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sexta-feira, 8 de junho de 2012

TORTURA NUNCA MAIS? FALTA MUITO...


Uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP revelou que 47,5% da população brasileira concordam totalmente, em parte ou discordam apenas em parte da prática da tortura para obter provas contra crimes, enquanto que 52,5% desaprovam essa prática medieval. Em 1999, a mesma pesquisa apontava que a tortura era condenada por 71,2% dos brasileiros. A nova pesquisa mostra também que o número de pessoas que discordam totalmente da invasão de residências pela polícia caiu de 78,4% para 63,8%; com o de atirar em suspeito, de 87,9% para 68,6%; e dos que discordam da agressão ao suspeito caiu de 88,7% para 67,9%.

Estamos retrocedendo. Com a democratização, depois de 21 anos de ditadura militar, parecia que a cultura democrática começava a se instilar, pouco a pouco, na tradição autoritária da sociedade brasileira. O apoio à pena de morte e à tortura, que já tinham sido majoritários, estavam perdendo terreno com o passar dos anos. Mas essa pesquisa do NEV mostra que não é bem assim. Como não estamos vivendo uma crise econômica com desemprego alto e aumento generalizado da violência, a persistência desse culto aos métodos torcionários se deve à hegemonia ideológica do discurso oligárquico e fascista sobre a violência.


Portanto, se os setores democráticos e progressistas da sociedade não empreenderem um trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos, veremos crescer cada vez mais o apoio à tortura e às ações violentas do Estado.


O fato de não termos condenado a tortura da ditadura militar punindo torturadores deu nisso: a prática continua disseminada nas delegacias de polícia - prioritariamente contra pretos e pobres -, com quase metade da população, inclusive muitos "bem-pensantes" da classe média, corroborando sem culpa a prática da "tigrada" .  

Abaixo, um trecho do livro Dos Delitos e das Penas, de Cesare Beccaria, publicado, vejam vocês, no ano da graça de 1764:

“É uma barbaria consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, quer para arrancar dele a confissão do crime, quer para esclarecer as contradições em que caiu, quer para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é acusado, mas do qual poderia ser culpado, quer enfim porque sofistas incompreensíveis pretenderam que a tortura purgava a infâmia.

Cesare Beccaria
Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de acordo. O direito da força não pode, pois, autorizar um juiz a infligir uma pena a um cidadão quando ainda se duvida se ele é inocente ou culpado.

Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto. Se é certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou.

Qual o fim político dos castigos? o terror que imprimem nos corações inclinados ao crime.

Mas, que se deve pensar das torturas, esses suplícios secretos que a tirania emprega na obscuridade das prisões e que se reservam tanto ao inocente como ao culpado?
Importa que nenhum delito conhecido fique impune; mas, nem sempre é útil descobrir o autor de um delito encoberto nas trevas da incerteza.

Um crime já cometido, para o qual já não há remédio, só pode ser punido pela sociedade política para impedir que os outros homens cometam outros semelhantes pela esperança da impunidade.

Se é verdade que a maioria dos homens respeita as leis pelo temor ou pela virtude, se é provável que um cidadão prefira segui-las a violá-las, o juiz que ordena a tortura expõe-se constantemente a atormentar inocentes.

Direi ainda que é monstruoso e absurdo exigir que um homem seja acusador de si mesmo, e procurar fazer nascer a verdade pelos tormentos, como se essa verdade residisse nos músculos e nas fibras do infeliz! A lei que autoriza a tortura é uma lei que diz: “Homens, resisti à dor. A natureza vos deu um amor invencível ao vosso ser, e o direito inalienável de vos defenderdes; mas, eu quero criar em vós um sentimento inteiramente contrário; quero inspirar-vos um ódio de vós mesmos; ordeno-vos que vos tomeis vossos próprios acusadores e digais enfim a verdade ao meio das torturas que vos quebrarão os ossos e vos dilaceração os músculos... ”

Esse meio infame de descobrir a verdade é um monumento da bárbara legislação dos nossos antepassados, que honravam com o nome de julgamentos de Deus as provas de fogo, as da água fervendo e a sorte incerta dos combates. Como se os elos dessa corrente eterna, cuja origem está no seio da Divindade, pudessem desunir-se ou romper-se a cada instante, ao sabor dos caprichos e das frívolas instituições dos homens!
[...]

A infâmia não é um sentimento sujeito às leis ou regulado pela razão. É obra exclusiva da opinião. Ora, como a tortura torna infame aquele que a sofre, é absurdo que se queira lavar desse modo a infâmia com a própria infâmia.

Não é difícil remontar a origem dessa lei estranha, porque os absurdos adotados por uma nação inteira se apoiam sempre em outras idéias estabelecidas e respeitadas nessa mesma nação. 

O uso de purgar a infâmia pela tortura parece ter sua fonte nas práticas da religião, que tanta influência exerce sobre o espírito dos homens de todos os países e de todos os tempos. 

A fé nos ensina que as nódoas contraídas pela fraqueza humana, quando não mereceram a cólera eterna do Ser supremo, são purificadas em outro mundo por um fogo incompreensível. 

Ora, a infâmia é uma nódoa civil; e, uma vez que a dor e o fogo do purgatório apagam as manchas espirituais, porque os tormentos da questão não tirariam a nódoa civil da infâmia?

Creio que se pode dar uma origem mais ou menos semelhante ao uso que observam certos tribunais de exigir as confissões do culpado como essenciais para sua condenação. Tal uso parece tirado do misterioso tribunal da penitência, no qual a confissão dos pecados é parte necessária dos sacramentos.”

(Beccaria, Cesare, Dos Delitos e das Penas, capítulo XII – da questão da tortura)

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