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JORNALISMO OU MÁ FÉ?
Publico abaixo um esclarecedor artigo do jornalista e ex-preso político Celso Lungaretti sobre mais uma tentativa da Folha de S. Paulo de igualar os atos de resistência à ditadura às práticas de torturas e assassinatos cometidos pelos agentes do Estado.
O JORNAL DA DITABRANDA
VENDE
O MESMO PEIXE PODRE
PELA 2ª VEZ!
Celso Lungaretti
Sempre que estão em evidência no noticiário as atrocidades e execuções
perpetradas pelo regime militar, as viúvas da ditadura requentam os
mesmíssimos episódios de vítimas dos grupos armados, apostando na desinformação
dos brasileiros.
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Orlando Lovecchio Filho |
Realmente, por aqui poucos sabem que, através dos tempos, TODAS as vezes
em que cidadãos comuns pegaram em armas contra tiranias registraram-se erros e
acasos infelizes, sem que isto descaracterizasse o fundamental: o fato de uns
estarem utilizando a violência DESMEDIDAMENTE para manter o despotismo e outros
SELETIVAMENTE para o combater. E a indústria cultural tudo faz para que tal
conhecimento continue restrito a minorias.
No Brasil, para contrapor às muitas dezenas de episódios chocantes
protagonizados pelas bestas-feras da ditadura, a extrema-direita utiliza
invariavelmente os casos de Mario Kozel Filho e Alberto Mendes Júnior
–lamentáveis, sem dúvida, mas CIRCUNSTANCIAIS, enquanto os carrascos abrigados
no aparelho de estado implementaram uma política DELIBERADA de extermínio dos
guerrilheiros, repetindo em menor escala a solução final dos
nazistas para os judeus.
Em março/2008, o jornalista Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo e em outros
jornais nos quais sua coluna é publicada, colocou em evidência um terceiro
episódio: o do jovem Orlando Lovecchio Filho, que teve a perna amputada depois
de atingido pela explosão de uma bomba que a ALN deixou em março/1968 no
estacionamento do Conjunto Nacional (av. Paulista), diante do consulado
estadunidense em São Paulo.
Na ocasião, ficou esclarecido que Gaspari não só atribuíra o atentado à
organização errada (culpava a VPR) e às pessoas erradas (nomeou quatro mas duas
eram inocentes, tendo uma delas, Dulce Maia, sido vitoriosa na ação que moveu
contra o acusador leviano), mas também que Lovecchio PERDEU A PERNA PORQUE A
REPRESSÃO DA DITADURA, SUSPEITANDO QUE ELE PUDESSE SER TAMBÉM UM PARTICIPANTE
DO ATENTADO, INTERROMPEU O SOCORRO MÉDICO PARA INTERROGÁ-LO E, QUANDO O
LIBEROU, HORAS MAIS TARDE, A GANGRENA JÁ SE ESTABELECERA.
Lovecchio levou à Justiça um dos verdadeiros autores da ação, Sérgio Ferro, e
PERDEU!
A derrota judicial se deveu aos relatórios médicos que Ferro apresentou em sua
defesa: o primeiro informando que o ferimento de Lovecchio era grave, mas
existia possibilidade de recuperação. O segundo, que quando o atendimento foi
retomado, horas mais tarde, sua perna já havia gangrenado, o que tornou
obrigatória a amputação.
Inacreditavelmente, quatro anos mais tarde o jornal da ditabranda, neste
domingo (20), bate novamente na mesma tecla e esquece o que ficou
evidenciado em 2008: A CRIMINOSA INTERRUPÇÃO DOS CUIDADOS MÉDICOS A UM FERIDO
QUE, AINDA QUE FOSSE UM GUERRILHEIRO ATINGIDO PELA PRÓPRIA BOMBA, DEVERIA TER
SIDO SOCORRIDO ANTES DE INTERROGADO.
A nova manipulação jornalística tem o título de Vítima de bomba também espera
receber reparação. E gasta muitas palavras para recapitular a explosão, menos o
detalhe fundamental que levou a Justiça a rechaçar a acusação de Lovecchio
contra Ferro. Constatem:
“…Era 1h30 do dia 19, avenida vazia, lojas fechadas, consulado idem, quando o
DKW desceu a rampa do estacionamento. Lovecchio estava com um primo e um amigo
de Santos, que o visitavam. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos,
que o visitavam.
Um cano tampado com papel kraft. Saída do prédio. Fumacinha. Acabam aí as
lembranças. Lovecchio não ouviu nada, não viu clarão.
Quando acordou, estava deitado no chão, cercado por pessoas perguntando-lhe
isso e aquilo. Achou estranho que a sola do sapato estivesse ‘olhando’ para
ele.
Os jovens foram os primeiros suspeitos do atentado. Nos jornais dos dias
seguintes, a polícia avisava: a explosão podia ser um ‘acidente de trabalho’.
Os três do DKW entraram na mira da Polícia do Exército e do Dops.
Internado no Hospital das Clínicas, Lovecchio lutou para controlar a infecção
na perna dilacerada. Os pais dele recusavam-se a aceitar a hipótese de
amputação. ‘Mas já estava gangrenando’”.
Para quem quiser recapitular a polêmica de 2008, eis os artigos que então
lancei, aqui, aqui e aqui.
A narrativa folhetinesca e choramingas, calibrada para indispor os leitores com
os antigos resistentes, admite que Lovecchio foi inicialmente tido como suspeito,
omite o restante e ainda registra sem comentar que o atentado se deu em plena
madrugada, num estacionamento quase vazio.
Ou seja, tanto quanto o carro-bomba lançado contra o QG do II Exército, FOI UMA
DESNECESSÁRIA E CONDENÁVEL DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA, MAS O PRÓPRIO HORÁRIO
ESCOLHIDO ATESTA QUE HAVIA A INTENÇÃO DE NÃO FERIR NINGUÉM.
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Mário Kozel Filho |
Ignoro se a ALN reconsiderou a conveniência de tais ações, mas a VPR o fez, no
Congresso de Mongaguá, em abril de 1969, do qual participei. E dou meu
testemunho: a morte do recruta Kozel era bastante lamentada pelos companheiros
de origem militar, que estimavam –e muito!– os subalternos. Até por quase todos
serem antigos sargentos e cabos, acostumados a ZELAR pelos recrutas, um ano
depois continuavam cheios de remorsos.
Sentimento de pesar compartilhado pelo próprio Lamarca, que ainda não
ingressara na VPR quando o atentado ocorreu: embora tivesse chegado a capitão,
ele identificava-se mesmo é com a soldadesca, afirmando amiúde que se
diferenciava dos outros oficiais por ser filho de sapateiro, e não de famílias
burguesas ou de classe média.
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