Numa reportagem especial no ano passado, o jornal francês Le Monde disse que o Brasil apresentava uma imagem enganadora de uma sociedade tão miscigenada que a cor da pele das pessoas não tinha nenhuma importância. O jornal ironiza essa imagem autoindulgente das nossas elites - seria melhor dizer, da nossa direita -, tão a gosto de Ali Kamel e de outros propagadores do mito da “democracia racial”. Parece que o Brasil se esqueceu que “foi a nação mais escravagista da América”, alfinetava a reportagem, e que “as discriminações contra os negros - escola, universidade, trabalho – ainda são tamanha hoje em dia que o país adotou cotas.” OK, a França não é lá nenhum exemplo de democracia racial – longe disso –, mas isso não tira a razão do Le Monde. Dois fatos ocorridos nos últimos dias – a ordem de um capitão da PM de Campinas para a abordagem de jovens negros e pardos e a discriminação de uma criança negra numa loca de carros no Rio - reforçam a ideia de que, apesar de todos os avanços dos anos recentes, o racismo continua incrustado em vastos setores da sociedade e do Estado. Não, não somos racistas...
PM dá ordem para
abordar “negros e pardos”
Do Diário de S. Paulo
Instrução de comandante do batalhão se baseou na
descrição de vítima de assalto em bairro luxuoso
Thaís Nunes
Desde o dia 21 de dezembro do ano passado, policiais
militares do bairro Taquaral, um dos mais nobres de Campinas, cumprem a ordem
de abordar “indivíduos em atitude suspeita, em especial os de cor parda e
negra”. A orientação foi dada pelo oficial que chefia a companhia responsável
pela região, mas o Comando da PM nega teor racista na determinação.
O documento assinado pelo capitão Ubiratan de Carvalho
Góes Beneducci orienta a tropa a agir com rigor, caso se depare com jovens de 18 a 25 anos, que estejam em
grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura. Essas seriam as
características de um suposto grupo que comete assaltos a residências no
bairro.
A ordem do oficial foi motivada por uma carta de dois
moradores. Um deles foi vítima de um roubo e descreveu os criminosos dessa
maneira. Nenhum deles, entretanto, foi identificado pela Polícia Militar para
que as abordagens fossem direcionadas nesse sentido.
Para o frei Galvão, da Educafro, a ordem de serviço dá
a entender que, caso os policiais cruzem com um grupo de brancos, não há
perigo. Na manhã de hoje, ele pretende enviar um pedido de explicações ao
governador Geraldo Alckmin e ao secretário da Segurança Pública, Fernando
Grella.
O DIÁRIO solicitou entrevista com o capitão Beneducci,
sem sucesso. A reportagem também pediu outro ofício semelhante, em que o
alvo das abordagens fosse um grupo de jovens brancos, mas não obteve resposta
até o fim desta edição.
Confira a íntegra da nota de esclarecimento enviada
pelo Comando da Polícia Militar:
A Polícia Militar lamenta que um grupo historicamente
discriminado pela sociedade, que são os negros, seja usado para fazer
sensacionalismo.
O caso concreto trata de ordem escrita de uma
autoridade policial militar, atendendo aos pedidos da comunidade local, no
sentido de reforçar o policiamento com vistas a um grupo de criminosos, com
características específicas, que por acaso era formado por negros e pardos. A
ordem é clara quanto à referência a esse grupo: “focando abordagens a
transeuntes e em veículos em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor
parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos, os quais sempre estão em grupo de
3 a 5
indivíduos na prática de roubo a residência naquela localidade”.
A ordem descreve ainda os locais (quatro ruas) e horário em que os crimes ocorrem. Logo, não há o que se falar em discriminação ou em atitude racista, tendo o capitão responsável emitido a ordem com base em indicadores concretos e reais. Discriminação e racismo é o fato de explorar essa situação de maneira irresponsável e fora de contextualização.
A ordem descreve ainda os locais (quatro ruas) e horário em que os crimes ocorrem. Logo, não há o que se falar em discriminação ou em atitude racista, tendo o capitão responsável emitido a ordem com base em indicadores concretos e reais. Discriminação e racismo é o fato de explorar essa situação de maneira irresponsável e fora de contextualização.
O “mal-entendido” em uma concessionária BMW
Do G1
Casal
acusa concessionária BMW de racismo conra filho de 7 anos no Rio
Representante da loja se desculpou e disse ter sido um
'mal-entendido'. “Aqui não é lugar para você. Saia”, teria dito gerente a
criança, que é negra.
Uma ida à concessionária da BMW Autokraft, na Barra da
Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na tarde de sábado (12), deixou o
casal Ronald Munk e Priscilla Celeste indignado. Pais de cinco filhos, foram à
loja acompanhados do caçula, de 7 anos, que é negro e adotado, em busca de um
automóvel novo para família. Enquanto conversavam com o gerente de vendas sobre
os carros, dizem ter sido surpreendidos com uma atitude preconceituosa do
funcionário quando a criança se aproximou dos três. O BMW Group enviou uma nota
ao G1 em que pede desculpas ao casal.
