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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

POLÍTICA, NÃO APENAS ELEITORAL


Trechos da entrevista com o cientista político Luis Werneck Vianna, onde ele fala sobre alianças políticas, presidencialismo de coalizão, e da necessidade de rompermos o quadro de imobilismo que esse sistema propicia. Para isso, diz Werneck, é preciso encontrar novas formas de conjurar a instabilidade crônica que levou às traumáticas renúncias de dois presidentes psicologicamente instáveis e que não tinham maioria no Congresso: Jânio Quadros em 1961 e Fernando Collor de Melo, em 1992. Segundo ele, é preciso institucionalizar um sistema de alianças para consolidar os partidos e depender menos do personalismo político.
         
HU On-Line – Que espécie de política se desenha em nosso país a partir das alianças que vêm sendo feitas em nome da busca pelo poder?
Jânio Quadros: personalista e errático...
Werneck Vianna – Nossa forma não programática de alianças, que são feitas por meros interesses eleitorais – como o tempo de televisão –, já têm uma certa história. O presidencialismo de coalizão tem tido essa característica entre nós, porque não necessariamente ele deve ser tão arbitrário quanto à orientação programática. Mas o fato é que ele tomou essa característica desde o governo Fernando Henrique Cardoso, porque as alianças têm sido desencontradas. Ao longo dos mandatos do PT, especialmente a partir do segundo mandato do presidente Lula, isso tomou uma proporção imensa.
Na verdade, essas alianças não são feitas para que uma determinada orientação seja posta em prática, ou um determinado programa se viabilize, mas apenas para garantir maioria parlamentar para o governante.

Aliás, o tema da maioria parlamentar se tornou um espantalho desde o impeachment do governo Collor. Hoje a queda é atribuída, em boa parte de modo verdadeiro, ao fato de ele vir de um partido minoritário e não ter sabido compor uma base congressual. A partir daí, esse espantalho vem dominando o presidencialismo brasileiro.

O fato é que, desde que essa política foi sendo vitoriosa, caíram todas as reservas, todas as prudências, formando-se um campo aberto de troca. Esse é o lado nefasto.
No entanto, olhando de outro ângulo, essa base larga, essa ampla maioria que hoje o chefe do Executivo tem conseguido lograr no Legislativo tem dado estabilidade à política brasileira.

Mas é uma estabilidade que não faculta a aventura, o risco, a descoberta, a inovação. Certas reformas muito necessárias para que o país dê um avanço, um salto, esbarram nessa larguíssima coalizão, que atinge várias dimensões, desde a economia e a política até a sociedade.

...Como Collor de Melo, 30 anos depois
Os ventos cruzados que se estabelecem no interior da coalizão governamental fazem com que haja um comportamento paquidérmico do governo, que é obrigado a respeitar os limites dados por essa amplíssima base governamental, onde todos cabem e onde tudo cabe. São embates que se sucedem e que têm um consenso muito difícil, e que não dão nenhum bônus, não dão agilidade e limitam a capacidade de uma nação em um momento em que inovar é fundamental.

É preciso mudar o repertório da política que está anacrônico já há algum tempo. É evidente que essas alianças, por outro lado, afetam a identidade partidária. Os partidos já são naturalmente enfraquecidos por uma série de circunstâncias sociais que não são atuantes apenas aqui no Brasil, mas com essas acrobacias se tornam ainda mais vulneráveis.

Por exemplo, em tese é aceitável, mas é difícil digerir o apoio de Paulo Maluf à candidatura do PT, por causa do histórico de oposição entre eles e pela história pessoal de Maluf, que não é muito recomendável.

IHU On-Line – É possível governar sem alianças políticas em um regime democrático?
Werneck Vianna – As alianças são absolutamente necessárias. Quanto a isso não resta nenhuma dúvida. Em uma sociedade plural, como a brasileira, pensar que uma tendência ou partido, ou apenas um sistema de orientação dará cabo dos problemas existentes é cair na ilusão, mesma ilusão que o Collor teve, de que a partir de um Executivo forte é possível reformar e reestruturar o país.
Essa experiência foi feita também por Jânio Quadros antes de 1964, que governou sem uma base forte de sustentação e isso o levou à crise e à renúncia.


