Um livro aparentemente despretensioso do físico Thomas S. Kuhn revolucionou nossa percepção sobre as teorias científicas e popularizou o
conceito de “paradigma”
Teoria sobre revoluções científicas faz
50 anos
JOHN NAUGHTON
RESUMO Desenvolvida pelo físico Thomas
Kuhn no clássico "A Estrutura das Revoluções Científicas" (1962), a
teoria de paradigmas que são compartilhados pela comunidade científica até que
sejam superados tornou-se um lugar-comum em discussões intelectuais e
corporativas, mas permanece brilhante e atual.
Thomas S. Kuhn |
Há 50 anos, a editora da Universidade de
Chicago lançou um dos livros mais influentes do século 20: A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn. Para tirar
a prova, basta pensar se você já ouviu ou empregou a expressão "mudança de
paradigma", provavelmente a mais usada -e abusada- nas discussões
contemporâneas sobre mudança organizacional e progresso intelectual.
A sacada de Kuhn surgiu da compreensão
de que, se alguém deseja entender a ciência aristotélica, precisa conhecer a
tradição intelectual na qual Aristóteles trabalhava. Para ele, o termo
"movimento" queria dizer mudança em geral - não só a mudança de
posição de um corpo, hoje.
Essa percepção é o propulsor do livro de
Kuhn, que foi lançado em 1962, com 172 páginas. O autor se referia à edição
como "um simples rascunho". Sem dúvida preferiria ter escrito um
tijolo de 800 páginas. A legibilidade e a relativa brevidade do tal
"rascunho" foram cruciais para o seu sucesso.
A proposição central é que um estudo
cuidadoso da história da ciência revela que o desenvolvimento, em qualquer
campo científico, acontece em
fases. A primeira é a "ciência normal". Nessa fase,
uma comunidade de pesquisadores que compartilha uma estrutura intelectual -
"paradigma" ou "matriz disciplinar" - se envolve na solução
de enigmas gerados por discrepâncias (anomalias) entre o que o paradigma prevê
e o que a observação ou experimento revela.
Em geral, as anomalias são resolvidas
por alterações graduais de paradigma ou pela constatação de erros de observação
ou nos experimentos. Como define o filósofo Ian Hacking em seu prefácio para a
nova edição de "A Estrutura das Revoluções Científicas", "a
ciência normal não busca novidade, mas limpar o status quo. Tende a descobrir o
que espera descobrir".
O problema é que em períodos mais longos
as anomalias não resolvidas se acumulam e a situação força os cientistas a
questionar o paradigma. Quando isso acontece, a disciplina entra em crise,
caracterizada, nas palavras de Kuhn, por "uma proliferação de articulações
convincentes, a disposição de tentar qualquer coisa, a expressão de
descontentamento explícito, o recurso à filosofia e ao debate de preferência
aos fundamentos".
A crise é resolvida por uma mudança
revolucionária de visão do mundo, na qual o paradigma deficiente é substituído
por um novo. É a "mudança de paradigma" que se tornou clichê, e
depois que ela acontece o campo científico retorna à ciência normal, mas com
nova estrutura. E o ciclo recomeça.
O que mais incomodou os filósofos foi o
argumento segundo o qual paradigmas concorrentes são
"incomensuráveis", ou seja, não há modo objetivo de avaliar seus
méritos. Não há, por exemplo, como testar os méritos comparativos da mecânica
newtoniana (que se aplica a planetas e bolas de bilhar, mas não ao que acontece
dentro do átomo) e da mecânica quântica (que trata do nível subatômico).
Mas, se os paradigmas rivais forem de
fato incomensuráveis, isso não implicaria que as revoluções científicas, ao
menos em parte, tivessem bases irracionais?
A grande ideia de Kuhn – a de um
"paradigma" como estrutura intelectual que torna a pesquisa possível –
ganhou vida própria. Charlatães, marqueteiros e administradores de empresas a
usam para convencer seus clientes da necessidade de mudanças em sua visão de
mundo. E cientistas sociais viram uma rota para a respeitabilidade e as verbas
de pesquisa, o que por sua vez resultou na emergência de paradigmas patológicos
em áreas como a economia.
Albert Einstein criou um novo paradigma para a Física |
A ideia mais intrigante, porém, é a de
usar o pensamento de Kuhn para interpretar sua realização. Discreto, ele causou
uma revolução conceitual mudar nossa compreensão da ciência. Mas as anomalias
já começam a se acumular. Kuhn acreditava que a ciência girasse em torno de
teorias, mas uma vanguarda cada vez mais forte usa pesquisas baseadas não em
teorias, mas em dados.
E, embora a física fosse
indubitavelmente a rainha das ciências, quando o livro de Kuhn foi escrito,
esse papel agora é da genética molecular e da biotecnologia. Será que sua
análise se aplica a essas novas áreas? Se não, será o momento de uma mudança de
paradigma?
A ideia de Kuhn ganhou vida própria. Charlatães e marqueteiros a usam
para convencer seus clientes da necessidade de mudanças em sua visão de mundo
Tradução: Paulo Migliacci
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