O texto abaixo faz um tratamento justo de um tema delicado e frequentemente evitado...
Carlos Eugênio |
O exemplo de Carlos Eugênio
Paulo Moreira Leite, em seu blog
derrotados
no esforço de impedir a formação da Comissão da Verdade, seus adversários
tentam embaralhar os trabalhos de investigação de crimes contra os direitos
humanos com a lembrança de mortes cometidas pelas organizações armadas que
participavam da resistência ao regime militar.
Já
deixei clara, aqui mesmo, minha opinião a respeito. É uma manobra para desviar
um trabalho necessário, que envolve a obrigação de apurar responsabilidades de
agentes do Estado.
Para
começar, são atos diferentes pelo significado político. Num caso, era
resistência contra uma ditadura. No outro, foram desvios e abusos de quem tinha
a obrigação de cumprir a lei e defender a ordem.
Não
custa recordar que a maioria dos atos de violência das organizações de
resistência já foi apurada e punida na em seu devido tempo.
São mais
de 6 mil processos na Justiça militar. Todos envolveram a resistência. Nenhum
envolveu crimes da ditadura.
Mas
ainda assim apareceu um personagem novo, que acrescenta um novo elemento à
discussão.
É Carlos
Eugênio da Paz, professor de música no Rio de Janeiro, que foi um dos últimos
comandantes da ALN e participou da execução de Márcio Toledo, antigo militante
da organização, e também ajudou na morte de Henning Albert Boilesen, empresário
que fez um caixinha entre colegas para patrocinar a tortura. Eugênio fala o que
fez, explica-se, argumenta.
A
violência da esquerda contra ela própria é um dado antigo da história. Os
expurgos de Stalin, que culminaram no assassinato de Leon Trotsky em 1940,
implicaram na morte de combatentes heróicos da revolução russa nos anos 30.
Os
crimes cometidos pelas organizações armadas durante o regime militar têm outro
caráter, contudo. Não foram cometidos pelo Estado, mas por organizações que
resistiam à ditadura. Isso faz muita diferença.
Naquele
momento, o regime militar executava uma política de extermínio da oposição.
Considerava-se
desobrigado a cumprir as leis em
vigor. A orientação em 1970, 71 , 72 e 73, era liquidar as
organizações, o que incluía seqüestrar, torturar e eliminar seus integrantes.
Em 1974
e 1975, foram liquidados dirigentes e militantes do PCB, que era adversário da
luta armada. Em 1976, no massacre da Lapa, foram eliminados dirigentes do PC do
B, que já abandonara a perspectiva de luta armada que gerou a guerrilha do
Araguaia.
Olavo
Hansen, que era trotskista, e condenava a luta armada, também foi morto, em
1970, porque distribuiu panfletos durante um 1º de Maio.
Vivia-se
uma situação extrema, fruto da política de repressão da ditadura, que não
oferecia saídas decentes para quem chegara vivo até ali.
Os
militantes executados foram cidadãos que, sob tortura, tornaram-se
colaboradores, auxiliando na localização, captura, tortura e execução de outros
militantes.
Para
garantir a própria sobrevivência, tornaram-se uma ameaça à sobrevivência dos
demais integrantes da organização.
Todo
debate sobre isso é um retorno ao ponto de partida, aquilo que a Comissão da
Verdade precisa investigar. Os militantes executados foram, eles também,
vítimas da máquina de tortura e violência.
Por essa
razão recomendo a leitura da reportagem de três páginas de Lucas Ferraz na
Ilustrissima de ontem. Ele ouviu parentes das vítimas das organizações de
esquerda e também entrevistou militantes que participaram dessas ações e se
dispõem a falar. Está tudo lá, para ser conhecido e meditado.
Só posso
aplaudir a atitude de Carlos Eugênio da Paz, que não se furta a discutir com
clareza o que se fez, e por que.
Carlos
Eugênio era um garoto de 16 anos quando ingressou na ALN. Foi sobreviver
tocando violão por alguns trocados, no metrô de Paris, quando concluiu
que tudo tinha dado errado.
Mas,
como se fosse para honrar o título de comandante que adquiriu após a morte dos
dirigentes mais experimentados, não foge das responsabilidades.
Os
jornalistas perguntam e ele responde. Faz isso há muito tempo. Ele falou sobre
a morte de Toledo, pela primeira vez, num livro de memórias. Ao lado de
Expedito Filho, fiz uma entrevista com Carlos Eugênio, na época. Ele já
falava sobre Toledo.
Você
pode achar que os guerrilheiros cometeram vários gestos condenáveis.
Também pode considerar que as explicações de Carlos Eugênio são incoerentes e
expressam uma visão deformada e condenável da luta política.
Seja
como for, a atitude de Carlos Eugênio é um gesto de respeito à memória do país
e também a familiares e parentes do próprio Márcio Toledo. Há uma imensa
dignidade na pessoa que assume o que fez e tenta explicar-se. Ela devolve
dignidade à vítima. Dialoga, o que apenas seres humanos podem fazer.
Com seu
gesto, Carlos Eugênio ajuda a historia a andar para a frente, o que só é
possível com o conhecimento, o respeito à verdade.
É um bom
exemplo quando se tenta apagar a memória, destruir documentos oficiais e fingir
que a sobrevivência da democracia implica no silêncio dos que não ficaram vivos
para contar a história.
Com sua
atitude, Carlos Eugênio mostra o que se pode fazer numa hora como essa
Também
mostra o absurdo da situação.
Já
sabemos mais, com mais detalhes, sobre as mortes de Marcio Toledo – e também de
Henning Boilesen – do que sobre a morte de Vladimir Herzog, de Rubens Paiva, e
tantos outros.
É mais
um motivo para não tirar a Comissão da Verdade de seu foco.
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