Dirceu e Genoino, condenados |
Impressionante o rigor punitivo da corte suprema neste caso. Nem os tribunais da ditadura condenaram Dirceu e Genoino, então ligados à resistência armada ao regime, a penas tão longas. Os ingênuos que acham que o STF está “lavando a alma” do povo brasileiro cansado de corrupção não vêem que este processo virou um julgamento político e – pior – da prática político-partidária. E, até agora, de um partido político.
E é bom
lembrar que, no passado, o mesmo STF que agora tem sangue nos olhos concedeu habeas corpus ao assassino da
irmã Dorothy Stang, condenado a 30 anos de prisão. Isso porque os ministros consideraram que os argumentos da acusação para manter preso o réu Regivaldo Pereira Galvão, vulto "Taradão", eram “capengas”. Em 2000 o ministro Marco Aurélio de Mello houve por bem conceder habeas corpus ao banqueiro Salvatore Cacciola, do falido Banco Marka, que em seguida fugiu para a Itália. O mesmo Gilmar que hoje posa de justiceiro não pestanejou para soltar o banqueiro Daniel Dantas em 2008, o que sepultou a Operação Satiagaha, da
PF. Mendes também soltou o médico estuprador Roger Abdelmassih, que fugiu para o
Líbano. Em nenhum dos casos o STF reteve o passaporte dos acusados, como fez agora.
O texto do
Paulo Moreira Leite sobre o tema é eloqüente:
Condenado sem domínio nem fato
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog
O futuro dirá o que
aconteceu no Supremo Tribunal Federal.
O primeiro cidadão
brasileiro condenado por corrupção ativa num processo de repercussão nacional
se chama José Dirceu de Oliveira.
Foi líder estudantil
em 1968, combateu a ditadura militar, teve um papel importante na organização
da campanha pelas diretas-já e foi um dos construtores do PT, partido que em
2010 conseguiu um terceiro mandato consecutivo para governar o país.
Pela decisão, irá
cumprir um sexto da pena em regime fechado, em cela de presos comuns.
O sigilo fiscal e
bancário de Dirceu foi quebrado várias vezes. Nada se encontrou de irregular,
nem de suspeito.
Ficará numa cela em
companhia de assaltantes, ladrões, traficantes de drogas.
Vamos raciocinar
como cidadãos. Ninguém pode fazer o que quer só porque tem uma boa biografia.
O jurista alemão Claus Roxin, criador da teoria do "domínio do fato" |
Para entender o que
aconteceu, vamos ouvir o que diz Claus Roxin, um dos criadores da teoria do
domínio do fato – aquela que foi empregada pelo STF para condenar Dirceu. A
Folha publicou, ontem, uma entrevista de Cristina Grillo e Denise Menchen com
Roxin.
“É possível usar a teoria para
fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato
de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que
ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse
fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um
subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição
hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O
mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do
direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori (Alberto
Fujimori, presidente do Peru, condenado por tortura e execução de presos
políticos ) por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os
sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições
severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na
Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o
clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que
isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião
pública.”
Acho que não é
preciso dizer muito mais, concorda?
Não há, no inquérito
da Polícia Federal, nenhuma prova contra Dirceu. Roberto Jefferson acusou
Dirceu na CPI, na entrevista para a Folha, na Comissão de Ética. Mas além de
dizer que era o chefe, que comandava tudo, o que mais ele contou? Nenhum fato.
Chato né?
Como disse Roxin,
não basta. A “pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem
também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem.”
Chegaram a dizer –
na base da conversa, do diz-que-diz — que Marcos Valério teria ajuda dele
para levantar a intervenção num banco e assim ganhar milhões de reais. Seria a
ordem? Falso. Valério foi 17 vezes ao Banco Central para tentar fazer o negócio
e voltou de mãos vazias. Era assim “controle” de que fala Claus
Roxin?
Também disseram que
Dirceu mandou Valério para Portugal para negociar a venda da Telemig com a
Portugal Telecom. Seria a “prova?”
O múltiplo Valério
estava a serviço de Daniel Dantas, que sequer tornou-se réu no inquérito 470.
Repito: o passado
não deve livrar a cara de ninguém. Todos tem deveres e obrigações com a lei,
que deve ser igual para todos.
Acho que o
procurador Roberto Gurgel tinha a obrigação de procurar provas e indícios
contra cada um dos réus e assim apresentar sua denúncia. É este o seu dever.
Acusar – as vezes exageradamente – para não descartar nenhuma possibilidade de
crime e de erro.
Mas o que se vê,
agora, é outra coisa.
A teoria do domínio
do fato foi invocada quando se viu que não era possível encontrar provas contra
determinados réus. Sem ela, o pessoal iria fazer a defesa na tribuna do Supremo
e correr para o abraço.
Com a noção de
domínio do fato, a situação se modificou. Abriu-se uma chance para a acusação
provar seu ponto.
O problema: cadê a
ordem de Dirceu? Quando ele a deu? Para quem?
Temos, uma denúncia
sem nome, sem horário, sem data. Pode?
Provou-se o que se
queria provar, desde o início. A tese de que os deputados foram comprados,
subornados, alugados, para dar maioria ao governo no Congresso.
É como se, em
Brasília, não houvesse acordo político, nem aliança – que sempre envolve
partidos diferentes e até opostos.
Nessa visão,
procura-se criminalizar a política, apresenta-la como atividade de quadrilhas e
de bandidos.
É inacreditável.
Temos os governos
mais populares da história e nossos ministros querem nos convencer de que tudo
não passou de um caso de corrupção.
Chegam a sugerir que
a suposta compra de votos representa um desvio na vontade do eleitor.
Precisam combinar
com os russos – isto é, os eleitores, que não param de dizer que aprovam o
governo.
Ninguém precisa se
fazer de bobo, aqui. Dirceu era o alvo político.
O resultado do
julgamento seria um com sua condenação. Seria outro, com sua absolvição.
Só não vale, no
futuro, dizer que essa decisão se baseou no clamor público. Este argumento é
ruim, lembra o mestre alemão, mas não se aplica no caso.
Tivemos um clamor
publicado, em editoriais e artigos de boa parte da imprensa. Mas o público
ignorou o espetáculo, solenemente.
Não tivemos nem
passeatinha na Praça dos 3 Poderes – e olhe que não faltaram ensaios e
sugestões, no início do julgamento…
Mesmo o esforço para
combinar as primeiras condenações com as eleições não trouxe maiores efeitos.
Em sua infinita e
muitas vezes incompreendida sabedoria, o eleitor aprendeu a separar uma coisa
da outra.
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