"A Europa é feita de cafeterias, de cafés. Estes vão da cafeteria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos cafés de Copenhague, onde Kierkegaard passava nos seus passeios concentrados, aos balcões de Palermo. Não há cafés antigos ou definidores em Moscou, que já é um subúrbio da Ásia. Poucos na Inglaterra, após um breve período em que estiveram na moda, no século XVIII. Nenhum na América do Norte, para lá do posto avançado gálico de Nova Orleans. Desenhe-se o mapa das cafeterias e obter-se-á um dos marcadores essenciais da 'idéia de Europa'.
O café é um local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e mexericos, para o flâneur e o poeta ou o metafísico debruçado sobre o bloco de apontamentos. Aberto a todos, é todavia um clube, uma franco-maçonaria de reconhecimento político ou artístico-literário e presença programática. Uma xícara de café, uma taça de vinho, um chá com rum assegura um local onde trabalhar, sonhar, jogar xadrez ou simplesmente permanecer aquecido durante todo o dia. [...] Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casanova, na Paris de Baudelaire, o café albergava o que existia de oposição política, de liberalismo clandestino. Três principais cafés da Viena imperial e entre as guerras forneceram a agora, o lócus da eloqüência e da rivalidade, a escolas adversárias de estética e economia política, de psicanálise e de filosofia. Quem desejasse conhecer Freud ou Karl Krauss, Musil ou Carnap, sabia precisamente em que café procurar, a que Stammtisch tomar lugar. Danton e Robespierre encontraram-se uma última vez no Procope. Quando as luzes se apagaram na Europa, em Agosto de 1914, Jaurès foi assassinado num café. Num café de Genebra, Lênin escreveu o seu tratado sobre empirocriticismo e jogou xadrez com Trotsky.
Note-se as diferenças ontológicas. Um pub inglês e um bar irlandês têm a sua própria aura e mitologias [...] Mas esses estabelecimentos não são cafés. Não têm mesas de xadrez, não há jornais à disposição dos clientes, nos seus suportes próprios. [...] O bar americano desempenha um papel vital na literatura americana e em Eros, no carisma icônico de Scott Fitzgerald e Humphrey Bogart. A história do jazz é inseparável dele. Mas o bar americano é um santuário de luzes desmaiadas, muitas vezes de escuridão. Vibra com música, muitas vezes ensurdecedora. A sua sociologia e o seu tecido psicológico são permeados pela sexualidade, pela presença – desejada, sonhada, ou real – de mulheres. Ninguém redige tomos fenomenológicos à mesa de um bar americano (cf. Sartre). As bebidas têm de ser renovadas, se o cliente quiser continuar a ser desejado. Há “seguranças” que expulsam os indesejáveis. Cada uma destas características define uma ética radicalmente diferente daquela do Café Central ou do Deux Magots ou do Florian. [...] Enquanto existirem cafeterias, a 'idéia de Europa' terá conteúdo."
George Steiner, A Ideia de Europa
E nós, mais tropicais, talvez pudéssemos acrescentar: enquanto houver botequim, a ideia de Brasil terá conteúdo...
Café A Brasileira, Lisboa |
Cafe Les Deux Magots, Paris |
Billie Holiday em bar de jazz |
George Steiner, A Ideia de Europa
E nós, mais tropicais, talvez pudéssemos acrescentar: enquanto houver botequim, a ideia de Brasil terá conteúdo...
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