Três grandes jornalistas – Paulo Nogueira, da Época,
Janio de Freitas, da Folha de S. Paulo, e Leandro Fortes, da Carta Capital – se
insurgem contra o coro dos contentes e escrevem contra o fato de a grande mídia
nacional publicar as denúncias de um meliante – Marcos Valério – como se fossem
verdades absolutas que não precisassem ser provadas. O objetivo é desmoralizar
Lula, a quem não conseguem vencer nas urnas, e desqualificar o projeto de governo
do PT. Já vimos esse filme.
Sobre o
retorno de Marcos Valério
Paulo
Nogueira, em seu blog
E lá vem ele de novo, Marcos Valério.
Pobre leitor.
Mais uma vez, o que é apresentado – a título de “revelações”
– é um blablablá conspiratório e repetitivo em que não existe uma única e
escassa evidência.
Tudo se resume às palavras de Marcos Valério.
Jornalisticamente, isso é suficiente para você publicar acusações graves?
Lula já não é apenas o maior corrupto da história da
humanidade. Está também, de alguma forma, envolvido num assassinato. Chamemos
Hercule Poirot.
Se você pode publicar acusações graves sem provas, a
maior vítima é a sociedade. Não se trata de proteger alguém especificamente.
Mas sim de oferecer proteção à sociedade como um todo.
Imagine, apenas por hipótese, que Marcos Valério, ou
quem for, acusasse você, leitor. Sem provas. Numa sociedade avançada, você está
defendido pela legislação. A palavra de Valério, ou de quem for, vale exatamente
o que palavras valem, nada – a não ser que haja provas.
Já falei algumas vezes de um caso que demonstra isso
brilhantemente. Paulo Francis acusou diretores da Petrobras de corrupção. Como
as acusações – não “revelações” – foram feitas em solo americano, no programa
Manhattan Connection, a Petrobras pôde processar Francis nos Estados Unidos.
No Brasil, o processo daria em nada, evidentemente.
Mas nos Estados Unidos a justiça pediu a Francis provas. Ele tinha apenas
palavras. Não era suficiente. Francis teria morrido do pavor de ser condenado a
pagar uma indenização que o quebraria financeira e moralmente.
Os amigos de Francis ficaram com raiva da Petrobras.
Mas evidentemente Francis foi vítima de si mesmo e de seu jornalismo
inconsequente.
Por que nos Estados Unidos você tem que apresentar
provas quando faz acusações graves, e no Brasil bastam palavras?
Por uma razão simples: a justiça brasileira é atrasada
e facilmente influenciável pela mídia. Se Francis fosse processado no Brasil,
haveria uma série interminável de artigos dizendo que a liberdade de imprensa
estava em jogo e outras pataquadas do gênero.
Nos Estados Unidos, simplesmente pediram provas a
Paulo Francis.
O que existe hoje no Brasil é um sistema que incentiva
a leviandade, o sensacionalismo e a tendenciosidade na divulgação e no uso de
‘informações’.
A vítima maior é a sociedade, que se desinforma e pode
ser facilmente manipulada. O problema só não é maior porque a internet acabou
se transformando num contrapeso e num fiscal informal da grande mídia.
Um episódio recente conta muito: foi amplamente
noticiado que teriam sido interceptadas 122 ligações ‘comprometedoras’ entre
Lula e Rose. No calor, o jornalista Ricardo Setti publicou em seu blog na Veja
até uma fotomontagem em que
Lula aparecia festivamente entre Rose e Mariza. (Depois,
apanhado em erro, pediu triunfalmente desculpas, num tom de quem parecia
desejar mandar às favas os fatos.)
Bem, as tais 122 ligações foram cabalmente
desmentidas. A procuradora Suzana Fairbanks afirmou a jornalistas: “Conversa
dela [Rose] com o Lula não existe. Nem conversa, nem áudio e nem e-mail. Não
sei de onde saiu isso. Vocês podem virar de ponta cabeça o inquérito”.
Tudo bem publicar, antes, as ‘122 ligações’ sem
evidências? Faça isso nos Estados Unidos, e você saberá, na prática, o tormento
pelo qual passou Francis.
Uma justiça mais moderna forçaria, no Brasil, a
imprensa a ser mais responsável na publicação de escândalos atrás dos quais
muitas vezes a razão primária é a necessidade de vender mais e repercutir mais.
Provas são fundamentais em acusações. Quando
isso estiver consolidado na rotina do jornalismo e da justiça brasileira, a
sociedade estará mais bem defendida do que está hoje.
A voz
autorizada
Janio de
Freitas, na Folha de S. Paulo
Do
muito já escrito e dito sobre as acusações feitas por Marcos Valério, não
desmereço nem a habitual e sempre desmedida exploração política na imprensa e
na TV, mas a importância está no que disse Antonio Fernando de Souza,
ex-procurador-geral da República.Foi divulgado no site G1 e reproduzido a meio de um texto discreto no “Globo”, encabeçado pela recusa do atual procurador-geral Roberto Gurgel a comentar as acusações.
Eis um trecho representativo: “A informação que eu tive é que esse depoimento é baseado no 'eu acho', 'eu vi', 'me disseram'. Não sei o que o Ministério Público Federal tem a fazer, mas pelo que vi não tem nem o que fazer, porque não tem documentos, não tem data. Só tem a fala, sem indicação de como confirmar isso, pelo que sondei”.
