O Tribunal de Justiça de São
Paulo reconheceu hoje, por três votos a zero, o coronel da reserva Carlos
Alberto Brilhante Ustra como torturador. Sobre ele, o ex-ministro da Justiça e
atual integrante da Comissão da Verdade José Carlos Dias disse o seguinte:
“O coronel Ustra encarna a lembrança mais terrível do período que
vivemos. Terá dito que lutou pela democracia, quando, na realidade, emporcalhou,
com o sangue de suas vítimas, a farda que deveria honrar”.
A
ação contra Brihante Ustra foi movida pela família Teles (César, Criméia e
Maria Amélia), presos e torturados no DOI-Codi do II Exército em 1973. Para Fábio
Konder Comparato, advogado da família, “a decisão vai melhorar muito a imagem
do Brasil diante de organizações internacionais que defendem os direitos
humanos”. Foi a primeira vez que um órgão colegiado da Justiça brasileira
reconheceu um agente da ditadura como torturador. Em junho, Ustra foi condenado
em primeira instância a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha
Merlino, assassinado em 1971 em decorrência de torturas no DOI-Codi da Tutóia.
Trata-se de uma decisão
histórica. Embora ainda caiba recurso, o veredicto do TJ confirma condenações
de Ustra em primeira instância. Mas é preciso lembrar que não basta reconhecer
torturadores que, embora oficiais das Forças Armadas, eram paus mandados dos
altos mandos militares e do próprio governo de então. Como lembra Paulo Sérgio
Pinheiro, outro integrante da Comissão da Verdade:
“[A prática de torturas durante a ditadura militar] não foi abuso, não
foi excesso: foi uma política de Estado. As dezenas de jovens assassinados no
Araguaia foram mortos por uma política pública que dizia que eles não poderiam
sair vivos de lá. As casas de tortura [a Casa da Morte em Petrópolis e
similares] também operavam por ordem dos ministérios militares. Se não
conseguirmos comprovar que todas as práticas de agentes contra militantes foram
políticas de Estado, falharemos no nosso papel”
Então, é preciso
responsabilizar os mandantes, mesmo que estejam mortos. Na Argentina, o general
Jorge Rafael Videla foi condenado à prisão perpétua e perdeu todos os postos e
condecorações militares. Hoje ele é um nada. Aqui, não apenas nenhum torturador
– à exceção agora de Ustra – foi processado ou condenado como os marechais e
generais que chefiaram a ditadura – como Médici, responsável pela ordem de aniquilar os guerrilheiros do Araguaia – não apenas mantiveram seus postos, manchando as
Forças Armadas que lutaram contra o nazi-fascismo na Itália, como dão nomes a
ruas e logradouros. Petulantes, as viúvas da ditadura ainda impedem qualquer
reconhecimento feito a combatentes. Em 2007, por exemplo, o
Ministério da Justiça concedeu a Carlos Lamarca (assassinado em 1971) o posto
de coronel do Exército – ele chegou a capitão – e o pagamento de uma
indenização à sua família. Mas em 2010, a Justiça acatou um pedido do Clube
Militar e suspendeu as ações.
Em 1946, o jornalista David
Nasser escreveu um livro, Falta Alguém em
Nuremberg, denunciando a impunidade do chefe da repressão do Estado Novo, o
capitão Filinto Müller. Pois bem, hoje, faltam muitos, quase todos, no banco
dos réus dos violadores de direitos humanos durante a ditadura.
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