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quarta-feira, 7 de novembro de 2012

WE CAN?

Barack  Obama: vitória contra o reacionarismo
Antes de mais nada, a reeleição de Barack Obama representa a vitória dos setores mais esclarecidos e progressistas da sociedade americana sobre um partido – o Republicano – que se tornou a expressão do que existe de mais reacionário, oligárquico e excludente nos Estados Unidos. A direita extremista do GOP, que durante muito tempo foi isolada e ficou restrita a tipos marginais como os senadores Joseph MacCarthy e Barry Goldwater, se tornou hegemônica com George W. Bush, embora tenha começado a inter influência no partido com Ronald Reagan, nos anos 1980.

Abraham Lincoln
É curioso é notar como o mapa político das últimas eleições – os estados “azuis”, onde os democratas tiveram maioria versus os “vermelhos”, onde os republicanos levaram a melhor – reproduz, com poucas diferenças, a divisão entre o norte progressista e sul conservador durante a Guerra da Secessão (1861-1865). Com a notável diferença de que, na época da guerra, os progressistas eram os republicanos de Abraham Lincoln, que aboliu a escravidão, e os reacionários eram os democratas de Jefferson Davies.

Voltando a 2012, é preciso dizer que está tudo muito bem, mas Barack Obama, na melhor das hipóteses, ainda não disse a que veio. Na pior, ele é um prisioneiro de Wall Street e dos interesses financeiros que levaram à crise de 2008 e do poderoso Complexo Militar-Industrial denunciado há 50 anos por Dwight Eisenhower – aliás, um republicano esclarecido. Isso porque, até agora, nem de longe Obama teve a ousadia de um Franklin Delano Roosevelt, que peitou grandes corporações e até a Suprema Corte para implantar o seu New Deal, equivalente do Welfare State europeu que está sob ataque do establishment financeiro desde a ascensão de Reagan.

Ainda assim, a reeleição de Barack Obama mostrou que a esperança venceu o medo, repetindo um jargão muito usado por aqui. Muitos daqueles que o criticam torceram por ele – modestamente, eu me incluo neste grupo. Obama evitou o pior, a eleição de Mitt Romney, que seria a volta do “neoliberalismo militarista” sem peias da direita, com graves consequências para o equilíbrio de poder e a economia mundial.

É claro que, no segundo mandato, Obama pode ser mais ousado. Não creio, mas é esperar para ver. O texto abaixo, de Paul Krugman e Robin Wells, uma resenha de três livros que versam sobre como Obama lidou com a crise, faz uma radiografia dos “homens do presidente” que controlam a economia. Se continuarem lá, as coisas não deverão mudar muito. 

Wall Street vence com Obama, enquanto Partido Republicano se torna o partido dos brancos em minoria

Getting Away with It

Paul Krugman e Robin Wells

New York Review of Books

Na primavera de 2012, a campanha de Obama decidiu investigar a relação entre Mitt Romney e a empresa Bain Capital, uma firma de capital privado para a qual o republicano trabalhou, que havia se especializado em assumir o controle de empresas e extrair dinheiro para seus investidores, às vezes promovendo o crescimento, mas muitas vezes à custa dos empregos dos trabalhadores. Na verdade, houve vários casos em que a Bain conseguiu lucrar ao mesmo tempo em que suas metas de aquisição empurravam as empresas para a falência.



Havia, então, justificativa para um ataque à relação Romney-Bain, e também razões políticas claras para fazer o ataque. Por um lado, havia funcionado para o democrata Ted Kennedy, que usou histórias de trabalhadores prejudicados pela Bain com resultados contra Romney, em 1994, na disputa para o Senado em Massachusetts. Além disso, se Romney desenvolveu um verdadeiro tema de campanha foi em sua afirmação de que, como um empresário bem sucedido, poderia consertar a economia, quando Obama não tinha sido capaz. Apontar os pontos obscuros da relação entre Romney e a Bain e dizer que o que era bom para a Bain definitivamente não era bom para os Estados Unidos, portanto, fazia sentido.

