Barack Obama: vitória contra o reacionarismo |
Abraham Lincoln |
É curioso é notar como o mapa
político das últimas eleições – os estados “azuis”, onde os democratas tiveram
maioria versus os “vermelhos”, onde os republicanos levaram a melhor – reproduz,
com poucas diferenças, a divisão entre o norte progressista e sul conservador durante
a Guerra da Secessão (1861-1865). Com a notável diferença de que, na época da
guerra, os progressistas eram os republicanos de Abraham Lincoln, que aboliu a
escravidão, e os reacionários eram os democratas de Jefferson Davies.
Voltando a 2012, é preciso
dizer que está tudo muito bem, mas Barack Obama, na melhor das hipóteses, ainda
não disse a que veio. Na pior, ele é um prisioneiro de Wall Street e dos interesses
financeiros que levaram à crise de 2008 e do poderoso Complexo Militar-Industrial
denunciado há 50 anos por Dwight Eisenhower – aliás, um republicano esclarecido.
Isso porque, até agora, nem de longe Obama teve a ousadia de um Franklin Delano
Roosevelt, que peitou grandes corporações e até a Suprema Corte para implantar
o seu New Deal, equivalente do Welfare
State europeu que está sob ataque do establishment financeiro desde a
ascensão de Reagan.
Ainda assim, a reeleição de Barack
Obama mostrou que a esperança venceu o medo, repetindo um jargão muito usado
por aqui. Muitos daqueles que o criticam torceram por ele – modestamente, eu me
incluo neste grupo. Obama evitou o pior, a eleição de Mitt Romney, que seria a volta
do “neoliberalismo militarista” sem peias da direita, com graves consequências para
o equilíbrio de poder e a economia mundial.
É claro que, no segundo
mandato, Obama pode ser mais ousado. Não creio, mas é esperar para ver. O texto
abaixo, de Paul Krugman e Robin Wells, uma resenha de três livros que versam sobre
como Obama lidou com a crise, faz uma radiografia dos “homens do presidente”
que controlam a economia. Se continuarem lá, as coisas não deverão mudar muito.
Wall Street vence com Obama, enquanto Partido Republicano se torna o partido dos brancos em minoria
Wall Street vence com Obama, enquanto Partido Republicano se torna o partido dos brancos em minoria
Getting Away with It
Paul Krugman e Robin Wells
New York Review of Books
Na primavera de
Havia, então, justificativa para um ataque à relação
Romney-Bain, e também razões políticas claras para fazer o ataque. Por um lado,
havia funcionado para o democrata Ted Kennedy, que usou histórias de
trabalhadores prejudicados pela Bain com resultados contra Romney, em 1994, na
disputa para o Senado em
Massachusetts. Além disso, se Romney desenvolveu um
verdadeiro tema de campanha foi em sua afirmação de que, como um empresário bem
sucedido, poderia consertar a economia, quando Obama não tinha sido capaz.
Apontar os pontos obscuros da relação entre Romney e a Bain e dizer que o que
era bom para a Bain definitivamente não era bom para os Estados Unidos,
portanto, fazia sentido.
No entanto, quando escrevíamos esta resenha, dois
proeminentes políticos democratas passaram a minar a mensagem de Obama.
Primeiro, Cory Booker, o prefeito de Newark, descreveu os ataques contra as
ações da Bain como “repugnantes”. Em seguida, ninguém menos que Bill Clinton
apareceu para descrever a história de Romney na Bain como “honesta”,
acrescentando: “Eu não acho que devemos assumir a posição de julgar ‘este é um
trabalho ruim, este é um bom trabalho’”. (Mais tarde, Clinton apareceu com
Obama e disse que uma presidência de Romney seria “calamitosa”).
O que estava acontecendo? A resposta nos leva ao
coração das decepções políticas e econômicas com o governo Obama.
