Kenneth Watz |
Nesta entrevista reproduzida abaixo, o veterano
cientista político Kenneth Waltz defende o direito de o Irã ter a bomba atômica - já que Israel tem a sua - e diz que o equilíbrio do terror entre EUA e URSS e Índia e Paquistão conseguiu
reduzir o perigo de grandes conflitos. Numa análise fria e pragmática, ele não
invoca qualquer questão moral para sustentar sua posição, mas ampara-se em
conceitos geopolíticos de equilíbrio do poder, como um bom representante da
escola realista - neorrealista, no caso - de relações internacionais e um legítimo herdeiro de mestres
como Edward H. Carr, Hans Morgenthau e George Kennan.
Kenneth Waltz e “porque o Irã deve ter a bomba”
Do The Diplomat
Kenneth Waltz conversa com Zachary Keck sobre seu
controverso artigo na Foreign Affairs, ”Why Iran
Should Get the Bomb”, sobre a China, os problemas entre Índia-Paquistão,
terrorismo e mais.
Ao longo dos anos você entrou no debate político em
apenas algumas ocasiões de sua escolha, como nas críticas à guerra dos Estados
Unidos no Vietnã. Isso me leva a perguntar: o que o fez escrever sobre a
questão nuclear iraniana?
Pensei que era uma questão importante que não estava
sendo discutida adequadamente. A questão estava sendo definida de forma
estreita, em termos do Irã. Mas há outras lições importantes além do país e da
região que precisam ser consideradas e que podem ser aplicadas ao caso do Irã.
Eu estava interessado no que poderia contribuir neste aspecto do debate. Mas
fiz isso principalmente porque a [revista] Foreign Affairs pediu.
Os formuladores de política trabalham da perspectiva de
seus próprios interesses nacionais. Como você nota no artigo para a Foreign
Affairs, Israel obtém benefícios substanciais com seu monopólio nuclear
regional e um Irã nuclearmente armado reduziria significativamente a liberdade
de ação de Israel e dos Estados Unidos na região. Qual é o incentivo para que
formuladores de política israelenses e norte-americanos evitem que o Irã
obtenha armas nucleares?
O míssil balístico Jerico III: só Israel pode? |
Claramente Israel tem um grande interesse em evitar
que o Irã se torne um estado nuclear. Não acho que o mesmo se aplique aos
Estados Unidos. O interesse norte-americano de longo prazo é que a região seja
estável e pacífica. A existência de um único poder nuclear sem equilíbrio é
receita para instabilidade a longo prazo. O dado impressionante é que Israel
tenha conseguido se manter o único poder nuclear por tanto tempo! Neste
sentido, Israel é uma anomalia. A anomalia será removida se o Irã se tornar um
poder nuclear.
Quando o governo Obama assumiu o poder, muitos
ofereceram a visita de Nixon à China como um modelo que o presidente Obama
poderia seguir para acabar com a natureza contraditória das relações Estados
Unidos-Irã. Não se disse, no entanto, que a reaproximação sino-estadunidense
ocorreu depois que a China obteve disuassão nuclear confiável (embora não necessariamente
por causa disso). Poderia a conquista de uma arma nuclear pelo Irã tornar a
reaproximação com os Estados Unidos mais provável no futuro?
Não sei se seria uma reaproximação genuína. Mas penso
que, como aconteceu com outros países nucleares que temíamos originalmente, os
Estados Unidos virão a aceitar o Irã como um estado nuclear, refletindo um
padrão bem estabelecido. Nós nos opomos a qualquer estado do qual não gostamos
e desconfiamos quando ele se torna nuclear. Quando isso acontece, não temos
escolha a não ser viver com isso. Então poderemos ter uma relação muito mais
calma com o Irã do que temos agora.
Você frequentemente aponta para a relação
Índia-Paquistão como exemplo de onde a introdução de armas nucleares
estabilizou uma relação antes inclinada para a guerra. Alguns leitores do
Diplomat na Índia devem se perguntar se tiraram alguma vantagem disso. Embora
nenhuma grande guerra tenha sido iniciada desde os testes nucleares de 1998,
grupos terroristas paquistaneses promoveram uma série de ataques dentro da
Índia, aos quais Nova Delhi teve dificuldade para responder por causa do poder
dissuasório nuclear de Islamabad. Dado que o tamanho da população e da economia
da Índia fazem dela um poder militar convencional muito maior, Islamabad não se
conteria mais se os dois poderes não tivessem armas nucleares?
Com a bomba, paquistaneses e indianos ficam só na ameaça |
A Índia naturalmente não queria que o Paquistão se
tornasse um estado nuclear. Um segundo estado nuclear naturalmente prejudica o
primeiro. É difícil imaginar um estado nuclear aceitando facilmente ou
graciosamente que seu adversário se torne nuclear. Mas certamente, a longo
prazo, as armas nucleares significaram paz no subcontinente. Isso em grande
contraste com as expectativas da maioria das pessoas. Abundaram declarações de
especialistas, acadêmicos e jornalistas sugerindo que as armas nucleares
significariam guerra no subcontinente. Todos estes especialistas negaram que o
relacionamento entre a Índia e o Paquistão poderia vir a ser parecido com o que
houve entre Estados Unidos e União Soviética. Quando dois países tem armas
nucleares se torna impossível para qualquer deles atacar os interesses
manifestadamente vitais do outro. Ainda é possível, no entanto, que estados
nucleares se envolvam em escaramuças e elas podem ser mortais. Um exemplo
histórico disso foram as disputas fronteiriças entre União Soviética e China
(1969) e mais recentemente os ataques em Mumbai. Mas nunca estas escaramuças sairam de
controle para provocar uma guerra abertamente declarada.