No entanto, quando escrevíamos esta resenha, dois proeminentes políticos democratas passaram a minar a mensagem de Obama. 

Primeiro, Cory Booker, o prefeito de Newark, descreveu os ataques contra as ações da Bain como “repugnantes”. Em seguida, ninguém menos que Bill Clinton apareceu para descrever a história de Romney na Bain como “honesta”, acrescentando: “Eu não acho que devemos assumir a posição de julgar ‘este é um trabalho ruim, este é um bom trabalho’”. (Mais tarde, Clinton apareceu com Obama e disse que uma presidência de Romney seria “calamitosa”).
O que estava acontecendo? A resposta nos leva ao coração das decepções políticas e econômicas com o governo Obama.

Quando Obama foi eleito, em 2008, muitos progressistas esperavam uma repetição do New Deal. A situação econômica era, afinal, muito semelhante. Como em 1930, um sistema financeiro descontrolado levou primeiro à excessiva dívida privada, em seguida à crise financeira, crise que seguiu (e que persiste até hoje) e que, embora não tão severa quanto a da Grande Depressão, carrega uma semelhança familiar óbvia. Então, por que não seguir um roteiro semelhante?

Enquanto a economia agora ostenta uma forte semelhança com a dos anos 1930, o cenário político não, porque nem os democratas nem os republicanos são o que eram outrora.
Quando se preparava para assumir a presidência com Obama, boa parte do Partido Democrata estava perto de ser, se já não tinha sido, capturado pelos mesmos interesses financeiros que haviam levado à crise. Como os incidentes com Booker e Clinton demonstraram, alguns ainda são prisioneiros daqueles interesses. 

Enquanto isso, os republicanos se tornaram extremistas, de uma forma que eles não eram três gerações atrás. Em contraste com a oposição total a Obama em questões econômicas, naquela época a maioria dos republicanos no Congresso votou em favor do que seria o coroamento de FDR [Franklin Delano Roosevelt, mentor do New Deal, que superou a Grande Depressão e, em conseqüência, foi eleito para quatro mandatos], o Social Security Act de 1935 [que estabeleceu a Previdência Social pública nos Estados Unidos].

Estas mudanças nos partidos políticos dos Estados Unidos explicam tanto porque não houve um segundo New Deal quanto porque a resposta política à crise econômica prolongada tem sido tão inadequada. A captura parcial do Partido Democrata por Wall Street e a distorção política resultante desta captura são temas centrais de Noam Scheiber em The Escape Artists: How Obama’s Team Fumbled the Recovery.

Scheiber começa tratando da influência de Wall Street sobre o conjunto da equipe econômica de Obama. Em seus estágios iniciais, Scheiber nos diz, a campanha de Obama se baseou nos conselhos de “acadêmicos obscuros, gente do contra e burocratas envelhecidos”, como Austan Goolsbee, um jovem professor de economia da Universidade de Chicago, e Paul Volcker, o ainda vigoroso octogenário, ex-presidente do Banco Central. Mas, em setembro de 2008, um outro grupo de conselheiros econômicos havia se formado e começou a competir por influência, um grupo composto por “ricos insiders”. A maioria tinha trabalhado para o ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, Robert Rubin. Rubin tinha sido sócio da Goldman Sachs antes de integrar o governo Clinton. Depois, tornou-se diretor, conselheiro e mais tarde presidente do Citigroup [o maior conglomerado financeiro dos Estados Unidos].

Os retardatários de Rubin não demoraram a substituir completamente a equipe inicial de Obama. Por exemplo, a pessoa encarregada de vetar potenciais contratações na área econômica foi Jason Furman, um experiente economista de Washington que trabalhou no Projeto Hamilton, um think tank neoliberal fundado por Rubin e financiado por investidores amigáveis aos democratas. Mike Froman, assessor de Rubin durante o seu mandato como secretário do Tesouro, que depois seguiu Rubin no Citigroup, era o chefe de pessoal da equipe de transição de Obama. Foi ele quem apresentou Larry Summers e Tim Geithner como os principais candidatos a secretário do Tesouro.