Quando Obama foi eleito, em 2008, muitos progressistas
esperavam uma repetição do New Deal. A situação econômica era, afinal, muito
semelhante. Como em 1930, um sistema financeiro descontrolado levou primeiro à
excessiva dívida privada, em seguida à crise financeira, crise que seguiu (e
que persiste até hoje) e que, embora não tão severa quanto a da Grande
Depressão, carrega uma semelhança familiar óbvia. Então, por que não seguir um
roteiro semelhante?
Enquanto a economia agora ostenta uma forte semelhança
com a dos anos 1930, o cenário político não, porque nem os democratas nem os
republicanos são o que eram outrora.
Quando se preparava para assumir a presidência com
Obama, boa parte do Partido Democrata estava perto de ser, se já não tinha
sido, capturado pelos mesmos interesses financeiros que haviam levado à crise.
Como os incidentes com Booker e Clinton demonstraram, alguns ainda são
prisioneiros daqueles interesses.
Enquanto isso, os republicanos se tornaram
extremistas, de uma forma que eles não eram três gerações atrás. Em contraste
com a oposição total a Obama em questões econômicas, naquela época a maioria
dos republicanos no Congresso votou em favor do que seria o coroamento de FDR
[Franklin Delano Roosevelt, mentor do New Deal, que superou a Grande Depressão
e, em conseqüência, foi eleito para quatro mandatos], o Social Security Act de
1935 [que estabeleceu a Previdência Social pública nos Estados Unidos].
Estas mudanças nos partidos políticos dos Estados
Unidos explicam tanto porque não houve um segundo New Deal quanto porque a
resposta política à crise econômica prolongada tem sido tão inadequada. A
captura parcial do Partido Democrata por Wall Street e a distorção política
resultante desta captura são temas centrais de Noam Scheiber em The
Escape Artists: How Obama’s Team Fumbled the Recovery.
Scheiber começa tratando da influência de Wall Street
sobre o conjunto da equipe econômica de Obama. Em seus estágios iniciais,
Scheiber nos diz, a campanha de Obama se baseou nos conselhos de “acadêmicos
obscuros, gente do contra e burocratas envelhecidos”, como Austan
Goolsbee, um jovem professor de economia da Universidade de Chicago, e Paul
Volcker, o ainda vigoroso octogenário, ex-presidente do Banco Central. Mas, em
setembro de 2008, um outro grupo de conselheiros econômicos havia se formado e
começou a competir por influência, um grupo composto por “ricos insiders”. A
maioria tinha trabalhado para o ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton,
Robert Rubin. Rubin tinha sido sócio da Goldman Sachs antes de integrar o
governo Clinton. Depois, tornou-se diretor, conselheiro e mais tarde presidente
do Citigroup [o maior conglomerado financeiro dos Estados Unidos].
Os retardatários de Rubin não demoraram a substituir
completamente a equipe inicial de Obama. Por exemplo, a pessoa encarregada de
vetar potenciais contratações na área econômica foi Jason Furman, um experiente
economista de Washington que trabalhou no Projeto Hamilton, um think tank neoliberal fundado por Rubin
e financiado por investidores amigáveis aos democratas. Mike Froman, assessor
de Rubin durante o seu mandato como secretário do Tesouro, que depois seguiu
Rubin no Citigroup, era o chefe de pessoal da equipe de transição de Obama. Foi
ele quem apresentou Larry Summers e Tim Geithner como os principais candidatos
a secretário do Tesouro.
Summers, o economista de Harvard e ex-subsecretário de
Robert Rubin, que em seguida o sucedeu como secretário do Tesouro, além de ter
sido consultor de um fundo de hedge de Wall Street, se tornaria o principal
assessor econômico de Obama, como diretor do Conselho Econômico Nacional.
Geithner, que havia sido subordinado de Summers no
Departamento do Tesouro de Clinton e mais tarde foi presidente do Banco Central
em Nova York ,
foi uma das três pessoas que organizaram o resgate dos maiores bancos do país,
em condições favoráveis aos bancos, durante o outono de 2008. Como Scheiber
escreve: “Ao colocar Mike Froman como encarregado da contratação de assessores,
Obama de fato fez a escolha por governar com gente insider e do establishment”.
