O fechamento do Jornal da Tarde, do qual vários departamentos da empresa tinham conhecimento, menos a redação, e a transformação da Newsweek em portal não deixam muitas esperanças sobre o futuro do jornalismo, mas é sempre bom ouvir alguém com 80 anos ainda acreditando na profissão, apesar dos donos de veículos de comunicação. Ainda mais na homenagem a Vladimir Herzog, jornalista assassinado pela ditadura em 1975.
Jornalismo, a missão interminável
Alberto Dines
Alberto Dines
Alberto Dines |
Saudação proferida por Alberto
Dines na solenidade de entrega do 34º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de
Anistia e Direitos Humanos, que homenageou a ele e ao jornalista Lúcio Flávio
Pinto com o Prêmio Especial “pelos relevantes serviços prestados à causa da
Democracia, da Paz, da Justiça e contra a Guerra”. O evento ocorreu na
terça-feira (23/10/2012), no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo.
“O
melhor prêmio que se pode conceder a um jornalista é a oportunidade para seguir
trabalhando. Somos escravos do efêmero, vítimas da fragmentação; assim como aos
equipamentos, querem nos condenar à obsolescência, isto é, nos desativar,
descontinuar. O reconhecimento é a nossa chance – ainda que fugaz – de avisar
que estamos atentos, ativos, portanto vivos. Este privilégio vale mais do que
medalhas de ouro. [...]
Também
sabemos conviver com os holofotes, sobretudo em ocasiões como esta em que o
inspirador deste prêmio, os objetivos da premiação e os companheiros premiados
simbolizam os mais preciosos valores da arte jornalística – solidariedade,
decência, dedicação.
Esta
é uma festa, não é hora para lamentar a suprema ironia de, sendo arautos das
mudanças, somos também suas primeiras vítimas. Cultores da palavra livre, estamos
aprisionados por um palavrório vazio e perverso, geralmente composto por
neologismos como “monetização”, “modelo de negócios”, “terceirização”,
“outsourcing”, “sinergia”, “aliança estratégica”, “desativação”,
“obsolescência”.
Éramos
marginais no início, em seguida fomos reconhecidos como trabalhadores, depois
nos transformaram em PJs, agora querem que sejamos empreendedores. Tudo bem,
seremos empreendedores, mas pelo menos facilitem a desconcentração, abram
espaços. Mas, por favor, não despachem nossos jornais para as nuvens virtuais
porque de lá voltarão emitindo grunhidos com 140 caracteres.
Não pensem que o mundo é
movido por gadgets, o
mundo é movido por ideias, por gente. Sócrates, pai da filosofia, não sabia ler
nem escrever e inventou o diálogo.
A informação hoje ou é
codificada através de números ou glamourizada pela informalidade. Inovação é um
vale-tudo que virou retrocesso. O jornalismo forjado na esfera do espírito e da
moral está a reboque da banalidade. Éramos os buscadores da verdade, hoje
querem de nós apenas meias verdades. Às vezes, apenas meias meias-verdades.
Desde que abençoadas pelo capelão da empresa. Deo
gratias.
Mesmo
assim, estamos aqui, sob a égide de um idealista chamado Vladimir Herzog,
irmanados pelo compromisso de restaurar o acontecido. Não somos juízes, mas
sabemos desencavar destroços e com eles contar histórias. É a nossa
especialidade.
Vladimir Herzog |
Contar a história
A absurda tese do suicídio de
Vladimir Herzog foi derrubada trinta e sete anos depois. Foi morto nas
dependências de uma repartição militar onde se apresentou voluntariamente um
dia antes. Mas não podemos esquecer que semanas antes Vladimir Herzog foi
submetido a um autêntico bullying jornalístico por um profissional da
imprensa marrom chamado Claudio Marques, que sugeria cinicamente sua internação
no “Tutóia Hilton”, nefanda alusão à localização do Doi-Codi.
Herzog era tímido, não me
conhecia, pediu a Zuenir Ventura que me contasse a campanha de difamação contra
ele empreendida pelo colunista do Shopping
News. Fiz uma denúncia no “Jornal dos Jornais” [coluna dominical de
crítica de mídia publicada na Folha de S.Paulo entre julho de 1975 e julho de
1977], não adiantou: uma semana depois, Vladimir Herzog foi assassinado.
Claudio Marques, jamais foi
convocado a prestar contas sobre sua cumplicidade. Vi-o uma vez na redação da Folha de S.Paulo, fazia parte
da corriola da linha-dura que andava por lá, era próximo do coronel Erasmo
Dias, assíduo em outras redações paulistanas.
Cabe
a nós completar esta e outras histórias. Nossas pautas são enormes. Com prêmio
ou sem prêmios precisamos tocá-las. Podemos ser encostados, jamais seremos
descartáveis. Parafraseando Kant, nossa missão é interminável. Com ou sem
papel, nosso papel é intransferível.”
Parabéns pela matéria.
ResponderExcluirObrigado. Mas o Dines é que merece os cumprimentos.
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