O casal contou como foi a conversa do gerente. “Ele
disse: ‘Você não pode ficar aqui dentro. Aqui não é lugar para você. Saia da
loja. Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes’”, contou a professora
Priscilla, lembrando que o gerente não havia se dado conta de que o menino era
filho do casal.
“Imediatamente peguei meu filho pela mão e saí da
loja. Somos clientes da concessionária há anos. Inclusive temos um vendedor que
sempre nos atende. Esperamos dias por uma retratação, não tomamos nenhuma
atitude imediata e não acionamos a polícia para preservar nosso filho”,
acrescentou.
Ronald, que é consultor, conta que não é a primeira
vez que acontece esse tipo de situação com seu filho, e que indagou o gerente
sobre a sua atitude.
“Cheguei a perguntar o motivo daquela reação. Quando
eu afirmei que aquela criança negra era o nosso filho, ele ficou completamente
sem ação, gaguejou e pediu desculpas. Sem entender nada, nosso filho chegou a
questionar por que não aceitavam crianças naquela loja já que havia uma
televisão passando desenhos animados”, diz o consultor.
Na nota da assessoria de imprensa, encaminhada nesta
quarta-feira (23) ao G1, o BMW Group informou que tomou conhecimento do fato em
e-mail enviado por Ronald e Priscilla, em janeiro deste ano. Veja a íntegra da
nota abaixo:
Nota da empresa
"O BMW Group gostaria de esclarecer que tomou
conhecimento dos fatos relatados na matéria abaixo, através do e-mail enviado
em 16/01/2013
pelos Senhores Ronald e Priscilla Munk e prontamente solicitou esclarecimentos
à concessionária Autokraft através de uma notificação entregue na mesma data.
O BMW Group informa ainda que nenhum funcionário seu
esteve presente na data do acontecimento narrado, não podendo dessa forma
atestar a veracidade dos fatos relatados por parte dos clientes, tão pouco da
concessionária.
Confirmamos que o BMW Group, apesar de não ter
conhecimento dos fatos, em respeito aos seus clientes, enviou mensagem aos
mesmos, desculpando-se pelo ocorrido e explicando a sua relação jurídica e
comercial com a concessionária, a qual é regida pela lei nº 6729/79, que proíbe
o BMW Group de adotar qualquer postura que influencie a gestão administrativa
da concessionária e desautoriza a empresa a intervir ou influenciar nas
atividades diárias de seus concessionários."
Retratação da BMW
Ronald e Priscilla aguardaram quatro dias por uma
retratação da concessionária. Segundo eles, a pretensão não era acionar a
Justiça, e sim não deixar que esse fato acontecesse novamente e com outras
pessoas. Decidiram, então, enviar um e-mail para a BMW Brasil relatando o
ocorrido.
A reposta veio rapidamente através do gerente regional
de vendas. No e-mail, a empresa diz lamentar o fato ocorrido, pede desculpas
pela situação e enfatiza que o compromisso da BMW é prestar um atendimento com
excelência.
O casal agradeceu a resposta, sobretudo por reconhecer
que o fato realmente ocorreu nas dependências da loja, mas não achou que
somente isso era suficiente. Os pais exigiram então uma reposta sobre quais
medidas seriam tomadas em relação ao funcionário e como a empresa agiria para
que esse fato não acontecesse nunca mais.
Sete dias após o incidente dentro da loja, um novo
e-mail com o assunto “desculpas” foi enviado ao casal, desta vez por um
representante da Autokraft. Nele, a empresa se diz ciente do ocorrido e afirma
que o gerente da loja “entendeu que o casal não estava acompanhado por qualquer
pessoa, incluindo a criança. E já que ela estava absolutamente desacompanhada
na loja, o funcionário teria alertado o garoto que ele não poderia ali
permanecer e que tudo não passou de um mal-entendido”. O correio é finalizado
com a seguinte mensagem: “Tenho imenso prazer em tê-lo sempre como cliente
amigo”.
‘Mal-entendido’
O termo “mal-entendido” provocou especial indignação
em Priscilla e Ronald, que criaram, no último domingo (20), a página no
Facebook “Preconceito racial não é mal-entendido”. A intenção, segundo eles, é
reunir histórias de preconceito e alertar as pessoas para que não aceitem
desculpas e explicações descabidas. A página teve 1,2 mil acessos, segundo ela,
em três dias. Até o fim da noite de quarta, 230 pessoas haviam “curtido”.
“Compartilhamos a página só com amigos. Agora já tem
um monte de gente contando histórias muito parecidas com a nossa. Preconceito
racial é crime. As pessoas têm que tomar conhecimento disso e não se calarem”,
concluiu Priscilla.
Nenhum comentário:
Postar um comentário