O domínio do Rubinites sobre o novo governo chocou
muitos progressistas, já que para eles a revogação, apoiada por Bill Clinton,
da Lei Glass-Steagall — defendida por Robert Rubin, mas contestada por Paul
Volcker –, simbolizava a medida em que a crise financeira de 2008 foi resultado
de um relacionamento excessivamente amigável entre o governo Clinton e Wall
Street.
É verdade que a Glass-Steagall, uma lei da época da
Grande Depressão que proibia misturar a venda de valores mobiliários com a
aceitação de depósitos de clientes segurados pelo governo sob o mesmo teto [ou
seja, a lei proibia a atuação de bancos de investimento como bancos que captam
depósitos de correntistas, e vice-versa] não teria impedido a implosão de 2008 em de Wall Street. A
implosão foi causada por níveis extraordinariamente elevados de alavancagem dos
bancos de investimento como o Lehman e Merrill Lynch, bem como pelos enormes
portfólios de financiamentos de segunda classe, tóxicos, de bancos como o Bank
of America. Mas os progressistas estavam certos de sentir que Wall Street tinha
ficado perigosamente sub-regulamentada por muito tempo e que agora todo o país
estava pagando o preço.
No entanto, as preocupações dos progressistas
enfrentaram ouvidos surdos dentro do novo governo. Como relata Scheiber, quando
um senador democrata protestou pelo fato de que a equipe liderada por Geithner
e Summers tinha sido muito simpática com Wall Street durante a década de 1990,
Obama rejeitou as preocupações, afirmando que “precisava de pessoas com as
quais pudesse contar em uma crise. Além disso, … eles tinham mudado”.
Foi tudo algum tipo de conspiração? Scheiber explica
que foi menos intencional e mais complicado que isso. Em parte, era a
necessidade de Obama de ter mãos experientes e credibilidade imediata em meio à
pior crise financeira desde a Grande Depressão. Mas também é claro que a
personalidade e o temperamento de Obama desempenharam papel fundamental no
alinhamento da sua fortuna com a dos Rubinites. Como Scheiber agudamente
observa, Obama e Geithner se identificaram por terem tido infâncias similares
como expatriados e um estilo discreto, auto-depreciativo, que evita o conflito
direto. Sem dúvida, a equipe de estrelas econômicas de Obama deu-lhe a
“afirmação intelectual” que, Scheiber observa, “ele desejava.”
Mas, enquanto a equipe pode ter dado a Obama afirmação
intelectual, não lhe deu um conselho muito bom. No final, a resposta de Obama à
crise financeira foi um tanto desequilibrada e inadequada: Wall Street recebeu
um resgate generoso, com poucas exigências, enquanto os trabalhadores e
proprietários de imóveis foram entregues a planos de estímulo e alívio da
dívida radicalmente sub-financiados.
É verdade, nem todos os membros da equipe de Obama
entenderam a crise erroneamente. Agora sabemos que Christina Romer, professora
de Berkeley nomeada para chefiar o Conselho de Assessores Econômicos de Obama,
pediu desde o início um pacote de estímulo econômico muito maior do que o
governo jamais propôs. Mas Romer foi marginalizada e foi Larry Summers, uma
pessoa que não tem vergonha de mostrar seu brilho, que conquistou o ouvido de
Obama.
Quando veste seu chapéu de acadêmico, Summers defende ideias keynesianas
não visivelmente diferentes das de Romer (ou das nossas). Mas Summers, em vez
de contribuir com análise econômica pura e simples, tentou mostrar sua astúcia
política sobre o que seria possível aprovar no Congresso, e como resultado
disso subestimou o pacote de estímulo necessário.
