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Emma Goldman |
“Se não posso dançar não é minha revolução”
Emma Goldman
Sou de uma época em que a esquerda tinha e prezava uma herança anticlerical, de raiz iluminista. Para essa esquerda, a aliança estabelecida com setores “progressistas” da Igreja Católica durante a ditadura militar era claramente de caráter tático, em cima de questões específicas, como a defesa dos direitos humanos e a luta contra a injustiça social. E tal aliança só foi possível graças ao aggiornamento promovido pelo Concílio Vaticano II durante os pontificados de João XXIII e Paulo VI. Mas essa aliança tática, como previam os mais céticos, durou pouco e acabou enterrada pelo reacionarismo de Karol Wojtyla, conhecido como João Paulo II.
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Joseph Ratzinger quando cardeal |
O pontífice polonês e, mais tarde, o teólogo alemão Joseph Ratzinger, seu sucessor, só fizeram recolocar as coisas no lugar. Era evidente que entre a esquerda e a Igreja Católica não poderia haver uma aliança estratégica, permanente, pois não haveria como superar divergências éticas e filosóficas profundas. A afirmação da laicidade, principalmente em países que saíam de ditaduras, implicava na ampliação de direitos civis, como divórcio, aborto, liberdade sexual e casamento de pessoas do mesmo sexo – dogmas intocáveis para a Igreja Católica Romana. A laicidade também implicava que o Estado não deveria se deixar levar por considerações religiosas na hora de distribuir camisinhas para evitar contaminação pelo vírus HIV ou financiar pesquisas sobre o uso de células-tronco de embriões.
Mas a esquerda carola e papa-hóstia, que se meteu nas sacristias e até hoje exala a incenso, pisa em ovos quando tem que tratar desses temas. Quando não é simplesmente contrária a essas bandeiras clássicas da Ilustração – que nem são necessariamente de esquerda –, prefere camuflar suas convicções para não chocar o rebanho dos crentes (aqui digo no sentido de pessoas que crêem, não somente de pentecostais), potenciais eleitores. E por causa desse receio da esquerda clerical em assumir bandeiras iluministas, estamos cercados de ameaças à liberdade de expressão por todo canto. Além disso, a direita jurássica e ultramontana sente-se à vontade para explorar tabus, como o aborto, de maneira torpe e canalha, como fez na eleição presidencial do ano passado, capitaneada pelo ex-“esquerdista” José Serra.
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Eleonora Menicucci |
Por essas razões, fiquei exultante ao saber que a nova ministra da Secretaria das Mulheres, a socióloga Eleonora Menicucci, não teve medo de defender abertamente suas idéias libertárias, como o direito ao aborto – disse inclusive que ela mesma já fez dois. Ex-prisioneira política, colega de Dilma no Presídio Tiradentes, Eleonora também declarou que tem orgulho de ter uma filha homossexual. Declarações que constituem um grande avanço para um país que já teve candidato a prefeito com vergonha de dizer que não acreditava em Deus e uma mulher de candidato que fez aborto, mas dizia para o povão que Dilma defendia o “assassinato de criancinhas” (os padres eram mais competentes para dizer isso...). Alvíssaras!
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