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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

NIEMEYER OU O BRASIL EM CURVAS



"Não é a linha reta, dura e inflexível, feita pelo homem, que me atrai. O que me chama a atenção é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas de meu país, nas margens dos seus rios, nas nuvens do céu, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida"

"Baudelaire disse que a surpresa e o espanto são as características básicas de uma obra de arte. É o que penso. Camus diz em O Estrangeiro que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita”
Oscar Niemeyer
  
Oscar Niemeyer, um dos últimos gênios brasileiros do século XX, morreu ontem a dez dias de completar 105 anos.  Sua obra maior, Brasília, provoca polêmica até hoje. Para o escritor e ministro da Cultura de De Gaulle, André Malraux, trata-se nada menos que a invenção arquitetônica mais importante desde as colunas gregas. Para os críticos, Brasília e outras obras como o Memorial da América Latina revelam uma concepção stalinista de urbanismo, com divisões por setores, prioridade para automóveis e quase nenhuma acessibilidade.

Seja como for, ninguém pode negar o caráter revolucionário da obra arquitetônica de Niemeyer, nem a coerência de sua militância política.       

Niemeyer, sua mulher, Anita, Vinícius de Moraes, Tom Jobim
Ca­rio­ca do bair­ro das La­ran­jei­ras, Os­car Ri­bei­ro de Al­mei­da Nie­me­yer nas­ceu em 15 de dezem­bro de 1907, sim­bo­li­ca­men­te pou­co tem­po de­pois da exe­cu­ção dos pla­nos de urba­ni­za­ção do Rio pro­mo­vi­dos pe­lo pre­fei­to Pe­rei­ra Pas­sos. Fi­lho de fa­mí­lia tra­di­cio­nal – seu avô foi mi­nis­tro do Supremo Tri­bu­nal Fe­de­ral e ho­je é no­me de rua no Rio – Nieme­yer pri­meiro come­çou a tra­ba­lhar co­mo ti­pó­gra­fo, au­xi­lian­do o pai. Em 1929, entrou pa­ra a Es­co­la Na­cio­nal de Be­las Ar­tes, on­de formou-se en­ge­nhei­ro ar­qui­te­to em 1934.

A par­tir daí, a tra­je­tó­ria pro­fis­sio­nal de Nie­me­yer se cru­za de ma­nei­ra fundamental com a do tam­bém ar­qui­te­to Lú­cio Cos­ta. Foi no es­cri­tó­rio que Cos­ta di­vi­dia com Car­los Leão que Nie­me­yer co­me­çou sua car­rei­ra, em 1935. Mes­mo pre­ci­san­do de di­nhei­ro pa­ra susten­tar uma fa­mí­lia em for­ma­ção, Nie­me­yer co­me­çou tra­ba­lhan­do de gra­ça, com o ob­je­ti­vo de se aper­fei­çoar.

Se­ria ali que, no ano se­guin­te, na equi­pe que par­ti­ci­pou do pro­je­to da se­de do Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção e Saú­de, Niemeyer co­nhe­ce­ria ou­tros dois no­mes im­por­tan­tes pa­ra sua for­ma­ção: o mi­nis­tro Gus­ta­vo Ca­pa­ne­ma e o ar­qui­te­to suí­ço Le Cor­bu­sier, o pa­pa do mo­der­nis­mo arqui­te­tô­ni­co. 

Le Cor­bu­sier foi uma das pou­cas in­fluên­cias de­cla­ra­das de Nie­me­yer, mas com o tempo o bra­si­lei­ro foi de­sen­vol­ven­do seu pró­prio es­ti­lo e dis­tan­cian­do-se dos câ­no­nes es­ta­be­le­ci­dos pe­lo suí­ço. Foi Cor­bu­sier quem pri­mei­ro diag­nos­ti­cou a ob­ses­são de Nieme­yer por cur­vas com uma ob­ser­va­ção me­ta­fó­ri­ca. 

— Vo­cê tem as cur­vas dos mor­ros do Rio na re­ti­na.

