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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O HUMOR MAL-HUMORADO


“Não entro para clubes que me aceitem como sócio”(Groucho Marx)
Groucho Marx

No século passado, os humoristas em geral andavam de braços dados com as causas progressistas, como mostram Charles Chaplin, Buster Keaton, os Irmãos Marx e o grupo Monthy Pynton, só para citar alguns mais famosos. Ainda hoje, comediantes americanos bem-sucedidos, como Jon Stewart, Stephen Colbert e Bill Maher, são politicamente “liberais”.

Aqui no Brasil, no passado a maioria também seguiu essa tendência. É só nos lembrarmos de Apparicio Torelly, o “Barão de Itararé”; Agildo Ribeiro; Paulo Gracindo; José Vasconcelos, Chico Anysio e Jô Soares, entre outros. Isso sem falarmos da irreverência iconoclasta d’O Pasquim, cuja ousadia em ridicularizar a ditadura custou censura e a prisão dos responsáveis. 

Quanta diferença do que acontece hoje em dia na Terra Brasilis, em que a maioria dos humoristas é abertamente reacionária, apelativa e, muitas vezes, covarde, mais preocupada em se alinhar à moda do “politicamente incorreto” do que em fazer rir. Aliás, como são sem graça, meu Deus! E o pior de tudo é que se levam a sério – pecado mortal para qualquer humorista – e se arvoram em “defensores da liberdade de expressão”. Dá vontade de invocar a madame Roland (“liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome?”).

A depender desses humoristas mequetrefes para garantir nossa liberdade seria melhor buscar asilo na embaixada de Assunção.

Em seguida, três textos diferentes sobre o tema:   

Sobre os humoristas brasileiros
Paulo Nogueira
À falta de graça eles aliam um reacionarismo que os isola da voz das ruas.
O Brasil, conforme constatou agudamente um leitor do Diário, tem uma esquisitice humorística: os comediantes são reacionários. Não vou entrar no fato de que são essencialmente sem graça. Me atenho apenas ao conservadorismo. Comediantes, como artistas em geral, costumam, em todo o mundo, ser progressistas. Eles quase sempre têm uma forte consciência social que os leva a criticar situações de grande desigualdade e a ser antiestablishment.
Os comediantes brasileiros fogem da regra, e esta é uma das razões pelas quais são tão sem graça. Marcelo Madureira é um caso extremo de conservadorismo petrificado e completo alinhamento com o chamado “1%”. Marcelo Tas é outro caso. De Londres, não o acompanhei, mas ao passar algumas semanas no Brasil, agora, pude ver – sem sequer assistir a um episódio de seu programa – o quanto ele é mentalmente velho.


O que o CQC fez a Genoíno em nome da piada oscila entre o patético, o ridículo e o grotesco. Não me refiro apenas ao episódio em si de explorar o drama de Genoíno. Também a sequência foi pavorosa. Vi no YouTube Tas ter uma disenteria verbal ao falar de Genoíno. Corajosamente, aspas, chamou-o repetidas vezes, aos gritos, de “mequetrefe”.
Não sou petista.
Jamais votei uma única vez em Genoíno.
Mas Tas tem condições morais — e conhecimento, pura e simplesmente — para julgar e condenar Genoíno? Várias vezes ele diz que Genoíno foi condenado pela justiça. E daí? Quem acredita na infabilidade da justiça brasileira acredita em tudo, como disse Wellington.
O que me levou a procurar Tas no YouTube foi uma mensagem pessoal que recebi de Ana Carvalho. Ela estava no local em que houve a confusão entre o humorista Oscar Filho e amigos de Genoíno. Ana acabou sendo citada num texto que OF escreveu, e ficou tão indignada que decidiu escrever sua versão dos fatos numa carta aberta que ela, cerimoniosamente, me pediu que lesse. Li. Primeiro, ela esclarece: ao contrário do que OF escreveu, ela não é militante do PT. Estava apenas votando, com a família, no lugar do tumulto, e tentou ajudar a serenar os ânimos, como boa samaritana.
Ana relata o que ouviu, na refrega, do produtor do CQC e de Genoíno. Do produtor, berros que diziam que os “mensaleiros filhos da puta” iam ser punidos: em vez de um minuto, o programa falaria horas do caso. De Genoíno, ela ouviu: “Calma, calma, sem bater, sem bater”. Mas quem publicaria o que ela ouviu? Essa pergunta Ana fez a si mesma, e é um pequeno retrato da maneira distorcida com que a grande mídia trata assuntos de política no Brasil. A resposta é: ninguém. Nem Folha e nem Estadão e nem Veja e nem Globo publicariam o relato de Ana – embora ela fosse testemunha privilegiada da confusão.
Há formas e formas de violência. O que o pessoal do CQC fez foi uma violência mental, uma tortura. Não faz muito tempo, o mundo soube que presos nos Estados Unidos tinham sido torturados com sessões de música ininterrupta da série Vila Sésamo. Vinte e quatro horas, sete dias por semana. (O autor ficou perplexo com o uso dado a sua canções tão inocentes.)
O que o CQC fez tem um nome: tortura moral. Humor não é isso. Citei, em outro artigo, os repórteres do Pânico que invadiram o funeral de Amy Winehouse para fazer piada. Tivessem sido pilhados, terminariam na cadeia – e teriam formidável dificuldade para convencer a justiça londrina de que a liberdade de expressão, aspas, os autorizava a fazer o que fizeram.
Humor sem graça, como o feito no Brasil, é um horror. Mas consegue ficar ainda pior quando à falta de espírito se junta um reacionarismo patológico, uma completa desconexão com o povo brasileiro, e este é o caso de Marcelo Tas e seu CQC. 

