Começa o julgamento do chamado “mensalão”,
chamado pelos jornalões de “o julgamento do século”. A grande mídia já condenou
os réus por antecipação, só esperando que o STF referende tal veredicto, atendendo
ao “clamor popular”. É evidente que, se houve crime, tem que ser julgado e
condenado, com o devido direito à defesa. Mas a sanha udenista da mídia
conservadora é seletiva: ao mesmo tempo em que pede sangue no caso dos “mensaleiros”,
silencia sobre outros crimes, possivelmente muito maiores, como a privataria
promovida pelos governos tucanos, sobre a qual paira um silêncio ensurdecedor. Cheira
ao “mar de lama” que a UDN dizia estar mergulhado o segundo governo Getúlio Vargas
(1951-1954).
O
JULGAMENTO DA HISTÓRIA
Da
Carta Maior
No verdadeiro
julgamento da história, pouco importa o que cada personagem pensa de si; o
fator relevante, de fato, é a posição que ocupa no conflito de interesses que
desloca a fronteira do possível na vida de um povo e de uma época.
Objetivamente, no Brasil, nos últimos dez anos, essa fronteira se mexeu --não
sem contradições, tampouco à margem de tropeços e fortes resistências-- em
direção a um horizonte em que a questão social, os grandes interesses coletivos
que essa expressão condensa, passou a ser um divisor relevante na equação
política nacional. Isso aconteceu à revelia de alguns dos próprios
protagonistas que em dado momento estiveram à frente do processo. Vide a
condução da política econômica de 2003 a março de 2006. Não importa. O saldo da
década --por contraditório e dolorido que seja-- deslocou a relação de forças:
o Brasil é hoje o país menos desigual de sua história, ainda que conserve um
legado de barbárie em seu metabolismo. Não se trata de uma contabilidade
exclamativa; são estatísticas, não apenas as do IBGE; as urnas referendaram
esse saldo inconcluso; primeiro, como uma aposta, em 2002; depois como uma
repactuação assertiva, em 2006 e 2010. O julgamento que se estende de hoje até
a 1ª quinzena de setembro no STF pretende, a rigor, sustentar que esse percurso
cuja capilaridade contagiou o relevo, o discernimento, a auto-estima e o
imaginário da sociedade, resumiu-se a uma fraude. Um “mensalão” de R$ 30 mil
per capita, pago a deputados da base aliada, teria sido a alavanca dos
enfrentamentos que moveram a história a partir de 2003. O fato de que pretendam
reduzir a potência desse período a um truque judicialmente reversível, ademais
de evidenciar um certo desespero, diz quase tudo sobre a disposição passada, e
os planos futuros, dos interesses que nos próximos 45 dias tentarão reduzir
a travessia de uma década a uma miragem contra o interesse
público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário