Análise do professor José Luís Fiori publicado no blog Outras Palavras
sobre as origens, desenvolvimento e desaparecimento dos “milagres econômicos”
que embalaram sonhos do Terceiro Mundo até os anos 1980.
Os “milagres econômicos” da Guerra Fria
Por que Washington “convidou”
Alemanha, Japão, Coreia e Brasil a se desenvolverem. Como estratégia pode ser
retomada, agora contra China
Por José Luís Fiori (*)
O presidente Richard Nixon indica ao ditador Garrastazu Médici o lugar do Brasil no concerto das nações |
Salvo engano, foi o jornal The Times que falou pela primeira vez – em 1950 –
de “milagres econômicos”, referindo-se a países com prolongados períodos de
altas taxas de crescimento econômico sustentado. Depois, essa expressão foi
utilizada para caracterizar o crescimento da Alemanha, Itália, Japão, Coreia e
Brasil, entre as décadas de 50 e 80, período áureo da Guerra Fria. Entre 1950 e
1973, o produto nacional da República Federal Alemã cresceu a uma taxa média
anual de 5,05%; no mesmo período, a Itália cresceu 5,68%; o Japão, 9,29%; e a
Coreia do Sul, 9,85%. No Brasil, as taxas foram mais altas e descontínuas, com
uma média de 8%, entre 1955 e 1960, 11%, entre 67 e 73, e 6,4% entre 74 e 80,
mas com uma queda significativa no período 61/67. Assim mesmo, depois de 1980, a taxa de crescimento
de todos estes países caiu de forma desigual, mas permanente.
Agora
bem, a despeito de suas grandes diferenças históricas e políticas, Alemanha,
Japão, Itália e Coreia foram derrotados e destruídos – na II Guerra Mundial ou
na Guerra da Coreia – e depois foram ocupados e transformados em “protetorados
militares” dos EUA. Logo depois da guerra, a ideia americana era desmontar as
antigas estruturas econômicas destes países. Mas depois do começo da Guerra
Fria e do fim da Guerra da Coreia, este projeto inicial foi substituído por uma
política diametralmente oposta de estimulo ao crescimento econômico, com forte
participação dos governos locais, e dos próprios agentes econômicos e
instituições privadas do pré-guerra. Por isto, pode-se dizer com toda certeza
que a lógica da Guerra Fria pesou decisivamente na origem dos “milagres
econômicos”, e na transformação posterior daqueles países em peças centrais da
engrenagem econômica do poder global dos Estados Unidos, pelo menos até a
década de 70.
No
caso do Brasil – que foi aliado dos EUA na II Guerra – o caminho foi diferente,
mas também se pode falar de um “convite” que foi aceito depois do Acordo
Militar Brasil-EUA, de 1952 e que transformou o Brasil no pivô central da
estratégia desenvolvimentista norte-americana para a América Sul. A nova
política foi experimentada primeiro com o governo JK – inteiramente alinhado
com os EUA e com o colonialismo europeu – e só depois, a partir de 1964, sob
comando direto do regime militar.
Depois
de quase três décadas de “milagre econômico”, entretanto, este processo foi
interrompido pela “crise americana” da década de 70, e pela nova mudança da
política internacional dos EUA. Tudo começou com a reaproximação da China, no
início da década de 70, que levou à derrota/saída americana do Vietnã, e ao
redesenho do equilíbrio do poder, no sudeste asiático. Foi neste mesmo contexto
que os EUA decidiram abandonar Bretton Woods, liberando sua moeda e iniciando a
desregulação do seu mercado financeiro, com a lenta construção de um novo
sistema monetário internacional, baseado no dólar, mas sem base metálica. A
nova estratégia permitiu o cerco e desconstrução final da União Soviética e o
fim da Guerra Fria. Mas ao mesmo tempo ela desativou ou esvaziou o papel
econômico que fora ocupado pela Alemanha e pelo Japão, e secundariamente, pelo
Brasil, durante as primeiras décadas da Guerra Fria.
O
crescimento econômico médio anual da Alemanha caiu para 2,1%, entre 1973 e
1990; o do Japão, para 2,97%; o da Itália, para 1,76; o da Coreia, para 6,77;
enquanto o Brasil entrava num longo período de estagnação. No mesmo tempo em
que a China se transformou no novo “milagre econômico” do sistema capitalista
mundial, enquanto a Alemanha e o Japão seguiam na sua condição de gigantes
industriais e tecnológicos, mas com “pés de barro”: ainda na condição de
protetorados militares dos EUA e sem dispor de recursos naturais essenciais,
além de serem igualmente dependentes do ponto de vista alimentar e energético.
Assim
mesmo, no início da segunda década do século XXI, pode ser que o Japão e a
Alemanha venham a ser resgatados uma vez mais, como caminho de saída da crise,
para os EUA, e como instrumentos da nova doutrina Obama, que se propõe fazer –
desta vez – o cerco econômico e militar da China. O Japão e a Coreia estão
sendo pressionados para participar da Trans-Pacific Partenership (TPP), que é
hoje a pedra angular da política comercial de Obama, e que se propõe reunir dos
dois lados do Pacífico, numa grande zona de livre comércio.
Ao
mesmo tempo em que a Alemanha vem sendo estimulada a liderar um grande pacto
comercial transatlântico, entre a UE e os EUA, e há quem proponha que o Brasil
se junte à “aliança do pacífico”. Neste novo xadrez, entretanto, o Brasil é
muito menos desenvolvido que a Alemanha e o Japão; mas dispõe de recursos
naturais e é auto-suficiente, do ponto de vista alimentar e energético. Por
isto, talvez, só o Brasil tenha hoje condições reais de escolher um caminho que
lhe dê maior grau de autonomia estratégica, e maior capacidade de projetar seus
interesses e sua influencia, numa escala global.
(*) Professor titular de Economia Política Internacional
da UFRJ, é Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ.
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