Mas é Tim Geithner, secretário do Tesouro de Obama,
que aparece, ainda mais do que Obama, como o personagem decisivo nesta saga. Em
contraste com Summers, a quem Scheiber retrata como um Rubinite flexível e
reformista, disposto a alterar seus pontos de vista em face de provas, e em
especial crente de que os acionistas dos bancos resgatados deveriam pagar mais
aos contribuintes, Geithner é descrito como um Rubinite doutrinário, que via
como a sua tarefa primária restaurar a confiança do mercado financeiro, o que
em sua mente significava não fazer nada que pudesse perturbar Wall Street.
Assim, enquanto um pacote de socorro financeiro aos
bancos era, sem dúvida, necessário, Geithner contrariou Summers e até mesmo
Obama e criou um resgate em que os contribuintes assumiram todo o risco, sem
nada em troca; em que os negócios especulativos da Goldman Sachs garantidos
pela seguradora AIG, que empurraram a AIG ao precipício, foram honrados na
íntegra e pagos com dinheiro do resgate do governo à AIG, e no qual o plano de
regulamentação dos derivativos foi, como um lobista disse, “o plano apresentado
pelos regulamentados”. Não houve, é claro, nenhuma discussão sobre os culpados
pela crise financeira ou sugestão de que os banqueiros tinham feito alguma
coisa de ruim. Afinal, isso minaria a confiança nos mercados.
Como Geithner conseguiu dominar tão completamente a
política econômica? Em parte, por sua habilidade em atuar nos bastidores; mesmo
quando não podia ganhar um debate interno completamente, ganhava por outros
meios. Muitas vezes ele simplesmente ganhava pelo cansaço, o que era a sua
tática com Rahm Emanuel [que ocupou cargo equivalente a chefe da Casa Civil],
sabendo que a atenção maníaca de Emanuel acabaria eventualmente em outro lugar.
E, crucialmente, o poder de Geithner foi ativado pela falta de vontade de Obama
de resolver impasses entre seus assessores.
Assim, quando a revolta pública contra o socorro aos
bancos surgiu, David Axelrod, Robert Gibbs e Rahm Emanuel insistiram com
Geithner para que os acionistas de bancos pagassem algum preço pelo resgate do
governo. Geithner simplesmente se recusou a ceder, fazendo isso com o argumento
de que os bancos já haviam pago um preço por serem forçados a buscar capital no
mercado. Como Scheiber aponta com precisão, Geithner ignorou o fato de que, ao
sustentar os bancos durante a sua implosão auto-infligida, o governo dos
Estados Unidos efetivamente deu-lhes uma apólice de seguro no valor de bilhões
de dólares. No final, Geithner ganhou.
Se Geithner foi o designer ativo do plano de resgate
de Wall Street, Obama foi o facilitador passivo da intransigência republicana.
Scheiber descreve como, mais de uma vez, a busca reflexiva de Obama pela
cooperação bipartidária entregou a vantagem política aos republicanos. Scheiber
observa que “na mente de Obama, ‘partidarismo’ é o mesmo que ‘provinciano’, ou
mesmo ‘corrupto’”,
o que o levou a “fazer grandes concessões antes mesmo que a
negociação do pacote de estímulo tivesse começado”; que a fome de Obama por
aceitação através do bipartidarismo era “profundamente confusa”; e, talvez mais
penoso, que contrariando a abordagem de Obama “a flexão de músculos partidários
poderia servir muito melhor ao interesse público, já que não havia outro
caminho para aprovar legislação no Congresso”.
O centrismo de Obama o levou a adotar a mesma
preocupação com o déficit orçamentário de Geithner e Orszag Pedro (seu chefe do
Escritório de Administração e Orçamento, outro protegido de Rubin) em oposição
aos protestos de Summers e Romer, de que não era o momento de se preocupar com
déficits. Como resultado, Obama nunca reconheceu que o pacote de estímulo
original não era suficientemente grande, uma posição que o deixou encaixotado
quando ficou claro, como já era no verão de 2010, se não antes, que o pacote
tinha sido, de fato, muito pequeno.
O ponto mais baixo, segundo Scheiber, foi a inepta
manipulação de Obama, em 2010, das negociações sobre a extensão dos cortes de
impostos de Bush. A equipe econômica, profundamente preocupada com o fato de
que “o presidente estava sumido” do debate, comprometeu-se a resolver por conta
própria.
