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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A MAIORIA RUIDOSA DE SÃO PAULO

               "Entre um governo que faz o mal
e um povo que o consente


há uma cumplicidade vergonhosa”
                             (Victor Hugo)



Repressão no Pinheirinho, SJ dos Campos
Pesquisa DataFolha mostra que 82% dos paulistanos apóiam a ação policial na Cracolândia. Não foram feitas outras pesquisas, mas certamente uma porcentagem similar de cidadãos da Paulicéia Desvairada também acha que não houve nada errado com a repressão da PM no Pinheirinho. Afinal, aqueles pobres diabos que não pagam impostos invadiram propriedade privada, não é mesmo? Ecos das ideologias oligárquicas do higienismo e até da eugenia do início do século passado... Eta metrópole reacionária!

Nestes casos, sempre me lembro do psicanalista alemão Wilhelm Reich, que dizia que o nazismo não tinha sido imposto aos alemães, mas, ao contrário, “desejado” por eles. Isso porque o regime expressava a ilusória ideia de ordem aspirada por uma classe média sexualmente reprimida e frustrada (A Psicologia de Massas do Fascismo). Talvez não seja para tanto, mas creio que alguma dose de razão ele tinha. Foucault, que falava numa “microfísica do poder”, também tinha algo a dizer sobre isso.

Manifestações contra Vietnã nos EUA
Leitor de Tocqueville, que nos advertia contra a “tirania da maioria”, sempre fiquei com a pulga atrás da orelha com esses consensos reacionários. Talvez o exemplo mais impressionante, para a minha geração, tenha ocorrido nos anos 1960, quando os protestos juvenis contra a Guerra do Vietnã dominavam os espaços da mídia, mas em 1968 a “maioria silenciosa” elegeu o ultraconservador Richard Nixon presidente dos EUA.

Em determinada época, eu temia que, se a pena de morte, por exemplo, fosse a plebiscito no Brasil, ela seria inevitavelmente aprovada. Hoje, parece que houve uma mudança na “opinião pública” sobre o tema, mas ninguém garante que, sob alguma circunstância dramática, os ventos não mudem novamente de direção.

O ponto, portanto, é que a universalidade dos direitos humanos é inegociável e não admite concessões ao humor popular. Não por outro motivo eles estão consagrados em cláusulas pétreas da Constituição. Por isso não se poderá jamais legalizar a tortura, por exemplo, mesmo que eventualmente a maioria da população possa considerá-la um método “adequado” de combate ao crime.

François Mitterrand
Nesse sentido, veio a calhar o artigo de ontem na Folha do professor Vladimir Safatle. Em determinado trecho, ele lembra que, quando foi eleito presidente da França pela primeira vez, em 1981, o socialista François Mitterrand prometeu abolir a pena de morte – num momento em que a ampla maioria dos franceses apoiava as execuções legais. Mas Mitterrand ignorou as pesquisas e aposentou a guilhotina. Hoje, a pena de morte é rejeitada pela maioria absoluta dos franceses.

Eu poderia acrescentar outros exemplos, como o de Roosevelt, que enfrentou a maioria isolacionista de seus concidadãos e levou os EUA a se engajarem na luta contra o nazi-fascismo antes mesmo do ataque japonês a Pearl Harbour. Ou Charles De Gaulle, que quixotescamente foi para Londres organizar a luta contra os nazistas, quando a maioria dos franceses preferia se acomodar com o que parecia ser o poder dominante da Europa.

“Muitas vezes, o governo deve levar a sociedade a ir lá aonde ela não quer ir, lá aonde ela não é capaz de ir [...] Tal exemplo demonstra como o bom governo é aquele capaz de reconhecer a existência de um potencial autoritário nas sociedades de democracia liberal e a necessidade de não se deixar aprisionar por tal potencial”, conclui o professor Safatle.

Quem teria coragem de fazer algo semelhante em São Paulo?

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