Summers, o economista de Harvard e ex-subsecretário de Robert Rubin, que em seguida o sucedeu como secretário do Tesouro, além de ter sido consultor de um fundo de hedge de Wall Street, se tornaria o principal assessor econômico de Obama, como diretor do Conselho Econômico Nacional.

Geithner, que havia sido subordinado de Summers no Departamento do Tesouro de Clinton e mais tarde foi presidente do Banco Central em Nova York, foi uma das três pessoas que organizaram o resgate dos maiores bancos do país, em condições favoráveis ​​aos bancos, durante o outono de 2008. Como Scheiber escreve: “Ao colocar Mike Froman como encarregado da contratação de assessores, Obama de fato fez a escolha por governar com gente insider e do establishment”.

O domínio do Rubinites sobre o novo governo chocou muitos progressistas, já que para eles a revogação, apoiada por Bill Clinton, da Lei Glass-Steagall — defendida por Robert Rubin, mas contestada por Paul Volcker –, simbolizava a medida em que a crise financeira de 2008 foi resultado de um relacionamento excessivamente amigável entre o governo Clinton e Wall Street.

É verdade que a Glass-Steagall, uma lei da época da Grande Depressão que proibia misturar a venda de valores mobiliários com a aceitação de depósitos de clientes segurados pelo governo sob o mesmo teto [ou seja, a lei proibia a atuação de bancos de investimento como bancos que captam depósitos de correntistas, e vice-versa] não teria impedido a implosão de 2008 em de Wall Street. A implosão foi causada por níveis extraordinariamente elevados de alavancagem dos bancos de investimento como o Lehman e Merrill Lynch, bem como pelos enormes portfólios de financiamentos de segunda classe, tóxicos, de bancos como o Bank of America. Mas os progressistas estavam certos de sentir que Wall Street tinha ficado perigosamente sub-regulamentada por muito tempo e que agora todo o país estava pagando o preço.

No entanto, as preocupações dos progressistas enfrentaram ouvidos surdos dentro do novo governo. Como relata Scheiber, quando um senador democrata protestou pelo fato de que a equipe liderada por Geithner e Summers tinha sido muito simpática com Wall Street durante a década de 1990, Obama rejeitou as preocupações, afirmando que “precisava de pessoas com as quais pudesse contar em uma crise. Além disso, … eles tinham mudado”.

Foi tudo algum tipo de conspiração? Scheiber explica que foi menos intencional e mais complicado que isso. Em parte, era a necessidade de Obama de ter mãos experientes e credibilidade imediata em meio à pior crise financeira desde a Grande Depressão. Mas também é claro que a personalidade e o temperamento de Obama desempenharam papel fundamental no alinhamento da sua fortuna com a dos Rubinites. Como Scheiber agudamente observa, Obama e Geithner se identificaram por terem tido infâncias similares como expatriados e um estilo discreto, auto-depreciativo, que evita o conflito direto. Sem dúvida, a equipe de estrelas econômicas de Obama deu-lhe a “afirmação intelectual” que, Scheiber observa, “ele desejava.”

Mas, enquanto a equipe pode ter dado a Obama afirmação intelectual, não lhe deu um conselho muito bom. No final, a resposta de Obama à crise financeira foi um tanto desequilibrada e inadequada: Wall Street recebeu um resgate generoso, com poucas exigências, enquanto os trabalhadores e proprietários de imóveis foram entregues a planos de estímulo e alívio da dívida radicalmente sub-financiados.

É verdade, nem todos os membros da equipe de Obama entenderam a crise erroneamente. Agora sabemos que Christina Romer, professora de Berkeley nomeada para chefiar o Conselho de Assessores Econômicos de Obama, pediu desde o início um pacote de estímulo econômico muito maior do que o governo jamais propôs. Mas Romer foi marginalizada e foi Larry Summers, uma pessoa que não tem vergonha de mostrar seu brilho, que conquistou o ouvido de Obama. 

