Apesar de alguns circunlóquios, creio que essa postagem do Paulo Moreira Leite coloca no devido contexto as declarações da presidenta Dilma em Cuba. Eu também acho que o regime castrista é uma ditadura e que a violação dos direitos humanos que ele pratica deve ser denunciada e condenada, mas daí a cobrar essa postura de uma chefe de Estado em visita ao país vai uma grande distância. Exigir isso revela ou uma ignorância crassa do mecanismo das relações internacionais ou uma profunda má-fé. A maioria dos críticos está seguramente na segunda categoria.
O governo brasileiro acertou em dar o visto para a dissidente Yaoni Sánchez mas há muitas observações a fazer sobre a declaração de Dilma Rousseff sobre direitos humanos em Cuba.
Mas dizer que todos os países tem seu “telhado de vidro” sugere uma postura de tolerância que não é adequada.
O esforço de Washington para impor sua agenda cubana na agenda diplomática de outros países da região é bastante conhecido.
Pode-se compreender, portanto, que a postura em relação a Cuba envolve entroncamentos distintos, dentro e fora do país.
O que se procura, com a diplomacia de Brasília, é conquistar uma liderança própria, o que não será possível numa política de subordinação, mesmo com uma embalagem tão nobre e importante com os direitos humanos.
Mas nem por isso todo mundo têm direito a fingir que, repentinamente, perdeu a memória. É feio.
Não vale se fazer de bobo em Cuba
Paulo Moreira Leite
O governo brasileiro acertou em dar o visto para a dissidente Yaoni Sánchez mas há muitas observações a fazer sobre a declaração de Dilma Rousseff sobre direitos humanos em Cuba.
Lembrar o barbarismo de Guantánamo tem a utilidade de registrar a hipocrisia americana quando seus próprios interesses estão em jogo. (Até onde se sabe, não há, em Cuba, uma masmorra equipada com o medievalismo tecnológico de Guantánamo).
Ninguém precisa se fazer de bobo, porém. Salvo situações de descontrole emocional ou falta de preparo para o exercício das funções, nenhuma autoridade, de nenhum país do mundo, irá dizer o que pensa sobre a situação interna de outro país. Sua prioridade, sempre, será o interesse do próprio país.
Essa regra geral é ainda mais importante quando se trata de Cuba. Um pouco de história ajuda a entender a questão.
Em função do regime comunista, Cuba não é um país igual a todos os outros. Desde 1961 o regime de Fidel Castro ocupa o centro de boa parte dos conflitos diplomáticos do Continente inteiro. A Casa Branca não só patrocinou uma fracassada invasão da ilha como submete o povo cubano a um bloqueio econômico duríssimo e injusto, que dura mais de meio século.
Numa postura imperial e anacrônica, os EUA também ameaçam punir governos e empresas de outros países que procuram estabelecer relações comerciais profundas com Cuba.
O esforço de Washington para impor sua agenda cubana na agenda diplomática de outros países da região é bastante conhecido.
Durante os primeiros meses de seu governo, João Goulart conseguiu ter relações razoáveis e até simpáticas com John Kennedy. A situação se modificou depois que, na crise nos mísseis, Kennedy cobrou adesão absoluta dos governos da região. Adversário do alinhamento automático que tanto Estados Unidos como União Soviética queriam impor ao mundo durante a guerra fria, Goulart assumiu uma posição de neutralidade. Tentou, inclusive, mediar o conflito.
John Kennedy e João Goulart |
O que aconteceu? Tanto “João Goulart — uma biografia”, de Jorge Ferreira, como “O governo Goulart,” de Luiz Alberto Moniz Bandeira, mostram, com apoio em farta documentação, que essa postura levou a Casa Branca a se afastar do governo brasileiro. Embora existisse um contencioso cada vez maior nas relações entre os dois países, os dois autores demonstram que a questão cubana foi a razão principal que levou o governo americano a engajar-se no apoio ao golpe de 64.
A denúncia de Fidel e da Revolução Cubana era um dos fantasmas favoritos dos líderes civis e militares que derrubaram Goulart. Perfilados com Washington, governadores hostis a Goulart eram favorecidos na distribuição de recursos internacionais.
De todos seus parceiros, Washington cobrava a ruptura imediata de relações com Cuba. Brasilia negou. Após o golpe, o Brasil não só rompeu relações, que seriam refeitas durante o governo de José Sarney, mais de duas décadas depois, como mandou tropas para São Domingos, onde Washington ajudava a derrubar um governo eleito pelo voto popular.
Não custa reparar que o lado que sempre defendeu a democracia em Cuba nem sempre teve a mesma postura democrática — no Brasil. Curioso, não?
Na verdade, os pronunciamentos e declarações sobre Cuba precisam ser interpretados em vários níveis. Ajudam a lembrar que, na diplomacia, as palavras não são alegres diálogos numa mesa de bar, onde todos falam o que pensam e ganha a discussão quem argumenta melhor.
O presidente americano Jimmy Carter nunca deixou de elogiar o governo brasileiro enquanto fazia gestões pelo respeito aos direitos humanos no país.
Os exilados cubanos em Miami dão a agenda aos EUA |
As palavras, nas conversas entre governos, são moedas de troca. Podem aproximar e podem afastar. Para Washington, quanto mais barulho se fizer em torno de Cuba, melhor. Até porque em 2012 os exilados cubanos são uma preciosa fonte de votos em campanhas eleitorais.
Do ponto de vista brasileiro, a situação é outra. Não interessa, para o governo, aumentar a força dos Estados Unidos no Continente nem fazer coro com sua agenda. Em última análise, isso diminui o prestígio do Brasil na região.
O que se procura, com a diplomacia de Brasília, é conquistar uma liderança própria, o que não será possível numa política de subordinação, mesmo com uma embalagem tão nobre e importante com os direitos humanos.
Como 100% das pessoas que chegaram até este parágrafo, fiquei frustrado com a declaração de Dilma. A presidente poderia ter lembrado que as liberdades democráticas são uma causa que sempre mobilizou a população brasileira e que nenhuma idéia política conseguiu sobreviver de modo duradouro no país sem respeitá-las.
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