Foi Geithner e o antigo assessor de Clinton, Gene Sperling, que
extrairam concessões dos republicanos antes do acordo final, enquanto Obama
ainda procurava uma saída negociada. Outra vítima deste período foi qualquer
progresso real no alívio da dívida dos proprietários de imóveis. Antes do final
de 2010, tanto Summers quanto Romer deixaram Washington frustrados.
O livro de Scheiber, assim, é uma história deprimente
tanto de como a influência de Wall Street sobre os democratas permitiu que ela
escapasse sem pagar qualquer preço adequado pelo caos que infligiu, se livrando
de qualquer regulamentação eficaz, quanto de como
Obama não soube enfrentar
republicanos intransigentes. Mas o que tornou os republicanos intransigentes
assim? De diferentes maneiras, é o tema de dois livros recentes, os de Thomas Frank
e Thomas Edsall.
Frank se concentra no que é, como ele diz, “algo único
na história dos movimentos sociais dos Estados Unidos: uma conversão em massa à
teoria do livre mercado como uma resposta aos tempos difíceis”. É realmente
notável. Afinal, por três décadas antes da crise financeira a política
estadunidense tinha sido cada vez mais dominada pela ideologia do
laissez-faire, pela crença de que os mercados — e os mercados financeiros, em
particular — deveriam ser autorizados a funcionar livremente.
Depois veio a queda inevitável. Mas, longe de exigir
retorno a uma era de maior regulamentação, grande parte do eleitorado
estadunidense adotou a visão de que a crise foi causada pela intervenção do
governo, e se reuniu em torno de políticos que tinham como objetivo mergulhar
ainda mais fundo naquelas políticas que haviam levado à crise em primeiro
lugar.
Como isso aconteceu? A resposta de Frank é que os
resgates aos bancos causaram isso. Ao fazer as coisas sugeridas por Geithner
para socorrer os banqueiros, sem exigências, o governo Obama deixou no rastro
um público compreensivelmente irritado, com a sensação de alguém tinha fugido
sem pagar a conta. E a direita foi hábil em explorar isso. O famoso discurso
feito em fevereiro de 2009 por Rick Santelli, na emissora CNBC, que deu o
pontapé inicial no movimento Tea Party, foi uma denúncia do TARP,
o resgate dos
grandes bancos aprovado nos últimos dias do governo Bush (embora uma
pluralidade de eleitores acredite que o TARP foi aprovado já no governo Obama).
É verdade que Santelli concentrou toda a sua ira em um pequeno trecho do TARP,
aquele que tratava do auxílio a proprietários de imóveis com problemas (ajuda
que nunca se materializou), não na ajuda muito maior aos bancos. Mas pelo menos
ele estava culpando alguém, o que o governo Obama se recusava a fazer.
E quando Obama começou, timidamente, a sugerir que
alguns banqueiros poderiam ter se comportado mal, já era tarde demais. Todo o
Partido Republicano e grande parte do eleitorado tinha resolvido adotar uma
narrativa em que a crise financeira de 2008, uma crise que aconteceu depois de
14 anos de domínio republicano do Congresso e de oito anos em que os
conservadores linha-dura controlaram os três braços do governo foi causada…
pela intervenção do governo … para ajudar os pobres e, especialmente, os
não-brancos. Como Frank escreve:
De volta ao culpado de sempre, o governo … Os federais
obrigaram os bancos a fazer empréstimos especiais aos mutuários das minorias …
e … toda a crise financeira foi uma consequência da interferência do governo.
Assim, a direita se recolocou como inimiga dos “Big
Business”, não por serem negócios, mas por serem insuficientemente
capitalistas. Não há prova melhor deste ponto-de-vista que um artigo publicado
na revista Forbes de 2009, de Paul Ryan [ o candidato a vice na chapa
republicana de Mitt Romney], intitulado “Abaixo o Big Business”, no qual ele
argumenta que “é hora de os norte-americanos — inovadores, empreendedores,
donos de pequenos negócios — se fazerem ouvir”.
