O ornitorrinco, um mamífero ovíparo. |
O Brasil está deixando para trás uma
oportunidade histórica de fazer uma reforma política decente, que acabe principalmente
com o financiamento privado das campanhas políticas. Os escândalos recentes – e
não apenas o mensalão – mostram que essa reforma é uma necessidade premente. Aliás,
é interessante notar que, neste ano, em função da CPI do Cachoeira e do julgamento
do mensalão, as empresas estão evitando doar grandes quantias a candidatos e
partidos e, em conseqüência, as campanhas estão mais pobres. Ficou provado é
possível baratear o custo das eleições.
Abaixo, um texto do Nassif sobre a
necessidade de se rever práticas políticas nefastas adotadas em nome da
estabilidade política do nosso “presidencialismo de coalizão” - expressão que lembra a metáfora do Chico de Oliveira, comparando o Brasil ao Ornitorrinco - um bicho estranho, mamífero que bota ovo, um intermediário primitivo entre o mamífero e a ave na escala da evolução, um animal que não parece uma coisa nem outra.
As lições não aprendidas do mensalão
Por Luís Nassif
[...]
Tanto no mensalão como na votação da
emenda da reeleição, o objetivo era a cooptação de parlamentares. Apenas os
métodos foram diferentes.
No período FHC, a cooptação se deu
através das emendas parlamentares, prática inaugurada no seu governo.
Cada emenda envolve três tipos de
interesse: do parlamentar que a propôs, da empresa que será beneficiada com ela
e do governo federal, a quem cabe a sua liberação.
Havia, então, uma triangulação.
1. Os operadores do governo acertavam com
os governadores o apoio da sua bancada.
2. Em seguida, liberavam a emenda.
3. O dinheiro chegava na ponta e o
governador (e a empreiteira) fazia o acerto com seus deputados.
Esse mesmo modelo foi aplicado para
derrotar o ex-presidente Itamar Franco na convenção do PMDB que pretendia lançá-lo
como candidato à presidência da República. A operação foi articulada pelo então
Ministro dos Transportes de FHC, Eliseu Padilha.
***
O chamado “mensalão” foi fruto do amadorismo
inicial do PT.
FHC havia consagrado uma tecnologia de
governabilidade apoiando o PSDB em um grande partido, o PFL, O PT decidiu
fortalecer pequenos partidos. E o pacto passava por bancar os custos de
campanha dos parlamentares. Deu no que deu.
Depois do escândalo, o PT fechou apoio
do PMDB, aproximou-se do candidato a partido grande, o PSB, e passou a se
valer da metodologia das emendas parlamentares, tal e qual o governo FHC.
***
Agora se tem os dois principais partidos
do país – PT e PSDB – recorrendo a métodos de cooptação que precisam ser
revistos. Esse mesmo modelo é aplicado em Brasília e em São Paulo.
***
Durante algum tempo justificou-se esse
modelo. O país iniciava o aprendizado democrático e a questão da
governabilidade era relevante, especialmente depois de um governo (José Sarney)
que andou toda sua gestão na corda bamba e outro (Fernando Collor) que perdeu o
mandato.
***
Mas já é hora de se aprimorar a
democracia brasileira. Ao tentar tirar casquinha da situação, FHC não colabora
para esse aprimoramento. Nem Lula, ao minimizar o episódio.
Há um modelo imperfeito, que torna os
governos reféns e, ao mesmo tempo, cooptadores de partidos políticos, assim
como os parlamentares reféns dos financiadores de campanha.
O episódio será positivo se ajudar a
deflagrar uma ampla discussão sobre o modelo político, a formação de partidos,
o financiamento privado de campanha, a questão das emendas parlamentares.
Se usado oportunisticamente, o país não terá nada a ganhar com o
episódio.
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