 

 

Os jovens humoristas e a falta de compaixão

Do site Deficiente Ciente


Detalhes
O romance americano O Som e a Fúria, de William Faulkner, começa com um longo capítulo, intitulado “7 de abril de 1928”, totalmente narrado em primeira pessoa por um personagem de nome Benjy Compson. No primeiro parágrafo, Benjy está se escondendo atrás de uma cerca enquanto observa pessoas entretidas pelo estranho ritual de “bater” e “arrancar uma bandeira”. Benjy não sabe que os outros jogam golfe nem diz isso porque é autista. Ele sofre preconceito da própria família, algo que transparece em situações tragicômicas narradas por ele próprio. O Som e a Fúria é considerado um dos maiores romances do século XX.

No mês passado, o programa Comédia MTV exibiu um esquete chamado Casa dos Autistas. Em obséquio aos leitores deste artigo, acho importante dizer que fui um dos redatores do Comédia MTV durante todo o ano de 2010. Ainda naquele ano, Casa dos Autistas era discutido em reuniões de criação de roteiro. O esquete foi descartado incontáveis vezes – e, lembro-me bem, Marcelo Adnet, astro do programa, era terminantemente contra sua execução – porque não havia nele qualquer graça além do trocadilho do nome. Eu fui contra. Pelo que me lembro, todos eram contra – era apenas uma ideia boba que ninguém achou que poderia vingar.

Mas o quadro foi produzido e foi ao ar. Confesso que não consegui ver mais do que dois minutos. Os atores, interpretando jovens com autismo, gritam, babam, olham para as paredes, fazem caras e bocas estranhas. Tudo dolorosamente sem graça. Meus ex-colegas perceberam o erro e se desculparam publicamente.

A diferença entre O Som e a Fúria e Casa dos Autistas, a meu ver, é uma só: a compaixão. A sensibilidade de Faulkner, um estilista torturado, faltou ao redator que assina o texto final do esquete brasileiro. Quando não se sente compaixão pelo sofrimento alheio, quando o artista não tem a decência de se alinhar, ombro a ombro, com o sujeito de sua criação – quando isso acontece, não há esperança. E isso é especialmente importante para o humor.

Há um decoro que deve permear toda e qualquer comunicação de massa: não se bate em quem está caído. Não se bate em minorias, portadores de doenças, pessoas que sofrem. Por quê? Porque não se faz. Simplesmente, não se faz.

Não concordo com as mudanças impostas pelo “politicamente correto” à comunicação – censura sempre será censura. Mas insultar as pessoas não é se colocar contra o politicamente correto: é pura e simples grosseria, falta de civilidade. E nada melhor para insultar do que uma piada sem graça.

O caso do Comédia MTV recebeu, talvez, mais cobertura do que deveria devido à ascensão fulminante de Marcelo Adnet, um dos maiores talentos da televisão em muitos anos. Não foi, no entanto, a primeira vez que um humorista brasileiro da chamada “nova geração” – jovens que surgiram na internet ou nos palcos de stand-up e cujo mote costuma girar em torno da crítica social – virou vidraça. Dois nomes associados ao programa CQC, da Band, vêm à mente sempre que se pensa em humorista excessivamente polêmico: Rafinha Bastos e Danilo Gentili, dois franco-atiradores cujo lastro é uma popularidade acachapante no Twitter. Rafinha chegou a ser ungido, de forma um tanto quanto canhestra, a pessoa mais influente do mundo no Twitter. (Quem primeiro lhe rendeu esta honra foi um blog do jornal New York Times. Infelizmente, os jornalistas brasileiros não se preocuparam em verificar que a fonte do tal ranking é um website dinâmico e que, quando as reportagens foram publicadas, Rafinha sequer figurava no top 10 dos influentes).

