Polícia Militar
cercou a praça de Campo Grande, em Salvador, para impedir uma reunião de
líderes do MDB para o lançamento das candidaturas, apesar de o encontro estar
programado para um recinto fechado, como determinava a lei. Acompanhado de
líderes emedebistas, entre eles Tancredo Neves, Ulysses dirigiu-se à praça
cercada de policiais armados e com cães. “Parem!”, gritou um oficial. Ulysses
não se fez de rogado e, dedo em riste, gritou mais alto: “Respeitem o
presidente da oposição!” Meteu a mão no cano de um fuzil e o desviou, entrando
no recinto seguido por correligionários. Tancredo meteu o braço em outro fuzil
e também passou. Cães saltaram sobre o grupo, mas Freitas Nobre os afastou com
pontapés. Ulysses seguiu à frente, impávido. Dentro do edifício, subiu à
janela, ligou os alto-falantes e fez um discurso memorável: “soldados da minha
pátria, baioneta não é voto; cachorro não é urna”.
Humilhado em 1989 com uma
votação pífia (4,4% dos votos) nas primeiras eleições presidenciais desde 1960,
o sr. Diretas teve seu apoio a Lula no segundo turno rejeitado por um PT ainda
radicalóide. Parecia que estava politicamente morto. Mas Ulysses se recuperaria
logo depois, travando sua última batalha no processo de impeachment do arrivista Fernando Collor, que chamara o líder do
PMDB de “velho gagá”. Ciente de que a vitória do impeachment no Congresso seria mais fácil se a
votação não fosse secreta, trabalhou para a adoção do voto aberto, afinal
aprovado. Em 29 de setembro de 1992, por grande maioria, Collor foi declarado
impedido de continuar na presidência, sendo substituído pelo vice Itamar
Franco.
Dias depois, em 12 de
outubro, Ulysses desapareceria no mar num acidente de helicóptero. Seu corpo
jamais foi encontrado. O legado do doutor Ulysses continua vivo, embora seu
partido lhe mereça cada vez menos.
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