O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos |
O presidente da Colômbia,
Juan Manuel Santos, anunciou que seu governo iniciará conversações com
representantes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o
principal grupo guerrilheiro do país. O processo ocorrerá em Oslo (Noruega) e
terá a mediação dos governos da Venezuela, Cuba e Noruega. Trata-se de mais uma
tentativa de pôr fim a um conflito de décadas e matou mais de 300 mil
colombianos.
O Bogotazo, em 1948 |
Ao contrário do que alardeia
a grande mídia, mais preocupada em propagar rótulos e visões maniqueístas, a
origem desse conflito é a brutal concentração de propriedade da terra e a conseqüente
desigualdade social. O assassinato do político reformista Jorge Eliécer Gaitán,
em abril de 1948, provocou violentas manifestações populares que ficaram
conhecidas como o Bogotazo, em que
milhares de pessoas morreram. Abriu-se um período de guerra civil no campo –
conhecido como La Violência – entre
os partidários dos partidos Liberal e Conservador. Em uma década, cerca de 200
mil colombianos foram mortos. A disputa por terras era o leitmotiv da violência. Esse período encerrou-se em 1958, quando os
dois partidos fizeram um acordo para acabar com os conflitos, mas deixaram a
questão agrária sem solução. Em 1964, o Partido Comunista da Venezuela fundou
as FARC aglutinando camponeses antes ligados ao Partido Liberal.
Guerrilheiros das Farc |
A história das FARC é
tortuosa. No início, eles foram uma guerrilha camponesa clássica, engajada em
combates na selva e na conquista de territórios. Militarmente, eles eram uma
miscelânea heterodoxa das práticas de Che Guevara e de Mao Tsé-tung, embora
jamais admitissem isso. As FARC chegaram a controlar cerca 40% do território
colombiano, a maioria na região amazônica, e a ter um contingente de 17 mil
homens (e mulheres) em
armas. Suas ações fizeram surgir os grupos paramilitares de extrema-direita,
ligados aos proprietários de terras e ao narcotráfico e treinados pelo
Exército. Eram esquadrões da morte que realizavam verdadeiros experimentos de
“limpeza social”, eliminando camponeses e roubando suas terras para realizar projetos
agroindustriais para lavar o dinheiro do narcotráfico. Neste contexto, a
violência só tendia a crescer.
O envolvimento das FARC com o
narcotráfico, portanto, não é constitutivo do movimento, mas decorrência do
domínio dessa atividade ilegal na economia colombiana. No início, os
guerrilheiros davam proteção a camponeses que eram ameaçados pelos
paramilitares. Depois, passaram a proteger os trabalhadores que cultivavam
drogas para vendê-las aos traficantes. A guerrilha então deu o passo fatal e
entrou no negócio para arrecadar fundos pensando que tinha meios de manter o
controle. Acabou sendo engolida por ele. Essa aliança com os narcos e prática
de seqüestros para extorquir dinheiro fez da organização um grupo bandoleiro.
Militantes da Unión Patriótica assassinados |
A aposta do governo colombiano
agora em negociar o fim dos conflitos é ousada. Até porque já houve outras, no
passado, que fracassaram rotundamente. A mais dramática foi primeira, nos anos
1980, afogada em fogo e sangue. As FARC tinham concordado em depor as armas se
transformar em partido político, a Unión Patriótica (UP). A UP teve grandes vitórias, encerrando o
domínio dos liberais e conservadores e conquistando mais de 300 prefeituras, dez
cadeiras no Senado e mais de 50 cadeiras na Câmara. Mas o candidato da UP a
presidente, Jaime Pardo Leal, foi morto a tiros em um comício. Menos de um ano
depois, as elites, os barões da droga e o Exército, com apoio dos EUA,
desencadearam uma guerra contra a UP e assassinaram mais da metade dos
deputados e prefeitos eleitos. No total, três mil militantes foram massacrados.
Acuadas, as FARC tiveram que reorientar sua política e voltar às selvas.
O Estado-Maior das Farc, com Mono Johoy e Marulanda (Tirofijo) |
Na
tentativa mais recente, em 1999, o governo desmilitarizou uma área de 42 mil
km², interrompeu as operações militares e iniciou conversações. Desta vez a
guerrilha não aproveitou a chance e as negociações fracassaram. Veio então o
Plano Colômbia e depois o governo de Álvaro Uribe, um tipo ligado aos
paramilitares que apostou na repressão sem tréguas à guerrilha. As FARC foram
enfraquecidas – vários líderes foram assassinados – mas não vencidas. Agora o
presidente Santos, antigo pupilo de Uribe – foi seu ministro da Defesa,
responsável pela repressão –, joga a carta da negociação. Uribe já saiu rosnando.
Mas, desta vez, parece que todos - governo e guerrilha - têm interesse em chegar a um acordo. Consta que o governo estaria disposto até a iniciar uma reforma agrária - o que acabaria com a causa maior do conflito. E, por mais que Uribe esperneie, já está demonstrado que a guerrilha, golpeada, não consegue avançar, mas tampouco o Exército consegue
dizimá-la. Alea jact est!
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