Quando veste seu chapéu de acadêmico, Summers defende ideias keynesianas não visivelmente diferentes das de Romer (ou das nossas). Mas Summers, em vez de contribuir com análise econômica pura e simples, tentou mostrar sua astúcia política sobre o que seria possível aprovar no Congresso, e como resultado disso subestimou o pacote de estímulo necessário.

Mas é Tim Geithner, secretário do Tesouro de Obama, que aparece, ainda mais do que Obama, como o personagem decisivo nesta saga. Em contraste com Summers, a quem Scheiber retrata como um Rubinite flexível e reformista, disposto a alterar seus pontos de vista em face de provas, e em especial crente de que os acionistas dos bancos resgatados deveriam pagar mais aos contribuintes, Geithner é descrito como um Rubinite doutrinário, que via como a sua tarefa primária restaurar a confiança do mercado financeiro, o que em sua mente significava não fazer nada que pudesse perturbar Wall Street.

Assim, enquanto um pacote de socorro financeiro aos bancos era, sem dúvida, necessário, Geithner contrariou Summers e até mesmo Obama e criou um resgate em que os contribuintes assumiram todo o risco, sem nada em troca; em que os negócios especulativos da Goldman Sachs garantidos pela seguradora AIG, que empurraram a AIG ao precipício, foram honrados na íntegra e pagos com dinheiro do resgate do governo à AIG, e no qual o plano de regulamentação dos derivativos foi, como um lobista disse, “o plano apresentado pelos regulamentados”. Não houve, é claro, nenhuma discussão sobre os culpados pela crise financeira ou sugestão de que os banqueiros tinham feito alguma coisa de ruim. Afinal, isso minaria a confiança nos mercados.

Como Geithner conseguiu dominar tão completamente a política econômica? Em parte, por sua habilidade em atuar nos bastidores; mesmo quando não podia ganhar um debate interno completamente, ganhava por outros meios. Muitas vezes ele simplesmente ganhava pelo cansaço, o que era a sua tática com Rahm Emanuel [que ocupou cargo equivalente a chefe da Casa Civil], sabendo que a atenção maníaca de Emanuel acabaria eventualmente em outro lugar. E, crucialmente, o poder de Geithner foi ativado pela falta de vontade de Obama de resolver impasses entre seus assessores.

Assim, quando a revolta pública contra o socorro aos bancos surgiu, David Axelrod, Robert Gibbs e Rahm Emanuel insistiram com Geithner para que os acionistas de bancos pagassem algum preço pelo resgate do governo. Geithner simplesmente se recusou a ceder, fazendo isso com o argumento de que os bancos já haviam pago um preço por serem forçados a buscar capital no mercado. Como Scheiber aponta com precisão, Geithner ignorou o fato de que, ao sustentar os bancos durante a sua implosão auto-infligida, o governo dos Estados Unidos efetivamente deu-lhes uma apólice de seguro no valor de bilhões de dólares. No final, Geithner ganhou.

Se Geithner foi o designer ativo do plano de resgate de Wall Street, Obama foi o facilitador passivo da intransigência republicana. Scheiber descreve como, mais de uma vez, a busca reflexiva de Obama pela cooperação bipartidária entregou a vantagem política aos republicanos. Scheiber observa que “na mente de Obama, ‘partidarismo’ é o mesmo que ‘provinciano’, ou mesmo ‘corrupto’”, 
o que o levou a “fazer grandes concessões antes mesmo que a negociação do pacote de estímulo tivesse começado”; que a fome de Obama por aceitação através do bipartidarismo era “profundamente confusa”; e, talvez mais penoso, que contrariando a abordagem de Obama “a flexão de músculos partidários poderia servir muito melhor ao interesse público, já que não havia outro caminho para aprovar legislação no Congresso”.

O centrismo de Obama o levou a adotar a mesma preocupação com o déficit orçamentário de Geithner e Orszag Pedro (seu chefe do Escritório de Administração e Orçamento, outro protegido de Rubin) em oposição aos protestos de Summers e Romer, de que não era o momento de se preocupar com déficits. Como resultado, Obama nunca reconheceu que o pacote de estímulo original não era suficientemente grande, uma posição que o deixou encaixotado quando ficou claro, como já era no verão de 2010, se não antes, que o pacote tinha sido, de fato, muito pequeno.

