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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A VANGUARDA DO ATRASO


Neste texto, o antropólogo baiano Antônio Risério deconstroi a sociologia paulista, de base uspiana, que por anos a fio desceu o cacete no “populismo nacional-desenvolvimentista”, mas não percebeu o ovo da serpente que se desenvolvia no polo mais dinâmico do capitalismo brasileiro.

Cegueira sociológica
Por Antônio Risério (*)

Lula e Getúlio Vargas: mitos nacionais
Politicamente ridículo e intelectualmente vexaminoso o texto dos “partidos governistas” dizendo que setores conservadores da sociedade brasileira estão querendo fazer, com Lula, o que fizeram com Getúlio Vargas em 1954 e com Jango Goulart, dez anos depois. Falar de “golpismo” e “ataque à democracia”, no contexto atual, é mais rasteiro do que confundir tratado-de-tordesilhas com tarado-atrás-das-ilhas. Aciona-se completamente fora de propósito, a velha retórica esquerdista da década de 1960.
O mito Lula foi ferido, sim. O de Vargas, também. Pouco antes de ele se matar, seu governo andava atolado em corrupção e denuncias de corrupção (com Samuel Wainer na mira), – e ainda sobrou o tiro disparado contra Carlos Lacerda. Mas mitos não são destruídos facilmente. E há toda a grandeza de Lula a impedir isso. A forte transformação do Brasil e da sociedade brasileira em seus governos – especialmente em matéria de diminuição das distâncias sociais. Mas não é isso o que quero discutir. Em vez de ficar na antropologia (leitura do mito), ou na defesa do ex-presidente (até muito fácil de fazer, em termos comparativos), meu tema diz respeito a um campo particular da sociologia política. À sociologia dos partidos e do voto no Brasil.
Porque nos ensinaram quase tudo errado nessa matéria. Principalmente, a sociologia paulista, que vinha fazendo nossas cabeças desde a década de 1960. O que ela dizia? O professoral, com seus dados e suas pesquisas supostamente científicas? Simples. Que o voto na direita era coisa ligada ao atraso econômico, coisa mais do campo e de baixo grau de urbanização. O voto “progressista”, ao contrário, era típico de lugares que conheciam o avanço econômico, a modernização técnica, a expansão urbana.
Jânio Quadros, o primeiro populista de direita
A gente ouvia e seguia repetindo os clichês, acreditando que era isso mesmo. A cegueira de nossos sociólogos, no entanto, era espantosa. Algo de simplesmente inacreditável. Afinal, eles estavam plantados numa cidade que negava, direta e espetacularmente (e até mesmo com estardalhaço), as suas lições: São Paulo. Se a tese sociológica estivesse certa, São Paulo deveria ser uma cidade totalmente entregue ao voto “progressista”. Mas, o que acontecia ali era justamente o contrário. Os chamados “progressistas” na maioria das vezes eram (e ainda hoje são) batidos, inclusive com Dilma Rousseff perdendo para José Serra, o grande guerreiro da condenação e do combate ao aborto. São Paulo aparecia então – e continuaria aparecendo- como território direitista e expressão fortíssima do voto de direita.
Adhemar de Barros, o "rouba, mais faz"
Uma cidade basicamente conservadora, quase reacionária, direitista, onde Getúlio Vargas e Lula nunca venceram disputas eleitorais. A cidade que elegia Adhemar de Barros, Jânio Quadros (sempre vencedor, atravessando décadas para dar uma surra em Fernando Henrique Cardoso, em disputa pela prefeitura paulistana.), Paulo Maluf, Gilberto Kassab (que era do DEM) – e que agora, depois de eleger Kassab e Celso Pitta, pode vir a eleger mais uma cria do malufismo, o espertíssimo Celso Russomano. A cidade do populismo de direita, enquanto o Rio de Janeiro, apesar de Carlos Lacerda, tinha portas abertas ao populismo de esquerda – e, por isso mesmo, votou em Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, com a nossa mais recente volta à democracia.
Paulo Maluf,, governador biônico e prefeito eleito
Como nossos ilustres sociólogos não viam isso? Como não viam a poderosa presença política da direita no horizonte da cidade, na vida e na cabeça de seus habitantes? Como não sabiam levar, para suas análises e reflexões, o rosário de vitórias direitistas, que só conheceria um intervalo recente, entre o final do século passado e o começo deste, com as eleições de Luiza Erundina, em 1989 e Marta Suplicy em 2000? Não sei. Mas o fato é que, nesse campo, nossa sociologia política (quase toda ela de extração marxista) se revelava incapaz de enxergar um palmo diante do nariz, incapaz de conhecer o movimento das ruas, o que rolava ao ar livre na cidade.
(*) Escritor e antropólogo. Trabalha atualmente na campanha de Fernando Haddad em São Paulo. Artigo publicado no jornal A Tarde de 29/09/2012

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