Mas, por que a direita fez um trabalho muito melhor
que Obama para aproveitar o momento político?
Nós já vimos uma parte da resposta: os democratas em
geral, e Obama em particular, estavam muito perto de Wall Street para lidar
eficazmente com uma crise que Wall Street tinha criado.
Frank também apresenta outro argumento importante: no
clima político recente, a ignorância realmente faz a força. Você pode achar que
o universo intelectual hermético que a direita criou para si mesma, uma espécie
de realidade alternativa, murada para evitar que qualquer dado contradiga a fé
nas maravilhas do livre mercado e nos males da intervenção do governo, seria um
problema para o Partido Republicano. E, de fato, isso dificulta qualquer
formulação política real. Em termos políticos, no entanto, deu aos republicanos
unidade e certeza, quando os democratas se mostram fracos e divididos.
No entanto, de onde é que a unidade republicana
realmente vem? Frank não tenta explicar isso, mas há uma teoria muito bem
apresentada no livro de Thomas Edsall, A
Idade da Austeridade. Estranhamente, no entanto, não é uma teoria que
o próprio Edsall propõe.
A tese ostensiva de Edsall, apresentada no início do
livro, é de que a escassez está na raiz de nossas novas batalhas políticas, que
entramos em uma nova era da política dura porque a economia em encolhimento e o
déficit orçamentário tornam impossível satisfazer às necessidades dos dois
partidos políticos ao mesmo tempo:
Os dois principais partidos políticos estão presos em
uma luta de morte para proteger os benefícios e bens que fluem para suas
respectivas bases, cada um tentando expropriar os recursos do outra. Um futuro
brutal está diante de nós.
No entanto, a maioria das evidências de Edsall para
sustentar esta tese aponta para as consequências da crise econômica, que não é
de todo uma crise de escassez, mas sim uma crise de política financeira e
macroeconômica ruins.
Por que, exatamente, deve haver uma “luta de morte” sobre
os recursos, se a economia dos EUA poderia, de acordo com estimativas do
Gabinete do Orçamento do Congresso, produzir um valor extra de 900 bilhões de
dólares em bens e serviços, apenas se colocasse trabalhadores
desempregados e outros recursos não utilizados de volta no trabalho? Por que
deve haver uma luta amarga sobre o orçamento, quando o governo dos EUA, embora
reconhecidamente produtor de déficits, continua capaz de emprestar dinheiro
pelas taxas de juros mais baixas da história?
A verdade é que a austeridade que Edsall
enfatiza é mais o resultado do que causa da nossa política amargurada. Temos
uma economia deprimida em grande parte porque os republicanos bloquearam quase
todas as iniciativas de Obama para criar empregos, recusando-se a confirmar até
mesmo os indicados de Obama para o conselho do Banco Central. (Peter Diamond,
do MIT, um laureado com o Nobel, foi rejeitado por falta de qualificações
suficientes). Nós temos uma batalha enorme sobre os déficits não porque os
déficits realmente representam um problema imediato, mas porque os
conservadores encontraram na histeria sobre o déficit uma forma útil de atacar
os programas sociais.
Então, de onde é que a política amargurada vem? Edsall
fornece grande parte da resposta. Ou seja, o que ele retrata é um Partido
Republicano que não foi radicalizado pela luta sobre os impostos — os impostos
sobre os ricos são menores do que foram em gerações — mas pelo medo de perder o
controle político sobre as mudanças da Nação. A parte mais marcante de A Idade da Austeridade é
o capítulo enganosamente intitulado “A Economia da imigração”. O capítulo não
diz muito sobre a economia da imigração; o que ele faz, em vez disso, é
documentar a medida em que os imigrantes e seus filhos estão, literalmente,
mudando a cara do eleitorado norte-americano.
