O Senado Federal hoje tem 17 suplentes exercendo mandato. Suplentes que não tiveram um mísero voto. Isso significa que 20% da casa (81 senadores) é composta por uma nova modalidade de "biônicos". Abaixo, o artigo do Mauro Santayana sobre essa anomalidade da República.
A legitimidade do voto, a República e o voto
Por Mauro Santayana, no seu blog
Os escândalos políticos envolvendo o Senado têm
conduzido a uma reação equivocada de alguns setores da opinião pública, que o
consideram desnecessário e inútil, e propõem o sistema unicameral. Um dos
problemas mais graves de nossa vida política é o desconhecimento quase geral do
que seja o estado republicano. O mais grave é que ele resulta de uma decisão
histórica das oligarquias dirigentes, que sempre consideraram o poder como uma
coisa dos ricos proprietários rurais, dos comerciantes abastados das grandes
cidades e, logo depois, dos industriais, que transferiram para o pátio das
fábricas a mentalidade de senhores feudais. E hoje, sobre todos esses
interesses, paira o poder financeiro mundial.
Em razão disso, quando muito, concede-se às crianças
do povo que aprendam a ler mal e a escrever também mal. Não se ensina o que é
Estado, o que é Nação, o que é Política.
Desse desconhecimento padecem muitos
senadores e deputados. Isso quando não se elegem exatamente para agir contra o
povo. Assim, são capazes de elaborar leis que contrariam a razão lógica, sem
falar na ética, que, para eles não passa de uma palavra boa para discurso.
O parlamento devia ser a reunião dos delegados
eleitos, a fim de elaborar as leis que assegurassem, mediante normas justas, o
direito individual e coletivo dos cidadãos, e contrapor-se ao poder executivo.
Essa contraposição necessária se realiza, nos estados realmente republicanos,
na elaboração do orçamento impositivo – e na fiscalização do respeito da
administração ao texto constitucional. Os cidadãos sustentam as instituições do
Estado com os tributos, ou seja, com parcelas de seu trabalho. Em razão disso,
devem dizer em quê e como esse dinheiro será usado. O orçamento teria que ser o
ponto de gravidade dos parlamentos.
Mas não é assim, como todos sabemos, e da
distorção do processo orçamentário surgem algumas das grandes mazelas de nosso
sistema.
O sistema presidencialista de governo, nas repúblicas
federativas modernas, como é o caso do Brasil, se calcam no modelo
norte-americano. Os norte-americanos deram à instituição senatorial – que foram
buscar entre os romanos – dupla função: a de câmara legislativa e revisora, no
exercício da representação dos estados federados. Partiam da idéia de que a
Câmara dos Representantes, na base natural de one
man, one vote, significaria a ditadura dos estados mais populosos sobre os
de menor população. Era preciso, portanto, criar o Senado, não na base da
representação proporcional, mas sim, paritária, de forma a que os estados
menores moderassem o poder dos mais populosos. Esse foi também o entendimento
dos constituintes brasileiros de 91. No sistema norte-americano não existem suplentes
de senadores. No caso de vacância de uma cadeira, cada estado, com sua
autonomia legislativa, atua de forma particular para suprir o mandato.
Entre outros equívocos de nossa Constituição se
encontra a figura do suplente de senador.
No passado, durante a vigência da
Constituição de 1946, e mesmo na primeira legislatura depois de 88, muitos dos
suplentes eram políticos conhecidos, que tinham vida partidária ativa, e eram
selecionados nas convenções, juntamente com os aspirantes à posição como
titulares.
Longe estamos de um tempo em que o suplente de senador
tinha todas as condições, políticas, intelectuais e, quase sempre, morais, para
substituir o titular. Entre os muitos exemplos, cito um, o de Edgard de Godói
da Matta Machado, que foi suplente do Senador Itamar Franco.
Demóstenes Torres deu lugar a seu financiador |
Atualmente, eles são escolhidos entre os financiadores
dos candidatos principais, como é notório no caso do suplente do Senador
Demóstenes Torres. Sem um só voto, cavalgando na garupa do candidato goiano, o
empresário Wilder Morais chega ao Senado.
Como se informa, o ex-marido da atual
senhora Carlos Cachoeira financiou a candidatura de Demóstenes Torres com
700.000 reais. Não será exagero afirmar que ele adquiriu a legenda com esse
dinheiro e, provavelmente com mais algum obtido entre seus amigos, amigos muito
íntimos, como o próprio Cachoeira.
A opinião pública, em sua nova atitude diante do
poder, que não é bem a dos rebanhos bem comportados, está chamando os senadores
ao brio. Já é hora de emenda constitucional que acabe com a figura do suplente
– esse legislador sem voto – e estabeleça a convocação de novas eleições
regionais, no caso de morte ou impedimento do titular, que nunca poderá ser
deslocado para o poder executivo, sem perda de seu mandato.
Sem discutir os méritos dos suplentes, o que devemos
ter em conta é a legitimidade do mandato. Ninguém com um só voto – o do
candidato a titular – pode decidir em nome do povo de um estado, mesmo que seja
o mais capaz e o mais honrado.
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