Norberto Bobbio |
Até mesmo o objetivo liberal de um “Estado limitado” tem dois sentidos e duas fases distintas: primeiro, como limitação dos poderes políticos (o Estado de Direito) na luta contra o absolutismo; depois, como redução das funções estatais, principalmente econômicas (o Estado mínimo). Neste último caso, busca-se à renúncia da intervenção do Estado na economia, deixando atuar a “mão invisível” do mercado. É aquilo que Bobbio chama de vertente “liberista” do liberalismo, também conhecido como “neoliberalismo”, cujos papas foram Hayek, Von Mises e Friedman e os executores Margaret Thatcher e Ronald Reagan.
Segundo Bobbio, se foi correta a luta liberal contra o Estado paternalista (seja ele monarquia absolutista, ditadura ou totalitarismo), esta já não o é contra o Estado do bem-estar social (o Welfare State), devido ao fato de que este tipo de Estado – que busca criar empregos e subordinar o capital às necessidades da sociedade – é criação dos governos democráticos e seu desenvolvimento está intimamente relacionado ao desenvolvimento da democracia. O Welfare State foi, ao mesmo tempo, uma resposta ao desafio representado do comunismo e pelo crescimento do movimento operário organizado – socialistas e comunistas – no Ocidente.
Thatcher e Pinochet: eles falavam a mesma língua |
Então, depois de derrotar o Welfare State, com a social-democracia sucumbindo ao canto de sereia neoliberal, os liberistas entraram em choque frontal com a própria democracia. A solução neoliberal para a redução das tensões existentes entre mercado e democracia se dá “cortando as unhas da segunda e deixando o primeiro com todas as garras afiadas”, nas palavras de Bobbio. Chegamos, pois, à era da “ditadura dos mercados”.
Isso está mais claro hoje na Europa. Na Itália e na Grécia, os “mercados” – leia-se FMI e o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia – impuseram governos “técnicos” para levar adiante pacotes de arrocho fiscal. Oito governos já caíram por causa da crise – tanto “socialistas” como José Luiz Zapatero (Espanha) e José Sócrates (Portugal) quanto conservadores como Nicolas Sarkozy (França). Mas os novos governantes eleitos continuaram insistindo – às vezes até aumentando a dose – na fórmula recessiva de seus antecessores. E agora, na Grécia, os dois grandes partidos que defendem a política de austeridade – Nova Democracia e Pasok – não conseguiram fazer maioria e o país está vivendo um impasse político.
Ninguém foi mais claro do que Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu: “O modelo social europeu está morto e quem tentar reverter a redução dos orçamentos sociais será imediatamente punido pelos mercados. O Pacto Orçamentário Europeu é um enorme avanço, porque graças a ele os Estados perdem um parte de sua soberania nacional”.
É de se perguntar: para que serve a alternância de poder se não se pode mudar a política econômica? Se “não existe alternativa” ao Consenso de Washington, como martelam os herdeiros de Thatcher/Reagan, para quê se dar ao trabalho de escolher novos dirigentes? Quando os mercados têm sempre razão, a democracia é o empecilho. Nessas circunstâncias, o tal “déficit democrático” diagnosticado nas instâncias políticas da União Europeia hoje se disseminou pelas próprias instituições democráticas europeias.
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