IHU On-Line – O problema está nos limites dessas alianças…
Werneck Vianna – Certamente. O limite deveria ser o programa. Mesmo que não fosse um programa explícito, mas um programa que tivesse certa abrangência, que pudesse admitir parceiros com identidades diversas e que pudesse ser revisado, e não essa “feira” ideológico-político-partidária em que nos encontramos, cujo efeito é o de estimular o decisionismo do Executivo, porque, dado esse embate entre as forças políticas que têm orientação desencontrada, esse poder se sente compelido a agir por sua própria orientação, tentando produzir resultados quase autocraticamente, através desse sistema decisionista, vertical. Este é um efeito muito negativo dessa construção.

IHU On-Line – O senhor poderia fazer uma breve análise do atual quadro partidário brasileiro?
Werneck Vianna – Não é fácil. Se formos tentar trabalhar a partir da clivagem mais ideológica, de velho tipo, teremos os partidos de orientação socialista e os partidos de orientação liberal-burguesa. Num campo teremos o PT, o PCdoB, o PSOL, o PPS de certo modo, que tem até o socialismo no nome, e teremos o PSB. E do outro lado teremos o DEM e outros que de memória não consigo recuperar. Não posso esquecer de mencionar o PDT, que entra no campo doutrinário do socialismo, isso se formos tomar o que é dito e não o que é praticado. Essa linha ideológica se mostra inoperante para recortar o quadro atual.

Alianças: por que esta aliança causou tanta indignação cívica... 
O que temos é agregação de interesses. Temos partidos que agregam os evangélicos, os ruralistas e as corporações, que também se fazem presentes. Elas invadem a vida partidária. Esse sistema partidário não foi feito para que a sociedade encontre formas expressivas de se incluir no mundo da política. Ele está feito para expressar interesses e diferenças regionais; não é um quadro que favoreça a limpeza e a firmeza de identidade. 

Ele está voltado para uma grande competição eleitoral. Isso certamente não oferece um bom cenário para a democracia política brasileira.
Por outro lado, tudo o que existe em nossa sociedade encontra formas de expressão na vida política partidária, o que é uma dimensão saudável. No entanto, isso cria um quebra-cabeça de enorme dificuldade.

O presidencialismo de coalizão é uma resposta a isso: é criar certa unidade a partir deste mundo extremamente fragmentário. O problema é que só quem pode estabelecer essa unidade é o Executivo, o que faz com que esse quadro, que é aparentemente ameno e afável de expressão da diversidade existente na sociedade brasileira, contenha elementos autoritários, que favorecem a ação do Executivo, porque só ela é capaz de cimentar e soldar essa multiplicidade de identidades e interesses.

Diga-se de passagem que o presidente Lula demonstrou um enorme tirocínio e habilidade em trabalhar diante desse cenário, tirando proveito desse quadro político e colocando-o a seu favor. Essa solda, esse cimento que ele soube instituir não é uma arte de fácil transferência. Essa era uma das características dele, pela sua capacidade de articulação que veio do seu treinamento no mundo sindical.
Com a Dilma temos outro quadro na mesma política. Ela imprime outra administração, de alta burocracia do mundo da gestão, o que não quer dizer que ela seja indiferente à política. E não é. Mas ela não tem nem o mesmo gosto, nem o mesmo treino.

...E esta, nem tanto - na verdade, quase nada?
IHU On-Line – Em entrevista concedida à nossa revista em março deste ano, o senhor apostava no ressurgimento da política nos próximos anos com muita força, apontando que “não há mais possibilidade de segurar a sociedade com esse jogo de manter os contrários em permanente equilíbrio”. Como avalia essa declaração hoje, quatro meses depois?
Werneck Vianna – Confirmo-a inteiramente. Só que quando me refiro aos “contrários”, não falo das concepções antagônicas do mundo como, por exemplo, concepções socialistas e concepções liberal-capitalistas. Eu estava me referindo a interesses. O que eu estava dizendo é que o governo Lula foi capaz de trazer para o seu interior múltiplos interesses divergentes como a agricultura familiar e o agronegócio.
Eu dizia que essa operação tinha um prazo de validade e que no governo Dilma tenderia a se derruir. E vejo que está se derruindo diante dos nossos olhos. Nós podemos dizer que a política volta agora de forma muito clara. As eleições municipais estão deixando isso manifesto. A pluralidade da sociedade está procurando formas expressivas como independência dessa forma política do presidencialismo de coalizão.


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