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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A REVOLUÇÃO SILENCIOSA DA ISLÂNDIA

A Islândia não é só Björk

Uma “revolução silenciosa” ocorreu na Islândia, uma das mais antigas democracias do mundo. Essa revolução derrubou o governo responsável pela crise econômica de 2008; nacionalizou os bancos; provocou um referendo para decidir sobre as questões econômicas; rejeitou escorchar os cidadãos para pagar a dívida criada pelos rentistas e bancos; pôs na cadeia os financistas responsáveis pela crise; e, mais importante, elaborou uma nova Constituição por meio de uma comissão eleita de cidadãos comuns. Essa história é muito pouco conhecida porque a grande mídia ocidental não noticiou quase nada sobre esses episódios. Será temor de contaminação? Ora, mas a Islândia não era um país minúsculo (300 mil habitantes) cuja única atração internacional é a cantora Björk? De qualquer forma, essa revolução silenciosa na Islândia reforça os argumentos sobre a pseudo-objetividade da grande mídia.

O plebiscito irlandês e os silêncios da mídia

Mauro Santayana (*)

Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem (20/10 – com resultado divulgado no dia seguinte), com cerca de 70% dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados, quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo a estatização de seus recursos naturais.

A Islândia é um desses enigmas da História. Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 km², só é ocupada em seu litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu Parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos. Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do século XIX, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus assuntos internos.

Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional e uma das maiores vítimas do neoliberalismo. Com apenas 320 mil habitantes, a ilha se tornou um cômodo paraíso fiscal para os grandes bancos.

Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos bancos norte-americanos. A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu, assim, dívida superior a dez vezes o seu PIB (Produto Interno Bruto). O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos, cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.

A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que cada um dos islandeses – de todas as idades – pagaria 130 euros mensais durante 15 anos. O povo exigiu um referendo e, com 93% dos votos, decidiu não pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a partir de Wall Street e da City de Londres.

A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a nação à insolvência e os islandeses ao desespero. A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de mudar tudo. Uma assembleia popular, reunida espontaneamente, decidiu eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas. Houve 500 candidatos. Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.

Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população, o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.



Reykjavik, a capital da Islândia
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos, sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.

Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação internacionais fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em Reykjavik. É eloquente sinal de que os islandeses podem estar abrindo caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.

(*) Mauro Santayana é colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte da Carta Maior


 A revolução silenciosa da Islândia

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