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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O ERRO QUE AFAGA

"Somos morte. Isto, que consideramos vida, é o sono da vida real, a morte do que verdadeiramente somos. Os mortos nascem, não morrem. Estão trocados, para nós, mundos. Quando julgamos que vivemos, estamos mortos; vamos viver quando estamos moribundos.

Aquela relação que há entre o sono e a vida é a mesma entre o que chamamos de vida e o que chamamos de morte. Estamos dormindo, e esta vida é um sonho, não num sentido metafórico ou poético, mas num sentido verdadeiro.

Tudo aquilo que em nossas atividades consideramos superior, tudo isso participa da morte, tudo isso é morte. Que é o ideal senão a confissão de que a vida não serve? Que é a arte senão a negação da vida? Uma estátua é um corpo morto, talhado para fixar a morte, em matéria de incorrupção. O mesmo prazer, que tanto parece uma imersão na vida, é antes uma imersão em nós mesmos, uma destruição das relações entre nós e a vida, uma sombra agitada da morte.

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.

Povoamos sonhos, somos sombras errando através de florestas impossíveis, em que as árvores são casas, costumes, ideias, ideais e filosofias.

Nunca encontrar Deus, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que acarinha, sempre no erro que afaga.

A verdade nunca, a paragem [?] nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela!"

Bernardo Soares (Fernando Pessoa), O livro do Desassossego

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