Carlos Lacerda, a "mãe de todas as vivandeiras" |
Derrotados em sucessivas
eleições entre 1946 e 1964, vários líderes conservadores, notoriamente da UDN,
tinham o vezo de bater à porta dos quartéis na tentativa de virar o jogo.
Alegavam que as Forças Armadas, “reserva moral” da nação, era a única
instituição capaz de deter corrupção, o populismo e o comunismo. Foi assim em
1951, quando tentaram impedir a posse de Vargas; em 1954, ao alimentar uma
grave crise que levaria ao suicídio do presidente; em 1955, na tentativa de
impedir a posse de JK; e em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, nas
manobras para barrar a posse do presidente constitucional, João Goulart.
Tiveram êxito em 1964, quando os generais atenderam ao “clamor popular” e
depuseram Jango, instalando uma ditadura militar. Mas aí eles quebraram a cara,
pois imaginavam que os milicos fariam o serviço sujo e lhes entregariam o poder
de bandeja. O próprio marechal Castello Branco, o primeiro “general-presidente”,
fartamente cevado pelos golpistas, tinha deles uma opinião pouco lisonjeira: “Eu os identifico a todos. E são muitos
deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos
bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar.”
Essa
prática golpista – fruto de uma democracia ainda imatura – desapareceu com a
experiência da ditadura; não reapareceu com a redemocratização devido ao
paulatino enfraquecimento do poder militar. O “vivanderismo”, contudo, persiste
em países com regimes democráticos poucos consolidados. Recentemente, na Venezuela,
os líderes da oposição cogitaram de apelar para as Forças Armadas no sentido de
que interferissem no cronograma de posse de Chávez, ameaçando transferir para a
caserna uma decisão que, numa democracia, deveria ser decidida unicamente na
arena política. Hoje assistimos no Brasil o renascimento do “vivandeirismo”, mas só que agora, em vez de bater
nos quartéis, os conservadores recorrem ao Poder Judiciário. Como o Parlamento
vem se mostrando pouco propício a legislar eficazmente e a fazer reformas
clamadas por amplos setores da sociedade, os magistrados tomam a si a tarefa de
fazer as leis, instados muitas vezes pelos próprios parlamentares. Essa é a
brecha que os neoudenistas vêm se aproveitando para tentar reverter resultados políticos
e até eleitorais desfavoráveis. É o que sociólogos chamam de “judicialização da
política”, o que acaba resultando numa “politização do Judiciário” – com o
perdão do trocadilho. Trata-se de um caminho minado para a democracia. Como
mostrou o julgamento da Ação Penal 470 – o chamado “mensalão” –, um Judiciário tomado
de “ira cívica” chegou a ponto de condenar a busca de apoios e coalizões – algo
que é a essência da política.
Ou
os políticos resgatam a política e chamam a si a responsabilidade de dirimir
conflitos de interesses ou o Poder Judiciário acabará fazendo as vezes do
Parlamento, ameaçando a soberania popular, base da democracia.
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