Trechos da entrevista com o cientista político Luis Werneck Vianna, onde
ele fala sobre alianças políticas, presidencialismo de coalizão, e da
necessidade de rompermos o quadro de imobilismo que esse sistema propicia. Para
isso, diz Werneck, é preciso encontrar novas formas de conjurar a instabilidade
crônica que levou às traumáticas renúncias de dois presidentes psicologicamente
instáveis e que não tinham maioria no Congresso: Jânio Quadros em 1961 e
Fernando Collor de Melo, em 1992. Segundo ele, é preciso institucionalizar um
sistema de alianças para consolidar os partidos e depender menos do
personalismo político.
HU On-Line – Que espécie de política se
desenha em nosso país a partir das alianças que vêm sendo feitas em nome da
busca pelo poder?
Jânio Quadros: personalista e errático... |
Werneck Vianna – Nossa forma não programática de
alianças, que são feitas por meros interesses eleitorais – como o tempo de
televisão –, já têm uma certa história. O presidencialismo de coalizão tem tido
essa característica entre nós, porque não necessariamente ele deve ser tão
arbitrário quanto à orientação programática. Mas o fato é que ele tomou essa
característica desde o governo Fernando Henrique Cardoso, porque as alianças
têm sido desencontradas. Ao longo dos mandatos do PT, especialmente a partir do
segundo mandato do presidente Lula, isso tomou uma proporção imensa.
Na verdade, essas alianças não são feitas
para que uma determinada orientação seja posta em prática, ou um determinado
programa se viabilize, mas apenas para garantir maioria parlamentar para o
governante.
Aliás, o tema da maioria parlamentar se
tornou um espantalho desde o impeachment do governo Collor. Hoje a queda é
atribuída, em boa parte de modo verdadeiro, ao fato de ele vir de um partido
minoritário e não ter sabido compor uma base congressual. A partir daí, esse
espantalho vem dominando o presidencialismo brasileiro.
O fato é que, desde que essa política foi
sendo vitoriosa, caíram todas as reservas, todas as prudências, formando-se um
campo aberto de troca. Esse é o lado nefasto.
No entanto, olhando de outro ângulo, essa
base larga, essa ampla maioria que hoje o chefe do Executivo tem conseguido
lograr no Legislativo tem dado estabilidade à política brasileira.
Mas é uma estabilidade que não faculta a
aventura, o risco, a descoberta, a inovação. Certas reformas muito necessárias
para que o país dê um avanço, um salto, esbarram nessa larguíssima coalizão,
que atinge várias dimensões, desde a economia e a política até a sociedade.
...Como Collor de Melo, 30 anos depois |
Os ventos cruzados que se estabelecem no
interior da coalizão governamental fazem com que haja um comportamento
paquidérmico do governo, que é obrigado a respeitar os limites dados por essa
amplíssima base governamental, onde todos cabem e onde tudo cabe. São embates
que se sucedem e que têm um consenso muito difícil, e que não dão nenhum bônus,
não dão agilidade e limitam a capacidade de uma nação em um momento em que
inovar é fundamental.
É preciso mudar o repertório da política
que está anacrônico já há algum tempo. É evidente que essas alianças, por outro
lado, afetam a identidade partidária. Os partidos já são naturalmente
enfraquecidos por uma série de circunstâncias sociais que não são atuantes
apenas aqui no Brasil, mas com essas acrobacias se tornam ainda mais vulneráveis.
Por exemplo, em tese é aceitável, mas é
difícil digerir o apoio de Paulo Maluf à candidatura do PT, por causa do
histórico de oposição entre eles e pela história pessoal de Maluf, que não é
muito recomendável.
IHU On-Line – É possível governar sem
alianças políticas em um regime democrático?
Werneck Vianna – As alianças são absolutamente
necessárias. Quanto a isso não resta nenhuma dúvida. Em uma sociedade plural,
como a brasileira, pensar que uma tendência ou partido, ou apenas um sistema de
orientação dará cabo dos problemas existentes é cair na ilusão, mesma ilusão
que o Collor teve, de que a partir de um Executivo forte é possível reformar e
reestruturar o país.
Essa experiência foi feita também por
Jânio Quadros antes de 1964, que governou sem uma base forte de sustentação e
isso o levou à crise e à renúncia.