Na Foreign Affairs e em outros lugares você disse que
muitos estados se tornam menos agressivos depois de obter o poder disuassório
nuclear. Um país que não parece seguir este padrão, no entanto, é a Coreia do
Norte. As ações de Pyongyang em anos recentes incluem o afundamento do [navio]
Cheonan e os ataques a Yeonpyeong [na Coreia do Sul]. O que impediria o Irã,
armado com bombas nucleares, de seguir o mesmo padrão?
É verdade que a Coreia do Norte tem se envolvido em
negócios nefastos. Mas é importante ter em mente que não é um rompimento com a
tradição. O regime de Kim se engajou em terrorismo e provocações por décadas —
você pode se lembrar que a Coreia do Norte foi responsável pelo assassinato de
vários ministros da Coreia do Sul em 1968. Assim, é verdade que a Coreia do
Norte não se tornou completamente pacífica desde que conseguiu armas nucleares.
Mas ao mesmo tempo não penso que se tornou muito mais agressiva. Na verdade,
tem sido notavelmente constante em sua tendência de ameaçar a Coreia do Sul.
O objetivo de abolir armas nucleares recebeu uma
grande atenção em anos recentes, com alguns formuladores de política alinhados
ao realismo dando apoio à ideia. Você se mantém cético. Por que?
A bomba explodiu quando ela era monopólio de um só país |
O presidente Obama e vários outros advogam a abolição
das armas nucleares e muitos aceitaram este objetivo como desejável e realista.
Mesmo considerar o objetivo e contemplá-lo me parecem estranhos. De um lado o
mundo conhece as guerras desde tempos imemoriais até agosto de 1945 [quando os
Estados Unidos detonaram a bomba de Hiroshima]. Desde então, não houve guerras
entre os maiores estados do mundo. A guerra foi relegada a estados periféricos
(e, naturalmente, dentro deles). As armas nucleares são as únicas armas
promotoras da paz que o mundo já conheceu. Seria estranho para mim advogar a
abolição delas, já que tornaram as guerras praticamente impossíveis. Minhas
ideias são reforçadas e melhor explicadas no [livro] Spread of
Nuclear Weapons, que escrevi com Scott Seagan.
Em recente entrevista a James Fearon, você predisse
que o período do mundo unipolar em breve acabaria e apontou a China como o país
emergirá como o próximo superpoder. Qual deveria ser a resposta dos Estados
Unidos ao crescente poder da China? Você acha que a nova política do governo
Obama na Ásia é devida ou os Estados Unidos não deveriam se preocupar demais,
dada a estabilidade inerente à bipolaridade e ao fato de que os dois países são
poderes nucleares?
Deveríamos nos preocupar, naturalmente, como qualquer
país se preocupa quando as relações de poder no mundo mudam. Certamente, os
Estados Unidos estão dedicando maior atenção à Ásia. Isso é justificável por
vários motivos, inclusive pela crescente importância econômica da Ásia. Não há
razão para os Estados Unidos ficarem preocupados indevidamente com a crescente
importância da China. A China não pode usar suas armas nucleares para
intimidar, não mais que os Estados Unidos. A situação entre os dois grandes
poderes é inerentemente estável por esta razão. Entre os Estados Unidos, a
China e entre outros grandes poderes, vai haver um extenso período de
ajustamento sobre uma série de questões locais (China e Japão, China e o
Sudeste da Ásia, demandas da China sobre ilhas, etc.). Mas estas devem ser
disputas menores e não devem ser encaradas como perigosas.
Finalmente, qual é sua avaliação geral da política
externa do governo Obama? O que, em sua opinião, ele fez certo e onde há
necessidade de mudanças?
O governo Obama fez bem ao tentar reduzir a
proeminência da dimensão militar na política externa norte-americana. Mas há
muito por fazer. Nossos gastos militares não foram reduzidos tanto quanto
deveriam ter sido. Os Estados Unidos não enfrentam ameaça militar fundamental e
raramente um país esteve nesta posição. Precisamos completar a retirada do
Afeganistão. O motivo que nos leva a seguir o exemplo tolo e secular de ficar
atolado naquele país me escapa. No Iraque, erramos ao invadir. Por isso apoiei
a retirada do Obama. Gostaria de ver o mesmo no Afeganistão o mais rapidamente
possível. O governo Obama também adotou uma política mais sistemática em relação
ao terrorismo. O governo Bush reagiu com força a um ataque terrorista, mas o
terrorismo como ameaça a interesses norte-americanos foi grandemente exagerado
nestes anos — houve um exagero absurdo na reação. A reação do governo Bush ao
terrorismo não foi surpreendente porque tinhamos tido pouca experiência com o
terrorismo internacional. Mas o governo Obama adotou uma política mais
equilibrada — um sinal da crescente sabedoria que advém de anos de experiência
sobre o significado do fenômeno. Em geral, esse equilíbrio tem sido uma
característica da política externa do governo Obama.
Clique aqui para ler a versão original, em inglês:
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