Gus­ta­vo Ca­pa­ne­ma não era ar­qui­te­to, mas foi o res­pon­sá­vel pe­lo que o pró­prio Nie­me­yer con­si­de­ra­va o mar­co ini­cial de sua arqui­te­tu­ra. Foi Ca­pa­ne­ma quem, em 1940, apre­sen­tou o ar­qui­te­to ca­rio­ca ao então pre­fei­to de Be­lo Ho­ri­zon­te Jus­ce­li­no Ku­bits­chek. A es­sa al­tu­ra, Nie­me­yer já ha­via de­sen­vol­vi­do pro­je­tos no Rio e em par­ce­ria com Lú­cio Cos­ta na Fei­ra Mun­dial de No­va York, mas foi com a Pam­pu­lha, na ca­pi­tal mi­nei­ra, que seu no­me ga­nhou pro­je­ção. Ali, o pró­prio arqui­te­to des­co­briu seu es­ti­lo de for­mas le­ves e si­nuo­sas de con­cre­to.

— Sem a Pam­pu­lha não te­ria ha­vi­do Bra­sí­lia — re­co­nhe­cia Nie­me­yer.

A par­tir do su­ces­so da pri­mei­ra par­ce­ria en­tre am­bos, Nie­me­yer se­ria pro­cu­ra­do qua­se duas dé­ca­das mais tar­de por Ku­bits­chek, ago­ra pre­si­den­te, pa­ra de­sen­vol­ver so­bre o pla­no-pi­lo­to do ami­go Lú­cio Cos­ta a no­va ca­pi­tal da Re­pú­bli­ca, no meio do cer­ra­do. Brasí­lia se­ria o pal­co pa­ra al­gu­mas das mais ra­di­cais ex­pe­ri­men­ta­ções de Nie­me­yer — a mais sim­bó­li­ca as co­lu­nas do Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da, acla­ma­das pe­lo mi­nis­tro da Cul­tu­ra de De Gaul­le, An­dré Mal­raux, co­mo a "in­ven­ção ar­qui­te­tô­ni­ca mais im­por­tan­te des­de as co­lu­nas gre­gas".

Ob­ce­ca­do pe­la no­vi­da­de e pe­la bus­ca de so­lu­ções ori­gi­nais, Nie­me­yer dei­xou em mais de 70 anos de ati­vi­da­de cer­ca de mil pro­je­tos, mais da me­ta­de já exe­cu­ta­dos. Sua mais re­cen­te obra ain­da em exe­cu­ção é o cha­ma­do Ca­mi­nho Nie­me­yer, na ci­da­de de Ni­te­rói, um com­ple­xo de cons­tru­ções e es­cul­tu­ras as­si­na­das pe­lo ar­tis­ta em uma área que se ini­cia na Es­ta­ção das Bar­cas, no cen­tro de Ni­te­rói, e ter­mi­na no Mu­seu de Ar­te Con­tem­po­râ­nea — tam­bém pro­je­ta­do pe­lo ar­qui­te­to —, na praia da Boa Via­gem.

As curvas de um revolucionário
Complexo da Pampulha
En­tre 1940 e 1944, Nie­me­yer pro­je­tou no bair­ro da Pam­pu­lha, em Be­lo Ho­ri­zon­te, um cas­si­no (ho­je Mu­seu de Ar­te da Pam­pu­lha), um res­tau­ran­te, um clu­be náu­ti­co, a igre­ja de São Fran­cis­co e a Ca­sa de Bai­le. O pro­je­to mar­ca o es­tá­gio em que ele aban­do­na o ân­gu­lo re­to em fa­vor das cur­vas — a igre­ja que lem­bra um han­gar é um exem­plo.

Sede das Nações Unidas em Nova York
Em 1946, jun­to com ou­tros 10 ar­qui­te­tos, Nie­me­yer foi con­vi­da­do a orien­tar o pro­je­to da no­va se­de da ONU em No­va York. O de­se­nho fi­nal do edi­fí­cio com­bi­nou dois pro­je­tos: o que ha­via si­do apre­sen­ta­do pe­lo an­ti­go mes­tre de Nie­me­yer, Le Cor­bu­sier, e o pla­no do pró­prio Nie­me­yer.