Rafinha e Gentili afirmam se orgulhar de dizer o que pensam. Em entrevista recente, Rafinha faz questão de ressaltar que a falta de qualquer forma de freio entre sua mente criativa e a caixa de texto que publica seus tuítes é o segredo de seu sucesso.

Outro ponto invocado pelos jovens humoristas é dizer que os Trapalhões “estavam à frente de seu tempo” porque faziam piadas com nordestinos, gays e negros. No ano passado, entrevistei Renato Aragão. Ele me disse que recusa a pecha de “inovador” e que nada do que foi feito por eles era pensado. Renato diz que eles eram como “garotos de colégio” trocando ofensas com a intimidade de amigos. Renato chamava Mussum de crioulo cachaceiro e recebia de volta a alcunha de “cabeça chata”. Aquilo era engraçado, mas seria impossível hoje em dia. Renato sabe disso. Os Trapalhões faziam as piadas que estavam no ar, que eram feitas nas salas de estar dos brasileiros. As piadas funcionavam pela graça e ingenuidade dos atores. Fato é: o humor preconceituoso dos Trapalhões não só estava atrás de seu tempo como era um símbolo do atraso da sociedade brasileira.

Rafinha, um dos que afirma que os Trapalhões estava à frente de seu tempo, diz em seu stand-up que mulheres feias deveriam agradecer ao estuprador caso um dia sofram violência sexual. No dia das Mães, escreveu no Twitter: “Ae órfãos! Dia triste hj, hein?”. Foi caçado a pauladas como uma ratazana prenha, como escrevia Nelson Rodrigues. Seu colega de CQC, Danilo Gentili, escreveu no Twitter, dias depois, um comentário sobre a suposta retirada de uma estação do metrô do bairro paulistano de classe alta de Higienópolis: “Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez q chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”. Gentili apagou o tuíte algum tempo depois da publicação, supostamente devido à repercussão ruim.

Cito O Som e a Fúria no começo do artigo – como poderia ter citado Rain Man, South Park, Family Guy – para que se faça uma pequena reflexão sobre a diferença na forma como os humoristas contemporâneos lidam com assuntos delicados – não apenas estes citados no texto, mas praticamente todos eles. O que se faz no Brasil, em grande parte, é pastiche dos grandes provocadores americanos. Há, em algum lugar na mente deles a certeza de que tudo o que choca é engraçado e, se não engraçado, um importante agente pela atualização dos costumes da sociedade. Como se fazer piadas controversas fosse o único jeito garantido de romper com o status quo, como se estivessem apontando o dedo para a “ferida”.

Quando Gentili e Rafinha advogam em causa própria – ou quando são defendidos por colegas –, é muito comum usarem o argumento de que “se uma piada é engraçada, ela se justifica”. Essa discussão não existe. Em suma, porque ninguém é capaz de dizer se uma piada é engraçada ou não. A frase clássica do escritor americano E. B. White diz tudo: “Explicar uma piada é como dissecar um sapo. Você o entende melhor, mas o sapo morre no processo”. Há pouco mais de um mês, os quatro humoristas de maior sucesso da língua inglesa fizeram uma mesa redonda na TV só para tentar explicar o que é engraçado e por quê. Jerry Seinfeld, Ricky Gervais, Chris Rock e Louis C.K. passam os 40 minutos do programa Talking Funny discutindo e não chegam a conclusão alguma.

Outra linha de defesa é afirmar que se trata de humor “nonsense”. Quando o que você diz agride frontalmente alguém, não dá para dizer que se trata de algo “sem sentido”. Ao impor cegamente uma piada, os auto-intitulados humoristas progressistas acabam ficando à direita de Genghis Khan.

É a falta de compaixão – e o excesso de auto-confiança –, na minha opinião, que gera essas anomalias. A compaixão faz o humorista tomar o caminho mais longo para chegar ao comentário correto sobre um assunto atual. Nada é mais importante para manter a sanidade de qualquer discussão do que o humor crítico, incisivo, mordaz. A turma do Comédia MTV cometeu esse deslize, mas tenho certeza que sabem fazer humor levando em conta as suscetibilidades alheias. Mas sinto que ainda falta a Rafinha e Gentili mostrar que são humoristas viáveis. Só precisam se colocar na mesma altura que o resto de nós.
http://www.deficienteciente.com.br/



O perfeito imbecil politicamente incorreto

Cynara Menezes, em Carta Capital
Em 1996, três jornalistas – entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro – lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:
1. O “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios –os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.
2. O comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leiam-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.
3. O cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.



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