A Islândia não é só Björk |
Uma “revolução silenciosa” ocorreu na Islândia, uma das mais antigas democracias do mundo. Essa revolução derrubou o governo responsável pela crise econômica de 2008; nacionalizou os bancos; provocou um referendo para decidir sobre as questões econômicas; rejeitou escorchar os cidadãos para pagar a dívida criada pelos rentistas e bancos; pôs na cadeia os financistas responsáveis pela crise; e, mais importante, elaborou uma nova Constituição por meio de uma comissão eleita de cidadãos comuns. Essa história é muito pouco conhecida porque a grande mídia ocidental não noticiou quase nada sobre esses episódios. Será temor de contaminação? Ora, mas a Islândia não era um país minúsculo (300 mil habitantes) cuja única atração internacional é a cantora Björk? De qualquer forma, essa revolução silenciosa na Islândia reforça os argumentos sobre a pseudo-objetividade da grande mídia.
O plebiscito irlandês e os
silêncios da mídia
Mauro Santayana (*)
Os cidadãos da Islândia
referendaram, ontem (20/10 – com resultado divulgado no dia seguinte), com
cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por
25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população,
incluindo a estatização de seus recursos naturais.
A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 km², só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu Parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século XIX, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 km², só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu Parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século XIX, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão
neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal.
Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já
operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram
Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores
vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320 mil habitantes, a ilha se tornou um
cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu PIB (Produto Interno Bruto). O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades – pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendo e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu PIB (Produto Interno Bruto). O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades – pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendo e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país,
construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores
instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses
ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar
tudo. Uma assembleia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo
constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a
fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo
legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os
escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com
sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a
comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia
seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia
dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau),
seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da
ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacionais fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloquente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Reykjavik, a capital da Islândia |
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacionais fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloquente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
(*) Mauro Santayana é
colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte
da Carta Maior
A revolução silenciosa da Islândia
queria eu acreditar que aqui podemos fazer o mesmo.
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