Pinochet e Thatcher: a 'pérfida Albion' não esquece os amigos |
O país que libertou
o psicopata assassino Augusto Pinochet por “razões humanitárias” e que cujos
governos mantiveram relações promíscuas com o hipermagnata da mídia Rupert Murdoch agora se recusa a dar um salvo conduto para que Julian Assange, criador
do Wikileaks, possa se asilar no Equador. Sim, o Equador de Rafael Correa,
aquele inimigo contumaz da liberdade de imprensa, segundo a grande mídia,
lembram-se? Não satisfeito, o governo de Sua Majestade britânica ameaça invadir
a embaixada do Equador em
Londres - coisa que nem ditaduras têm coragem de fazer. E todo mundo acha normal. Imaginem a grita se Rafael Correa
ou Hugo Chávez tencionassem algo semelhante.
O soldado Bradley Manning, preso sem julgamento nos EUA |
E o que dizer do governo americano, que mantém preso, em confinamento solitário, sem julgamento – sabe-se lá por quanto tempo – o soldado Bradley Manning, que passou as informações sigilosas do Departamento de Estado para o Wikileaks? Cadê os movimentos sociais, as ONGs internacionais que denunciam abusos só abaixo do Rio Grande? Cadê as entidades de defesa dos homossexuais? (Manning é homossexual)? Cadê a mídia sempre pronta a denunciar ameaças à liberdade de expressão na Venezuela, no Equador e na Argentina? Ou a violação de direitos humanos não conta quando acontece num país de "Primeiro Mundo"? O texto do Paulo Moreira Leite faz um bom apanhado sobre o caso.
Liberdades seletivas
Paulo Moreira Leite, em seu blog
Pois é, meus amigos.
Coube ao governo de Rafael Correa, apontado como inimigo da liberdade de imprensa,
acusado de ser um candidato a ditador latino-americano, boliviariano de
carteirinha, a primeira e até agora única iniciativa para defender os direitos
de Julian Assange, o patrono do Wikileaks, responsável pelas mais importantes
revelações sobre a diplomacia norte-americana desde a a liberação dos papéis do
Pentágono, durante a Guerra do Vietnã.
Você sabe a história. Com auxílio de fontes militares, Assange divulgou pelos principais jornais do planeta um pacote de documentos internos do Departamento de Estado. Mostrou políticos locais bajulando embaixadores. Desmascarou demagogos e revelou pilantras sempre a postos a prestar favores a Washington, contrariando os interesses de seus países.
Graças a Assange, fomos informados de que a embaixada dos EUA em Tegucigalpa sempre soube que a queda de Manoel Zelaya, em 2009, foi um golpe de Estado – e não uma ação em defesa da democracia, como Washington passou a acreditar quando se constatou que seus aliados de sempre haviam se livrado de um adversário bolivariano para governar o país com os métodos reacionários de sempre.
Manifestantes pró-Assange em frente à embaixada do Equador em Londres |
Não é qualquer coisa, quando se sabe que, três anos mais tarde, outro elo fraco da democracia no continente – o Paraguai – seria derrubado num golpe instantâneo, desta vez com apoio de Washington desde o primeiro minuto.
As informações divulgadas por Assange não têm aquela função de entretenimento cotidiano, que alimenta a indústria de comunicação com sua carga regular de fofocas, escândalos, e vez por outra, grandes reportagens – relevantes ou não.
Ele também não é uma
Yaoni Sanchez, a dissidente cubana que faz oposição ao regime de Fidel Castro.
Yaoni deveria ter todo o direito de trabalhar em paz, ninguém discute.
Num período de Murdoch na Inglaterra e jornalismo cachoeira no Brasil, Assange atua em outra esfera e assumiu relevância mundial.
Veicula informações
de interesse público, confiáveis e fidedignas, que nos ajudam a entender como o
mundo funciona nos bastidores da vida real e não nos coquetéis promovidos por
empresas de relações públicas. Seu trabalho contribui, efetivamente, para
elevar a consciência de nossa época. E é por isso que incomoda tanto.
Pressionadas, até corporações financeiras gigantescas, como Visa e Master
Cards, deixaram de receber as contribuições que sustentavam o Wikileaks.
Num mundo em que tantos pilantras e delinquentes se enrolam na bandeira da liberdade de expressão para aplicar golpes e divulgar mentiras, Assange recoloca em termos atuais o debate sobre sigilo da fonte. Defender o sigilo da fonte, muitas vezes, é apenas uma obrigação em nome de um direito maior, que envolve uma proteção universal.
A defesa da liberdade de imprensa, muitas vezes, é feita apesar da imprensa. APESAR de seus erros, apesar de seus desvios, não se pode aceitar a censura e por isso defendemos o direito da imprensa errar. É essa situação que leva muitas pessoas a defender – com indignação risível – profissionais e veículos que cometem grandes barbaridades e veiculam delinquências em letras de forma só porque tem certeza da própria impunidade.
Julian Assange provocou escândalos porque não precisava ser tolerado nem defendido. Jamais publicou uma informação errada. Jamais pode ser acusado de falsificar um único dado. E, em nova ironia da história, o soldado que é apontado como sua fonte permanece preso, incomunicável, há quase 3 anos, num quartel dos Estados Unidos.
Com tais
antecedentes, você não teria receio de ser raptado e levado sem julgamento para
uma prisão nos EUA?
Murdoch (à esq.) e o premiê britânico David Cameron: eles se entendem |
Há outra ironia, porém. Abrigado na representação do Equador em Londres, Assange precisa de um salvo conduto para deixar o país. O governo Cameron se recusa a fornecer o documento. Conforme notícia dos jornais, até ameaça invadir a embaixada, o que seria, vamos combinar, um escândalo dentro de outro. Assim, o governo que protegeu e alimentou tantos empregados de Rupert Murdoch e sua fábrica de mentiras, resolve jogar duro contra uma organização que até agora só publicou verdades indesmentíveis.
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