Santiago Carrillo, tendo ao fundo a foto da Pasionaria |
Santiago Carrillo, que morreu
no último dia 18 aos 97 anos, pertencia a uma estirpe de políticos em extinção. Comunista
histórico desde a Guerra Civil (1936-1939), ele foi um típico stalinista,
suspeito inclusive de ter responsabilidade nos massacres de Paracuellos (1936),
em que milhares de prisioneiros foram assassinados por forças comunistas. Com a
derrota dos republicanos e a vitória dos fascistas de Francisco Franco na
guerra civil, Carrillo foi para o exílio, onde ficaria 38 anos entre Paris e
Moscou. Neste período, ele viria várias vezes clandestinamente para a Espanha.
Carrilo (centro) entre Berlinguer (esq.) e Marchais |
Virou líder do Partido
Comunista Espanhol em 1960, substituindo a lendária Pasionária (Dolores
Ibarrurí). Em 1964, Carrillo expulsou do partido Jorge Semprún e Fernando
Claudín, “revisionistas” defensores uma transição pacífica que, anos mais
tarde, o próprio Carrillo abraçaria. O stalinista convicto começaria a mudar a
partir da invasão da Tchecoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, em
1968. Na década seguinte, junto com os líderes dos Partidos Comunistas da
Itália (Enrico Berlinguer) e França (Georges Marchais), lançaria o
Eurocomunismo, um movimento que afirmava a independência dos PCs em relação a
Moscou e o compromisso destes com a democracia como “valor universal”, rompendo
com o marxismo-leninismo soviético, que defendia a “democracia burguesa” apenas
como tática para se atingir o poder.
No Parlamento, como deputado pelo PCE |
O zênite de Carrillo foi a
transição espanhola para a democracia. Foi quando ele se revelou um estadista.
Carrillo não apenas participou das negociações do processo de democratização
levado à cabo por Adolfo Suárez como reconheceu a autoridade do rei Juan Carlos
– embora o PCE sempre tenha sido republicano – para levar a bom termo a
transição. Demonstrou coragem pessoal quando militares franquistas tentaram dar
um golpe invadindo as Cortes (Parlamento) em fevereiro de 1981. Carrillo foi um
dos três deputados que se recusaram a obedecer as ordens do coronel Tejera
Molino de se abaixar; ele ficou sentado fumando calmamente enquanto o militar
esbravejava com uma pistola na mão. Acabou, ele mesmo, vítima de um expurgo e
foi expulso do PCE em 1985.
Na tentativa de golpe, Carrillo (dir.) e Adolfo Suárez permanecem sentados |
Para uns, Carrillo foi a
síntese da grandeza e dos erros da Espanha e da esquerda no século XX. Nas palavras de Carlos
Alonso Zaldívar, em relação do partido, ele quis ser “o papa e Martin Lutero ao
mesmo tempo”. Mas Carrillo foi, sobretudo, um dos “pais fundadores” da
democracia espanhola – ao lado de Adolfo Suárez e Felipe González, entre
outros. O que veio depois é desolador. “A geração de políticos posterior à transição encontrou um mundo mais
cômodo e acreditou que a política era um assunto de dinheiro e publicidade. Na
realidade, nestes tempos na Europa e Estados Unidos se produziu uma tempestade
conservadora que desregulou o mundo financeiro. Enquanto isso, na Espanha, os
novos políticos se dedicavam a buscar senhas de identidade para legitimar-se à
margem de seus predecessores. Quando veio a especulação imobiliária, todos só
viram dinheiro e dinheiro. Até que começaram a cair raios e relâmpagos. Então,
descobrimos que não tínhamos mais refúgio. [...] Onde procurar? Se se trata de encontrar a saída, temos que olhar para
trás”, escreveu Carlos Alonso Zaldívar no El País.
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