O jornalista Paulo Nogueira, ex-diretor
do Exame e da Época, foi na contramão dos articulistas da grande mídia e
defendeu o indiciamento de Policarpo Jr., diretor de Sucursal da Veja em Brasília,
pedido pelo relator da CPMI, Odair Cunha, pelas ligações suspeitas com
Carlinhos Cachoeira.
Por
que é certo indiciar Policarpo
Por
Paulo Nogueira, em seu blog
Quando jornalistas viram amigos
de suas fontes, o interesse público é sempre o maior perdedor
Antes de tudo: não acredito que o jornalista Policarpo
Júnior tenha tido, em suas relações com Carlinhos Cachoeira, a intenção de
obter nada além de furos.
Joseph Pulitzer |
Isto posto, do
ponto de vista estritamente jornalístico, Policarpo foi longe demais em sua
busca de notícias, como os fatos deixaram claro.
Policarpo
infringiu uma lei capital do bom jornalismo, enunciada há mais de um século por
um dos mais brilhantes jornalistas da história, Joseph Pulitzer: “Jornalista
não tem amigo”.
Pulitzer sabia
que a amizade acaba influenciando o discernimento do jornalista, e subtraindo
dele a capacidade de enxergar objetivamente sua fonte. É um preço muito alto
para o bom jornalismo.
Os telefonemas
trocados entre Cachoeira e Policarpo não mostram cumplicidade, no sentido
pejorativo de companheirismo em delinquências. Mas revelam uma intimidade
inaceitável no bom jornalismo, uma camaradagem que vai além dos limites do que
é razoável.
Tiremos o
excesso das palavras que têm varrido as discussões políticas, jurídicas e
ideológicas no Brasil. Somos, subitamente, a pátria dos “quadrilheiros”.
Policarpo está longe de se enquadrar, tecnicamente, nesta categoria, e disso
estou certo. Não vararia madrugada em redação se recebesse de Cachoeira mais
que dossiês.
Mas, por ter
se tornado tão próximo de Cachoeira, ele acabou se deixando usar por um grupo
no qual o interesse público era provavelmente a última coisa que importava.
Logo, havia um envenenamento, já na origem, nas informações que ele recebia e
publicava. Que Policarpo não se tenha dado conta do pântano em que pescava
denúncias não depõe a favor de sua capacidade de observar, mas miopia não é
crime.
Minha
convicção é que ele não terá dificuldades, perante a justiça tão louvada pela
mídia por sua atuação no Mensalão, em provar que fez apenas jornalismo com
Cachoeira – ainda que mau jornalismo.
Mas é
necessário que Policarpo enfrente o mesmo percurso de outros envolvidos neste
caso. Ele deve à sociedade, e ao jornalismo, explicações.
Teria sido
infame não arrolá-lo. Isso teria reforçado a ideia de que jornalista é uma
categoria à parte, acima do bem e do mal, acima da lei.
Não existe
nenhuma ameaça à ‘imprensa livre’, ‘imprensa independente’ ou ‘imprensa crítica’
quando jornalistas são instados a se explicar à justiça. Esta é uma espécie de
chantagem emocional e cínica que a grande mídia vem fazendo na defesa de sua
própria impunidade e intocabilidade. Todos sabemos quantos horrores e desatinos
editoriais são cometidos sob o escudo oportuno da ‘imprensa crítica’. Nos
países desenvolvidos, o quadro é outro.
Rebekah Brooks |
Nesta mesma
semana, a jornalista inglesa Rebekah Brooks, a até pouco atrás ‘Rainha dos
Tabloides’ e favorita de seu ex-patrão Rupert Murdoch, foi indiciada pela
justiça britânica sob a acusação de ter pagado propinas para policiais em troca
de furos para um dos jornais que dirigiu, o Sun.
Nem Murdoch,
com sua quase comovente devoção por Rebekah, cuja cabeleira rubra enfeitiça
muita gente, se atreveu a dizer que a "imprensa independente" estava
sendo agredida. Todos os jornais noticiaram o caso serenamente, com o merecido
destaque.
Empresas
jornalísticas não são instituições filantrópicas. Vivem dos lucros, e nisso
evidentemente não existe mal nenhum – desde que os limites legais e éticos
sejam respeitados. Em todas as circunstâncias, mesmo nas mais simples. Esta
semana, para ficar num pequeno grande caso, o comediante Paulo Gustavo afirmou
no twitter que a Veja fez uma reportagem com ele na qual o fotografou com uma
camiseta amarela em que estava estampado Che Guevara. Segundo ele, Che
foi retirado da foto.
Do ponto de
vista de ética jornalística, isso é admissível? Ou é uma pequena trapaça que
pode dar origem a grandes? Tudo isso exige debate.
O episódio
Policarpo é uma excelente oportunidade para que o Brasil discuta com
transparência, como está acontecendo na Inglaterra, quais são mesmo estes
limites, para o bem da sociedade e do interesse público.
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