IHU On-Line – O problema está nos limites dessas alianças…
Werneck Vianna – Certamente. O limite deveria ser o
programa. Mesmo que não fosse um programa explícito, mas um programa que
tivesse certa abrangência, que pudesse admitir parceiros com identidades
diversas e que pudesse ser revisado, e não essa “feira”
ideológico-político-partidária em que nos encontramos, cujo efeito é o de
estimular o decisionismo do Executivo, porque, dado esse embate entre as forças
políticas que têm orientação desencontrada, esse poder se sente compelido a
agir por sua própria orientação, tentando produzir resultados quase
autocraticamente, através desse sistema decisionista, vertical. Este é um
efeito muito negativo dessa construção.
IHU On-Line – O senhor poderia fazer uma
breve análise do atual quadro partidário brasileiro?
Werneck Vianna – Não é fácil. Se formos tentar trabalhar
a partir da clivagem mais ideológica, de velho tipo, teremos os partidos de
orientação socialista e os partidos de orientação liberal-burguesa. Num campo
teremos o PT, o PCdoB, o PSOL, o PPS de certo modo, que tem até o socialismo no
nome, e teremos o PSB. E do outro lado teremos o DEM e outros que de memória
não consigo recuperar. Não posso esquecer de mencionar o PDT, que entra no
campo doutrinário do socialismo, isso se formos tomar o que é dito e não o que
é praticado. Essa linha ideológica se mostra inoperante para recortar o quadro
atual.
Alianças: por que esta aliança causou tanta indignação cívica... |
O que temos é agregação de interesses.
Temos partidos que agregam os evangélicos, os ruralistas e as corporações, que
também se fazem presentes. Elas invadem a vida partidária. Esse sistema
partidário não foi feito para que a sociedade encontre formas expressivas de se
incluir no mundo da política. Ele está feito para expressar interesses e
diferenças regionais; não é um quadro que favoreça a limpeza e a firmeza de
identidade.
Ele está voltado para uma grande competição eleitoral. Isso
certamente não oferece um bom cenário para a democracia política brasileira.
Por outro lado, tudo o que existe em nossa
sociedade encontra formas de expressão na vida política partidária, o que é uma
dimensão saudável. No entanto, isso cria um quebra-cabeça de enorme
dificuldade.
O presidencialismo de coalizão é uma
resposta a isso: é criar certa unidade a partir deste mundo extremamente
fragmentário. O problema é que só quem pode estabelecer essa unidade é o
Executivo, o que faz com que esse quadro, que é aparentemente ameno e afável de
expressão da diversidade existente na sociedade brasileira, contenha elementos
autoritários, que favorecem a ação do Executivo, porque só ela é capaz de
cimentar e soldar essa multiplicidade de identidades e interesses.
Diga-se de passagem que o presidente Lula
demonstrou um enorme tirocínio e habilidade em trabalhar diante desse cenário,
tirando proveito desse quadro político e colocando-o a seu favor. Essa solda,
esse cimento que ele soube instituir não é uma arte de fácil transferência.
Essa era uma das características dele, pela sua capacidade de articulação que
veio do seu treinamento no mundo sindical.
Com a Dilma temos outro quadro na mesma
política. Ela imprime outra administração, de alta burocracia do mundo da
gestão, o que não quer dizer que ela seja indiferente à política. E não é. Mas
ela não tem nem o mesmo gosto, nem o mesmo treino.
...E esta, nem tanto - na verdade, quase nada? |
Werneck Vianna – Confirmo-a inteiramente. Só que quando
me refiro aos “contrários”, não falo das concepções antagônicas do mundo como,
por exemplo, concepções socialistas e concepções liberal-capitalistas. Eu
estava me referindo a interesses. O que eu estava dizendo é que o governo Lula
foi capaz de trazer para o seu interior múltiplos interesses divergentes como a
agricultura familiar e o agronegócio.
Eu dizia que essa operação tinha um prazo
de validade e que no governo Dilma tenderia a se derruir. E vejo que está se
derruindo diante dos nossos olhos. Nós podemos dizer que a política volta agora
de forma muito clara. As eleições municipais estão deixando isso manifesto. A
pluralidade da sociedade está procurando formas expressivas como independência
dessa forma política do presidencialismo de coalizão.
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