Sou quem sou.
Inconcebível acaso
como todos os acasos.
Fossem outros
os meus antepassados
e de outro ninho
eu voaria
ou de sob outro tronco
coberta de escamas eu
rastejaria.
No guarda-roupa da natureza
há trajes de sobra
O traje da aranha, da
gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e é usado
até se gastar.
Eu também não tive escolha
mas não me queixo.
Poderia ter sido alguém
muito menos individual.
Alguém do formigueiro, do
cardume, zunindo no enxame,
uma fatia de paisagem
fustigada pelo vento.
Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
algo que nada debaixo da
lente.
Uma árvore presa à terra
da qual se aproxima o fogo.
Uma palha esmagada
pela marcha de inconcebíveis
eventos.
Um sujeito com uma negra sina
Que para os outros se
ilumina.
E se eu despertasse nas
pessoas só medo,
ou só aversão,
ou só pena?
Se eu não tivesse
nascido
na tribo adequada
e diante de mim se fechassem os
caminhos?
A sorte até agora
me tem sido favorável.
Poderia não me ser dada
a lembrança dos bons
momentos.
Poderia me ser tirada
a propensão para
comparações.
Poderia ser eu mesma – mas
sem o espanto,
e isso significaria
alguém totalmente diferente.
Wislawa Szymborska (1923-2012), poetisa polonesa
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