Como Edsall admite, esta mudança da cara do eleitorado
tem tido o efeito de radicalizar o Partido Republicano. “Para os brancos com
uma inclinação conservadora”, escreve ele — e não é que esta é a própria
definição da base republicana? –
a mudança para uma Nação maioria-minoria [isto é, uma
nação na qual as minorias são a maioria] irá reforçar a percepção já amplamente
difundida de que programas que beneficiam os pobres estão transferindo dólares
do contribuinte para destinatários das minorias, a partir primeiro de brancos a
negros e agora de “pardos”.
E esta é a mensagem daquele discurso irado de Rick
Santelli [na CNBC, que deu origem ao Tea Party, um discurso que dizia que o
governo federal tinha forçado bancos a fazerem empréstimos para minorias].
O Partido Republicano poderia, em princípio, ter
respondido a essas mudanças no eleitorado tentando se redefinir para longe de
ser o partido das pessoas brancas. Em vez disso, Edsall escreve, a resposta tem
sido “apostar que o Partido Republicano pode continuar a ganhar como um partido
branco, apesar da crescente força do voto minoritário”. E isso significa uma
estratégia radical, de confronto sobre tudo, desde a política de imigração aos
impostos e, é claro, ao estímulo econômico, uma parte do qual seria pago a
minorias.
O efeito imediato deste confronto amargo tem sido a de
paralisar a política econômica em plena crise. Obama poderia ter tido uma
janela de oportunidade em seus primeiros meses no cargo, mas, como mostra
Scheiber, essa janela se perdeu e houve pouca possibilidade de ação efetiva
desde então. Assim, a crise se arrasta. Mas, como Thomas Mann e Norman Ornstein
dizem no título de seu novo livro, É
ainda pior do que parece, o Congresso — e de fato todo o sistema
político estadunidense — está próximo de um completo colapso institucional.
Ingressamos numa nova política de “tomada de reféns”, dizem-nos, sintetizada —
mas que não se limita — pela luta dos dois partidos em 2011 sobre o teto da
dívida. Os autores sugerem que o fiasco da política macroeconômica em curso
pode ser apenas o começo.
É um livro notável e deprimente, especialmente
impressionante dada a sua proveniência. Mann e Ornstein são estudiosos
profundamente respeitados do Congresso, e seu livro parece na superfície
resumir o tipo de esforço bipartidário que gente de Washington afirma amar:
Mann é do liberal Brookings Institution, Ornstein do conservador American
Enterprise Institute. No entanto, eles rejeitam a tentação de “equilibrar” suas
conclusões e escrevem que o problema que o país enfrenta não é com o
partidarismo em abstrato; o problema é com um partido.
Pode ser difícil para a imprensa tradicional e
analistas não partidários reconhecerem que um dos dois principais partidos, o
Partido Republicano, tornou-se um insurgente ideologicamente extremo; que
despreza o regime político e social herdado; que desdenha de compromissos; que
não é persuadido pelo entendimento convencional de fatos, provas e da Ciência;
que desdenha da legitimidade de sua oposição política. Quando um partido se
move para tão longe do centro da política estadunidense, é extremamente difícil
implementar políticas que respondam aos desafios mais prementes do país.
E onde, em tudo isso, fica a esperança tão difundida
na temporada eleitoral de 2008? É, francamente, difícil de encontrar. O
presidente Obama tem parte da culpa por isso; ele escolheu ouvir as pessoas
erradas, e, possivelmente, perdeu sua melhor chance de transformar a economia.
(Só para ficar claro, isso não é uma sugestão de que Mitt Romney faria melhor.
Pelo contrário, Romney está profundamente comprometido com a falsa narrativa
republicana sobre o que aflige a nossa economia e todas as indicações são de
que, se ele ganhar, vai tornar uma má situação muito, muito pior). Mas, afinal,
o problema de fundo não é sobre personalidades ou liderança individual, é sobre
a Nação como um todo. Algo deu muito errado com os Estados Unidos, não apenas
com a economia, mas com sua capacidade de funcionar como uma nação democrática.
E é difícil de ver quando e como isso vai ser consertado.
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