Roland Barthes |
Prestes a completar 94 anos, Billy
Graham talvez seja o mais velho e famoso dos pastores evangélicos americanos. Sua
prédica serviu de modelo para todas as denominações pentecostais e neopentecostais.
Esse texto do semiólogo francês Roland Barthes, de 1957, revela como se operou o deslocamento do
discurso religioso cristão, do racionalismo ao irracionalismo - um retrocesso ao "creio porque é absurdo" de Tertuliano - e como Graham é
um fiel servidor do establishment americano. Não é à toa que ele se relacionou
muito bem com quase todos os presidentes americanos desde Eisenhower – a exceção
foi John Kennedy, que era católico.
Billy Graham no Vel D’Hiv
Roland Barthes, em Mitologias
“Se Deus fala realmente pela
boca do Dr. Graham, temos de reconhecer que Deus é surpreendentemente tolo: a
Mensagem espanta pela sua chatice e infantilidade. Em todo caso, certamente, Deus
abandonou o tomismo e demonstra uma nítida aversão à lógica: a Mensagem é
constituída por uma infinidade de afirmações descontínuas lançadas
ininterruptamente, sem espécie alguma de relação entre elas, cujo conteúdo é
apenas tautológico (Deus é Deus). O mais insignificante irmão marista, e o
pastor mais acadêmico fazem figura de intelectuais decadentes perto do Dr.
Graham.
[...]
Billy Graham, o ovo da serpente do Edir Macedo |
O “gênero” Billy Graham rompe
com toda uma tradição do sermão, católico ou protestante, herdada da cultura antiga,
que só funcionava em termos de persuasão. O cristianismo ocidental sempre se
submeteu, em seu método expositivo, ao quadro geral do pensamento aristotélico,
sempre aceitando colaborar com a razão, mesmo quando se tratava de inspirar
confiança no irracional da fé. Rompendo com séculos de humanismo (mesmo apesar
de suas formas terem sido ocas e rígidas, a preocupação de um outro subjetivo
esteve raras vezes ausente do didatismo cristão), o Dr.Graham apresenta-nos um
método de transformação mágica, substituindo a persuasão pela sugestão: a
violência e intensidade da declamação, a expulsão sistemática de todo conteúdo
racional da proposição, a ruptura incessante dos encadeamentos lógicos, as repetições
verbais, a designação grandiloquente da Bíblia erguida na ponta dos dedos como
um abridor de latas universal de um camelô e sobretudo a ausência de calor
humano, o desprezo manifesto pelo outro, todas estas operações fazem parte do material
clássico da hipnose de music-hall: repito que não existe nenhuma diferença
entre Billy Graham e o Grand Robert.
[...]
Tudo isso nos diz respeito
muito diretamente: para começar, o “sucesso” de Billy Graham manifesta a
fragilidade mental da pequena-burguesia francesa, classe na qual se recrutou,
ao que parece, a maioria do público dessas sessões: a plasticidade de adaptação
desse público a formas de pensamento alegóricas e hipnóticas sugere
que existe em tal grupo social aquilo que se poderia chamar de uma situação de
aventura: uma parte da pequena-burguesia francesa já nem é protegida pelo seu
famoso “bom senso”, que é a forma agressiva da sua consciência de classe. Mas
não é tudo: Billy Graham e a sua equipe insistiram fortemente, e por diversas
vezes, no objetivo dessa campanha: “despertar” a França (“Vimos Deus fazer
grandes coisas na América; um despertar de Paris teria uma influência imensa
sobre o mundo inteiro” — “Nosso desejo é que alguma coisa aconteça em Paris, de
modo que tenha repercussões no mundo inteiro”).
Obviamente tal ótica é
idêntica à de Eisenhower nas suas declarações sobre o ateísmo dos franceses. A
França existe para o mundo pelo seu racionalismo, sua indiferença à fé, pela
irreligião dos seus intelectuais (tema comum na América e no Vaticano; tema,
aliás, já muito batido): é deste pesadelo que se torna necessário arrancá-la. A
“conversão” de Paris teria evidentemente o valor de um exemplo mundial: o
Ateísmo abatido pela Religião no seu próprio covil. De fato, sabemos que se
trata de um tema político: o ateísmo da França só interessa à América porque,
para ela, ele constitui a primeira etapa para o Comunismo. “Despertar” a França
do ateísmo é despertá-la do fascínio comunista. A campanha de Billy Graham foi apenas
um episódio macarthista”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário