O historiador israelense Ilan Pappé |
Reproduzo uma entrevista com
o historiador israelense dissidente Ilan Pappé, publicada pelo site Operamundi.
Ele é um dos “historiadores revisionistas” de Israel, que reescreveram a história
da independência do país em 1948 à luz da expulsão de quase 700 mil palestinos
da região. Pouco conhecido no Brasil, Pappé tem se dedicado a escrever sobre a
exclusão sistemática do povo palestino pela política expansionista de
sucessivos governos do Estado de Israel. O historiador renunciou à cidadania israelense
por se opor à política opressiva do Estado de Israel em relação aos palestinos. Ele faz o que Walter Benjamin recomendava aos historiadores: "fazer a história a contrapelo", incluindo a versão dos vencidos. Aqui, o texto da entrevista:
“O historiador israelense
Ilan Pappé mudou a forma como a história de Israel é contada. Após a publicação
do livro The Ethnic Cleasing of
Palestine, em 2006, as
discussões sobre a criação do país, em 1948, não foram mais as mesmas. A versão
oficial israelense, cunhada na máxima “uma terra sem povo para um povo sem
terra”, ganhou um adversário forte o suficiente para ter dificuldades de
se sustentar.
O êxodo dos palestinos em 1948 |
De acordo com Pappé, foi
cultivada a impressão de que o que ocorreu na década de 40 foi a criação de um
país para os judeus numa terra quase ou completamente desabitada, em paz e
harmonia com o povo palestino, se apenas este assim desejasse. Porém, usando documentação
histórica, Pappé sustenta que a ideia de eliminar a Palestina de sua população
nativa, dos árabes, surgiu como um conceito claro nos anos 1930 e foi
idealizada por David Ben Gurion, posteriormente primeiro-ministro de Israel. E
segue até hoje.
Mais tarde, Pappé escreveu outros estudos, entre eles The Forgotten Palestinians: a history of the Palestinians in Israel. Em entrevista exclusiva ao Opera Mundi, Pappé falou sobre o atual estágio da questão palestina e a criação de um único Estado para palestinos e israelenses na terra onde ele nasceu, mas onde já não vive. Pappé leciona no Reino Unido desde 2007.
Mais tarde, Pappé escreveu outros estudos, entre eles The Forgotten Palestinians: a history of the Palestinians in Israel. Em entrevista exclusiva ao Opera Mundi, Pappé falou sobre o atual estágio da questão palestina e a criação de um único Estado para palestinos e israelenses na terra onde ele nasceu, mas onde já não vive. Pappé leciona no Reino Unido desde 2007.
OM: Como o senhor
analisa o atual estágio da questão palestina? Com os assentamentos e o avanço
do controle de Israel sobre os Territórios Ocupados, quais as chances de uma
solução de dois Estados, com a criação de um palestino na Cisjordânia e Gaza?
IP: A situação atual é em grande parte a continuação dos anos mais recentes. Não há nenhum movimento na sociedade, qualquer que seja, o que permite a Israel aprofundar e expandir o projeto de assentamentos na Cisjordânia e na área da Grande Jerusalém. Cada expansão faz com que a ideia de dois Estados seja cada dia mais irreal.
OM: No longo prazo, a solução de um Estado parece mais provável?
IP: Sim. Já há a solução de um Estado, mas sob o regime da colonização, apartheid e discriminação. A resistência pacífica não violenta, de um lado, e uma forte pressão externa, de outro, podem ajudar e transformar a base da relação árabe-judaica na terra.
OM: Discute-se a resistência dentro dos Territórios Ocupados. Porém, há a possibilidade de uma Terceira Intifada (levante popular) começar com os palestinos de Israel, os árabe-israelenses?
IP: É um cenário provável. O nível de afirmação, especialmente entre a juventude palestina de Israel, tem aumentado muito nos últimos anos. Por outro lado, as políticas étnicas opressivas destinadas à minoria palestina dentro das fronteiras de 1967, vindas do governo de Benjamin Netanyahu, nunca foram tão ruins como hoje, complementadas por uma série de legislações racistas contra esses cidadãos. Se forem levadas em conta as áreas das comunidades palestinas dentro do Estado acometidas pela pobreza - onde pequenos crimes crescem a um passo alarmante –, é possível ver os fatores que podem ser a ignição para o levante.
OM: Para se chegar a qualquer solução, o que aconteceu em 1948 precisa ser abordado (Pappé descreve a criação de Israel como um processo de limpeza étnica, com a expulsão de milhares de palestinos por coerção e meios violentos)?
IP: Sim. Não é apenas o que Israel fez. Ou que não permita o retorno dos refugiados, ou que não pague compensação. É também o fato de que as políticas de limpeza étnica israelenses continuam até hoje. Dessa forma, se o que aconteceu em 1948 for reconhecido, condena as políticas de Israel desde então e pode, através disso, dar um fim a elas.
