John Wayne |
OS EUA E SUAS FICÇÕES
Mauro Santayana
Os EUA, enquanto sociedade, sempre transitaram
entre a fantasia e a realidade. A construção do mito americano e a sua
disseminação pelo mundo, foram essenciais para o “american way of life” e a
vitória sobre os soviéticos na Guerra Fria.
Usando o cinema como arma de propaganda e
cooptação cultural, os Estados Unidos, de Tom Mix a John Wayne, sempre
exploraram o mito do cavaleiro solitário, que é rápido no gatilho e vive à
margem do sistema, embora, na verdade, Calamity Jane tenha morrido de
alcoolismo, Buffallo Bill, de um problema renal, e Bat Masterson, do coração.
O cidadão típico norte-americano acredita
piamente nisso, e de vez em quando sua convicção no individualismo vai além da
crença, e explode como as bombas do “Unabomber” John Kaczynski, ou do veterano
da Guerra do Golfo Timothy McVeigh, que implodiu em 1995 o Edifício Federal de
Olklahoma City, com centenas de pessoas em seu interior.
Do hábito de fantasiar o passado de seus mitos
os norte-americanos passaram a dar-lhes outras dimensões, mediante a ficção dos
quadrinhos, com o aparecimento, em 1938, do Super-Homem, e, não por acaso, um
ano antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
O menino de Krypton seria logo seguido de uma
longa linhagem de seres dotados de identidades secretas e super-poderes, e
alguns deles, como o Capitão América e o Príncipe Submarino, seriam convocados
para combater, no plano da fantasia, os inimigos externos dos Estados Unidos.
Com o tempo, os roteiros e os vilões
tornaram-se complexos, soturnos e psicologicamente mais bem estruturados. E a
utilização de atores como Danny De Vito e Jack Nicholson para interpretá-los
elevou a um outro patamar o que antes estava – teoricamente – dirigido apenas
ao público infantil.
O cinema foi criado para que fantasia se
sobrepusesse à realidade. Mas, de vez em quando, fantasia e realidade, neste
novo mundo dominado pela ânsia da ilusão e do escapismo, tornam-se
unidimensionais por um instante, e a tragédia eclode – lá e no resto do mundo.
James Holmes, o "Coringa" da vida real |
Foi o que aconteceu na semana passada, em uma
sala de cinema de shopping center de Aurora, na região de Denver, no Colorado.
Como no título do filme, Batman – O Cavaleiro Negro ressurge das Trevas, um
universitário de 24 anos, mascarado e vestido de preto, explodiu duas bombas de
fumaça e gás lacrimogêneo dentro do cinema, trinta minutos depois do início do
filme, e atirou, em seguida, a esmo, matando doze pessoas e ferindo mais de
cinquenta, entre elas crianças. Preso pouco depois, fortemente armado, no
estacionamento, o matador, James Holmes, identificou-se como o “Coringa”.
Apanhadas, como moscas em uma teia de aranha, entre a ilusão e o fato, muitas
vítimas foram atingidas por ter continuado onde estavam, acreditando que tudo
aquilo era parte do espetáculo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário