Morreu aos 85
anos um dos últimos representantes do clero católico liberal, o cardeal
italiano Carlo Maria Martini, ex-arcebispo de Milão. Embora fosse da Companhia
de Jesus, ordem que nunca teve um papa, Martini era um dos papabili do último Conclave, que elegeu o atual pontífice em 2004.
Dizem que Martini, que liderava os poucos cardeais progressistas, teria feito
um acordo para apoiar a eleição de Joseph Ratzinger em troca da promessa de
reformas na Igreja. Deve ter se arrependido amargamente...
Defensor do ecumenismo
e do diálogo entre católicos e não-crentes, inclusive ateus, Martini protagonizou
um famoso debate epistolar com Umberto
Eco, depois transformado em livro (Em que
crêem os que não crêem?). Ele também defendeu posições polêmicas dentro de
uma Igreja cada vez mais retrógada, como o diálogo com os divorciados, a interrupção
das terapias em doenças
terminais quando prolongam artificialmente a vida, a flexibilização da Igreja
em questões como o celibato dos padres e a ordenação de mulheres. Martini também
fez críticas à encíclica Humanae e Vitae,
do papa Paulo VI – que rejeita a contracepção artificial – e à posição pífia do
Vaticano em relação aos casos de pedofilia em todo o mundo.
Martini foi um dos últimos
representantes de uma linhagem de clérigos católicos compassivos e antenados às
mazelas do capitalismo, como João XXIII, D. Oscar Romero. D. Hélder Câmara e D.
Paulo Evaristo Arns.
Abaixo, trechos de suas últimas
entrevistas:
“A Igreja
atrasou-se duzentos anos. Porque não se mexe? Temos medo? Medo em vez de
coragem? Mas a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem."
“A Igreja está cansada, na Europa do
bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são
grandes, as nossas casas religiosas estão vazias e a burocracia da Igreja
aumenta, os nossos ritos religiosos e as vestes que usamos são pomposos. Mas
será que tudo isto exprime aquilo que somos hoje?"
“A Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve
percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Os
escândalos da pedofilia levam-nos a começar um caminho de conversão. As
questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas relacionados com o corpo
são um exemplo desse caminho de conversão. Elas são importantes para cada um e
por vezes são também mesmo muito importantes. Devemos perguntar-nos se as
pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria de sexualidade. Neste
campo, a Igreja é ainda uma autoridade de referência ou apenas uma caricatura
nos meios de comunicação?”
“Os sacramentos não são um instrumento ao serviço da
disciplina, mas sim uma ajuda aos seres humanos nas etapas do seu caminho e nas
fraquezas da vida. Estaremos levando os sacramentos àqueles que precisam renovar
suas forças? Penso em todos os divorciados e nos casais que são fruto de um
segundo casamento, nas famílias reconstituídas. Estas têm necessidade de uma
proteção especial. A Igreja defende a indissolubilidade do matrimônio. [...] A
atitude que temos para com as famílias reconstituídas determina a aproximação
da Igreja em relação aos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontra
um novo companheiro que se ocupa dela e dos seus filhos. [...] Se esta família
é discriminada, são marginalizados a mãe e os filhos. E se os pais se sentem
fora da Igreja, ela perde a geração futura”.
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