O ponto mais baixo, segundo Scheiber, foi a inepta manipulação de Obama, em 2010, das negociações sobre a extensão dos cortes de impostos de Bush. A equipe econômica, profundamente preocupada com o fato de que “o presidente estava sumido” do debate, comprometeu-se a resolver por conta própria. 

Foi Geithner e o antigo assessor de Clinton, Gene Sperling, que extrairam concessões dos republicanos antes do acordo final, enquanto Obama ainda procurava uma saída negociada. Outra vítima deste período foi qualquer progresso real no alívio da dívida dos proprietários de imóveis. Antes do final de 2010, tanto Summers quanto Romer deixaram Washington frustrados.

O livro de Scheiber, assim, é uma história deprimente tanto de como a influência de Wall Street sobre os democratas permitiu que ela escapasse sem pagar qualquer preço adequado pelo caos que infligiu, se livrando de qualquer regulamentação eficaz, quanto de como 
Obama não soube enfrentar republicanos intransigentes. Mas o que tornou os republicanos intransigentes assim? De diferentes maneiras, é o tema de dois livros recentes, os de Thomas Frank e Thomas Edsall.
Frank se concentra no que é, como ele diz, “algo único na história dos movimentos sociais dos Estados Unidos: uma conversão em massa à teoria do livre mercado como uma resposta aos tempos difíceis”. É realmente notável. Afinal, por três décadas antes da crise financeira a política estadunidense tinha sido cada vez mais dominada pela ideologia do laissez-faire, pela crença de que os mercados — e os mercados financeiros, em particular — deveriam ser autorizados a funcionar livremente.

Depois veio a queda inevitável. Mas, longe de exigir retorno a uma era de maior regulamentação, grande parte do eleitorado estadunidense adotou a visão de que a crise foi causada pela intervenção do governo, e se reuniu em torno de políticos que tinham como objetivo mergulhar ainda mais fundo naquelas políticas que haviam levado à crise em primeiro lugar.

Como isso aconteceu? A resposta de Frank é que os resgates aos bancos causaram isso. Ao fazer as coisas sugeridas por Geithner para socorrer os banqueiros, sem exigências, o governo Obama deixou no rastro um público compreensivelmente irritado, com a sensação de alguém tinha fugido sem pagar a conta. E a direita foi hábil em explorar isso. O famoso discurso feito em fevereiro de 2009 por Rick Santelli, na emissora CNBC, que deu o pontapé inicial no movimento Tea Party, foi uma denúncia do TARP, 
o resgate dos grandes bancos aprovado nos últimos dias do governo Bush (embora uma pluralidade de eleitores acredite que o TARP foi aprovado já no governo Obama). É verdade que Santelli concentrou toda a sua ira em um pequeno trecho do TARP, aquele que tratava do auxílio a proprietários de imóveis com problemas (ajuda que nunca se materializou), não na ajuda muito maior aos bancos. Mas pelo menos ele estava culpando alguém, o que o governo Obama se recusava a fazer.

E quando Obama começou, timidamente, a sugerir que alguns banqueiros poderiam ter se comportado mal, já era tarde demais. Todo o Partido Republicano e grande parte do eleitorado tinha resolvido adotar uma narrativa em que a crise financeira de 2008, uma crise que aconteceu depois de 14 anos de domínio republicano do Congresso e de oito anos em que os conservadores linha-dura controlaram os três braços do governo foi causada… pela intervenção do governo … para ajudar os pobres e, especialmente, os não-brancos. Como Frank escreve:
De volta ao culpado de sempre, o governo … Os federais obrigaram os bancos a fazer empréstimos especiais aos mutuários das minorias … e … toda a crise financeira foi uma consequência da interferência do governo.