IP: A situação atual é em grande parte a continuação dos anos mais recentes. Não há nenhum movimento na sociedade, qualquer que seja, o que permite a Israel aprofundar e expandir o projeto de assentamentos na Cisjordânia e na área da Grande Jerusalém. Cada expansão faz com que a ideia de dois Estados seja cada dia mais irreal.
OM: No longo prazo, a solução de um Estado parece mais provável?
IP: Sim. Já há a solução de um Estado, mas sob o regime da colonização, apartheid e discriminação. A resistência pacífica não violenta, de um lado, e uma forte pressão externa, de outro, podem ajudar e transformar a base da relação árabe-judaica na terra.
OM: Discute-se a resistência dentro dos Territórios Ocupados. Porém, há a possibilidade de uma Terceira Intifada (levante popular) começar com os palestinos de Israel, os árabe-israelenses?
IP: É um cenário provável. O nível de afirmação, especialmente entre a juventude palestina de Israel, tem aumentado muito nos últimos anos. Por outro lado, as políticas étnicas opressivas destinadas à minoria palestina dentro das fronteiras de 1967, vindas do governo de Benjamin Netanyahu, nunca foram tão ruins como hoje, complementadas por uma série de legislações racistas contra esses cidadãos. Se forem levadas em conta as áreas das comunidades palestinas dentro do Estado acometidas pela pobreza - onde pequenos crimes crescem a um passo alarmante –, é possível ver os fatores que podem ser a ignição para o levante.
OM: Para se chegar a qualquer solução, o que aconteceu em 1948 precisa ser abordado (Pappé descreve a criação de Israel como um processo de limpeza étnica, com a expulsão de milhares de palestinos por coerção e meios violentos)?
IP: Sim. Não é apenas o que Israel fez. Ou que não permita o retorno dos refugiados, ou que não pague compensação. É também o fato de que as políticas de limpeza étnica israelenses continuam até hoje. Dessa forma, se o que aconteceu em 1948 for reconhecido, condena as políticas de Israel desde então e pode, através disso, dar um fim a elas.
Jovem palestino contra tanque na primeira Intifada |
OM: Uma grande
quantidade de conhecimento foi produzida por acadêmicos nos últimos 25 anos com
novas informações sobre o conflito, que contradizem a versão oficial. Qual o
legado desses novos historiadores, o senhor incluído, para Israel e para a
questão palestina? É possível falar de uma ideologia pós-sionista?
IP: Até o momento, os novos historiadores falharam em mover a sociedade judaica em Israel em direção a uma compreensão e abertura sobre a questão palestina. A maior contribuição foi legitimar a versão palestina, que por anos foi negada e tratada como completa mentira. Não há uma ideologia pós-sionista. Há um pequeno, mas crescente movimento antissionista dentro de Israel. O tempo dirá se irá se tornar significante.
OM: Na abertura de The Forgotten Palestinians, de 2011, o senhor reflete sobre sua própria vida. Qual é o significado de Israel? O senhor se imagina voltando para um país “melhor”?
IP: Israel é meu país e eu desejo voltar, ajudar a mudá-lo de dentro. Mas eu discordo sobre a divisão de país e Estado. Um país é um dado: é o lugar onde nasci, pelo qual meus sentimentos são muito fortes. Eu tenho problemas com Israel, o Estado. Eu sonho e trabalho para que tenhamos uma mudança de regime – no qual haja a promessa de igualdade a todos. Quero que o nome do país mude no processo, ou mesmo que retorne ao que tinha antes de Israel ser estabelecido: Palestina. Eu não sou desencorajado por isso. Na África do Sul, tal transição foi marcada por uma nova bandeira e hino. Em Israel e Palestina, as mudanças terão que ser muito mais fundamentais e profundas, mesmo no nível simbólico, se a paz vier a ser alcançada.
IP: Até o momento, os novos historiadores falharam em mover a sociedade judaica em Israel em direção a uma compreensão e abertura sobre a questão palestina. A maior contribuição foi legitimar a versão palestina, que por anos foi negada e tratada como completa mentira. Não há uma ideologia pós-sionista. Há um pequeno, mas crescente movimento antissionista dentro de Israel. O tempo dirá se irá se tornar significante.
OM: Na abertura de The Forgotten Palestinians, de 2011, o senhor reflete sobre sua própria vida. Qual é o significado de Israel? O senhor se imagina voltando para um país “melhor”?
IP: Israel é meu país e eu desejo voltar, ajudar a mudá-lo de dentro. Mas eu discordo sobre a divisão de país e Estado. Um país é um dado: é o lugar onde nasci, pelo qual meus sentimentos são muito fortes. Eu tenho problemas com Israel, o Estado. Eu sonho e trabalho para que tenhamos uma mudança de regime – no qual haja a promessa de igualdade a todos. Quero que o nome do país mude no processo, ou mesmo que retorne ao que tinha antes de Israel ser estabelecido: Palestina. Eu não sou desencorajado por isso. Na África do Sul, tal transição foi marcada por uma nova bandeira e hino. Em Israel e Palestina, as mudanças terão que ser muito mais fundamentais e profundas, mesmo no nível simbólico, se a paz vier a ser alcançada.
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