Quem diz isso é o autor, quando procurador-geral, da denúncia formulada ao Supremo para realizar-se o chamado julgamento do mensalão, e na qual o ministro Joaquim Barbosa baseou o teor do seu relatório.
É, ainda, alguém que "sondou", obviamente na própria Procuradoria-Geral detentora das acusações de Valério, e "teve informação" a respeito. Seu conhecimento do material não vem, portanto, como o divulgado e utilizado pelos meios de comunicação e políticos, de frases e trechos extraídos por quem os quis em circulação.
Os ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello, como previsível, recomendam a investigação das acusações. De fato, não haveria motivo para deixar de fazê-la.
Se bem que, pelo evidenciado ao ex-procurador-geral, investigar ainda seja apenas espremer as palavras de Valério em busca ao menos de indícios, que o Supremo sabe como transformar em consequências penais. É a verificação que Roberto Gurgel, se não fez, não deixará de fazer.
Mas o que já está divulgado fortalece a informação de Antonio Fernando de Souza: com a diversidade de fatos secretos e de personagens a que se refere, Marcos Valério saberia demais para que tudo seja verdade.
Conversas entre Lula e Palocci, pormenores da morte de Celso Daniel, transações financeiras na China, encontros com Lula e Dirceu, encontros de um com o outro, autoria de medida provisória, projetos da Portugal Telecom --é muito, e não é tudo. E só bombas --sem as necessárias espoletas.
Tratando-se de um aventureiro, está muito bem. Faz o jogo dele quem quiser. Os outros esperam pelo acréscimo de algo mais verossímil. Ou pela percepção dos motivos de Marcos Valério para mais uma rodada do seu jogo.
SEM EXPLICAÇÃO
O Supremo, em sua sessão de segunda-feira, discutiu matéria constitucional. O já empossado ministro Teori Zavascki, que só não votaria a matéria penal do mensalão, nem estava presente.
Chame o ladrão
Leandro Fortes, na Carta Capital
Em meados
dos anos 1990, eu era repórter da sucursal de Brasília de O Globo, então
chefiada pelo jornalista Franklin Martins. Por intermédio de um amigo de um
amigo, eu havia conseguido uma entrevista exclusiva com José Carlos Alves dos
Santos, ex-assessor da Comissão do Orçamento do Congresso Nacional. Estopim do
chamado “Escândalo dos Anões do Orçamento”, José Carlos estava preso num
quartel da PM, em Brasília, acusado de ter matado a própria mulher, Ana
Elizabeth Lofrano, a golpes de picareta. Pelo crime, além de ter participado do
esquema de corrupção no orçamento, ele pegou 20 anos de xadrez.
Eu
fui à cadeia falar com ele, onde passei uma manhã inteira ouvindo aquela
besta-fera jogar todo tipo de merda no ventilador. Além dos conhecidos
participantes do esquema, José Carlos Alves dos Santos envolveu mais um bando
de gente, sobretudo políticos graúdos àquela altura com cargos importantes no
segundo governo Fernando Henrique Cardoso. Quando voltei à redação, relatei a
entrevista a Franklin que, imediatamente, mandou que eu jogasse a entrevista no
lixo.
-
São acusações, sem provas, de um bandido.
Eram
outros tempos, pois.
É preciso que se diga que essa matéria
do Estadão repercutida na íntegra até por
concorrentes é, do ponto de vista técnico, correta. Se, de fato, os repórteres
tiveram acesso a um depoimento sigiloso de Marcos Valério, isso é notícia. Não
se discute esse aspecto.
O
que se deveria discutir é se, do ponto de vista ético, vale a pena acreditar no
depoimento feito depois de Valério ter sido condenado no processo do mensalão.
Trata-se de uma estratégia mais do que previsível de um réu apavorado diante da
perspectiva de voltar para a prisão onde, segundo consta, sofreu todo tipo de
extorsão.
Marcos
Valério esperou sete longos anos para revelar que, após se reunir com José
Dirceu e Delúbio Soares, no Palácio do Planalto, foi ao gabinete presidencial
receber um “ok” de Lula. Um réu desesperado por dizer isso, é um direito dele,
é um ato de humanidade aceitá-lo como tal. Mas acreditar numa coisa dessas,
para qualquer repórter que tenha passado mais de seis meses em Brasília, é
quase inacreditável.
Mas,
de repente, Marcos Valério, o bandidão que financiava o PT, passou a ser uma
fonte altamente confiável. O depoimento tardio de um condenado, sem base
documental alguma, passou a ser mais uma prova da participação do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva no “maior escândalo de corrupção da história do
Brasil”, quiçá de toda a civilização ocidental, desde sempre.
O
depoimento de Marcos Valério foi dado à subprocuradora Cláudia Sampaio, mulher
do procurador-geral Roberto Gurgel, casal responsável pelo engavetamento da
Operação Vegas, da Polícia Federal, que em 2009 detectou as ligações criminosas
entre o ex-senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, com o bicheiro Carlinhos
Cachoeira.
O
marqueteiro João Santana, o inesquecível Patinhas dos meus tempos de foca no
Jornal da Bahia, talvez tenha cometido um terrível erro ao aventar a
possibilidade de Lula sair candidato ao governo de São Paulo, em 2014.
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