Assim, a direita se recolocou como inimiga dos “Big Business”, não por serem negócios, mas por serem insuficientemente capitalistas. Não há prova melhor deste ponto-de-vista que um artigo publicado na revista Forbes de 2009, de Paul Ryan [ o candidato a vice na chapa republicana de Mitt Romney], intitulado “Abaixo o Big Business”, no qual ele argumenta que “é hora de os norte-americanos — inovadores, empreendedores, donos de pequenos negócios — se fazerem ouvir”.

Mas, por que a direita fez um trabalho muito melhor que Obama para aproveitar o momento político?

Nós já vimos uma parte da resposta: os democratas em geral, e Obama em particular, estavam muito perto de Wall Street para lidar eficazmente com uma crise que Wall Street tinha criado.

Frank também apresenta outro argumento importante: no clima político recente, a ignorância realmente faz a força. Você pode achar que o universo intelectual hermético que a direita criou para si mesma, uma espécie de realidade alternativa, murada para evitar que qualquer dado contradiga a fé nas maravilhas do livre mercado e nos males da intervenção do governo, seria um problema para o Partido Republicano. E, de fato, isso dificulta qualquer formulação política real. Em termos políticos, no entanto, deu aos republicanos unidade e certeza, quando os democratas se mostram fracos e divididos.

No entanto, de onde é que a unidade republicana realmente vem? Frank não tenta explicar isso, mas há uma teoria muito bem apresentada no livro de Thomas Edsall, A Idade da Austeridade. Estranhamente, no entanto, não é uma teoria que o próprio Edsall propõe.

A tese ostensiva de Edsall, apresentada no início do livro, é de que a escassez está na raiz de nossas novas batalhas políticas, que entramos em uma nova era da política dura porque a economia em encolhimento e o déficit orçamentário tornam impossível satisfazer às necessidades dos dois partidos políticos ao mesmo tempo:

Os dois principais partidos políticos estão presos em uma luta de morte para proteger os benefícios e bens que fluem para suas respectivas bases, cada um tentando expropriar os recursos do outra. Um futuro brutal está diante de nós.

No entanto, a maioria das evidências de Edsall para sustentar esta tese aponta para as consequências da crise econômica, que não é de todo uma crise de escassez, mas sim uma crise de política financeira e macroeconômica ruins. 

Por que, exatamente, deve haver uma “luta de morte” sobre os recursos, se a economia dos EUA poderia, de acordo com estimativas do Gabinete do Orçamento do Congresso, produzir um valor extra de 900 bilhões de dólares em bens e serviços, apenas se  colocasse trabalhadores desempregados e outros recursos não utilizados de volta no trabalho? Por que deve haver uma luta amarga sobre o orçamento, quando o governo dos EUA, embora reconhecidamente produtor de déficits, continua capaz de emprestar dinheiro pelas taxas de juros mais baixas da história?

A verdade é que a austeridade  que Edsall enfatiza é mais o resultado do que causa da nossa política amargurada. Temos uma economia deprimida em grande parte porque os republicanos bloquearam quase todas as iniciativas de Obama para criar empregos, recusando-se a confirmar até mesmo os indicados de Obama para o conselho do Banco Central. (Peter Diamond, do MIT, um laureado com o Nobel, foi rejeitado por falta de qualificações suficientes). Nós temos uma batalha enorme sobre os déficits não porque os déficits realmente representam um problema imediato, mas porque os conservadores encontraram na histeria sobre o déficit uma forma útil de atacar os programas sociais.

Então, de onde é que a política amargurada vem? Edsall fornece grande parte da resposta. Ou seja, o que ele retrata é um Partido Republicano que não foi radicalizado pela luta sobre os impostos — os impostos sobre os ricos são menores do que foram em gerações — mas pelo medo de perder o controle político sobre as mudanças da Nação. A parte mais marcante de A Idade da Austeridade é o capítulo enganosamente intitulado “A Economia da imigração”. O capítulo não diz muito sobre a economia da imigração; o que ele faz, em vez disso, é documentar a medida em que os imigrantes e seus filhos estão, literalmente, mudando a cara do eleitorado norte-americano.

Como Edsall admite, esta mudança da cara do eleitorado tem tido o efeito de radicalizar o Partido Republicano. “Para os brancos com uma inclinação conservadora”, escreve ele — e não é que esta é a própria definição da base republicana? –
a mudança para uma Nação maioria-minoria [isto é, uma nação na qual as minorias são a maioria] irá reforçar a percepção já amplamente difundida de que programas que beneficiam os pobres estão transferindo dólares do contribuinte para destinatários das minorias, a partir primeiro de brancos a negros e agora de “pardos”.

E esta é a mensagem daquele discurso irado de Rick Santelli [na CNBC, que deu origem ao Tea Party, um discurso que dizia que o governo federal tinha forçado bancos a fazerem empréstimos para minorias].
O Partido Republicano poderia, em princípio, ter respondido a essas mudanças no eleitorado tentando se redefinir para longe de ser o partido das pessoas brancas. Em vez disso, Edsall escreve, a resposta tem sido “apostar que o Partido Republicano pode continuar a ganhar como um partido branco, apesar da crescente força do voto minoritário”. E isso significa uma estratégia radical, de confronto sobre tudo, desde a política de imigração aos impostos e, é claro, ao estímulo econômico, uma parte do qual seria pago a minorias.

O efeito imediato deste confronto amargo tem sido a de paralisar a política econômica em plena crise. Obama poderia ter tido uma janela de oportunidade em seus primeiros meses no cargo, mas, como mostra Scheiber, essa janela se perdeu e houve pouca possibilidade de ação efetiva desde então. Assim, a crise se arrasta. Mas, como Thomas Mann e Norman Ornstein dizem no título de seu novo livro, É ainda pior do que parece, o Congresso — e de fato todo o sistema político estadunidense — está próximo de um completo colapso institucional. Ingressamos numa nova política de “tomada de reféns”, dizem-nos, sintetizada — mas que não se limita — pela luta dos dois partidos em 2011 sobre o teto da dívida. Os autores sugerem que o fiasco da política macroeconômica em curso pode ser apenas o começo.

É um livro notável e deprimente, especialmente impressionante dada a sua proveniência. Mann e Ornstein são estudiosos profundamente respeitados do Congresso, e seu livro parece na superfície resumir o tipo de esforço bipartidário que gente de Washington afirma amar: Mann é do liberal Brookings Institution, Ornstein do conservador American Enterprise Institute. No entanto, eles rejeitam a tentação de “equilibrar” suas conclusões e escrevem que o problema que o país enfrenta não é com o partidarismo em abstrato; o problema é com um partido.

Pode ser difícil para a imprensa tradicional e analistas não partidários reconhecerem que um dos dois principais partidos, o Partido Republicano, tornou-se um insurgente ideologicamente extremo; que despreza o regime político e social herdado; que desdenha de compromissos; que não é persuadido pelo entendimento convencional de fatos, provas e da Ciência; que desdenha da legitimidade de sua oposição política. Quando um partido se move para tão longe do centro da política estadunidense, é extremamente difícil implementar políticas que respondam aos desafios mais prementes do país.

E onde, em tudo isso, fica a esperança tão difundida na temporada eleitoral de 2008? É, francamente, difícil de encontrar. O presidente Obama tem parte da culpa por isso; ele escolheu ouvir as pessoas erradas, e, possivelmente, perdeu sua melhor chance de transformar a economia. (Só para ficar claro, isso não é uma sugestão de que Mitt Romney faria melhor. Pelo contrário, Romney está profundamente comprometido com a falsa narrativa republicana sobre o que aflige a nossa economia e todas as indicações são de que, se ele ganhar, vai tornar uma má situação muito, muito pior). Mas, afinal, o problema de fundo não é sobre personalidades ou liderança individual, é sobre a Nação como um todo. Algo deu muito errado com os Estados Unidos, não apenas com a economia, mas com sua capacidade de funcionar como uma nação democrática. E é difícil de ver quando e como isso vai ser consertado.

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