Museu de Arte Contemporânea
Mu­seu em for­ma de na­ve es­pa­cial ou um cá­li­ce pou­sa­do so­bre um ro­che­do à bei­ra mar na Praia da Boa Via­gem, em Ni­te­rói, pro­je­ta­do por Nie­me­yer em 1996. Foi es­co­lhi­do por uma das re­vis­tas de tu­ris­mo mais con­cei­tua­das do mun­do uma das se­te no­vas mara­vi­lhas do mun­do.

Brasília
Em 1956, Jus­ce­li­no Ku­bits­chek, en­tão pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca, en­co­men­dou ao ar­quite­to um pro­je­to pa­ra a cons­tru­ção da no­va ca­pi­tal. Nie­me­yer su­ge­riu que fos­se aber­to con­cur­so na­cio­nal pa­ra o pla­no da ci­da­de. Lú­cio Cos­ta ga­nhou e Nie­me­yer pro­je­tou, sem­pre em bus­ca da li­ber­da­de cria­ti­va, os prin­ci­pais pré­dios pú­bli­cos da ci­da­de. En­tre eles, o Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da, a ca­te­dral de Bra­sí­lia, o Pa­lá­cio do Pla­nal­to, o Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral, Mi­nis­té­rio da Jus­ti­ça, Con­gres­so Na­cio­nal, a ca­te­dral, o Tea­tro Na­cional e a Pra­ça dos Três Po­de­res

Memorial da América Latina
O em­preen­di­men­to pro­je­ta­do por Nie­me­yer em 1989 foi cria­do com o ob­je­ti­vo de reu­nir as mais ex­pres­si­vas ma­ni­fes­ta­ções cul­tu­rais do con­ti­nen­te no me­mo­rial em São Pau­lo. Se­gun­do o ar­qui­te­to, o que fez com mais pra­zer foi a es­cul­tu­ra de con­cre­to com se­te me­tros de al­tu­ra, com o ma­pa do con­ti­nen­te de on­de es­cor­re san­gue. A obra significaria, se­gun­do Nie­me­yer, um pro­tes­to con­tra a Amé­ri­ca La­ti­na sa­cri­fi­ca­da. 

Contradições generosas de um gênio moderno
Ao lon­go de qua­se 70 anos de ati­vi­da­de, o gê­nio de Os­car Nie­me­yer equi­li­brou as pró­prias con­tra­di­ções tão bem co­mo as for­mas que saíam de sua pran­che­ta se equilibravam no ar em cur­vas ou­sa­das.

Em Nie­me­yer vá­rios per­so­na­gens con­vi­viam no mes­mo ho­mem: o ateu mes­tre em pro­je­tar igre­jas, o co­mu­nis­ta fer­vo­ro­so que tra­ba­lhou es­trei­ta­men­te com vários go­ver­nos ca­pi­ta­lis­tas e até o ho­mem que via no ca­sa­men­to uma ilu­são bur­gue­sa, mas que vi­via des­de 1928 com a mes­ma mu­lher, An­ni­ta Bal­do.

Nie­me­yer era um co­mu­nis­ta ortodoxo, a pon­to de se des­li­gar do Par­ti­do Co­mu­nis­ta Bra­si­lei­ro em 1990, quan­do es­te renegou suas origens depois da implosão do bloco soviético. Ain­da as­sim, al­gu­mas de suas obras mais mar­can­tes fo­ram dese­nha­das por en­co­men­das de governos do Oci­den­te ca­pi­ta­lis­ta — ele só foi contratado pa­ra um pro­je­to em Mos­cou de­pois da que­da do co­mu­nis­mo. Bra­sí­lia foi ape­nas o exem­plo mais sig­ni­fi­ca­ti­vo — e tam­bém o mais irô­ni­co, já que ape­nas qua­tro anos depois de inau­gu­ra­das, as sa­las que Nie­me­yer ha­via pro­je­ta­do pa­ra abri­gar o poder presi­den­cial pas­sa­ram a ser ocu­pa­das por go­ver­nan­tes mi­li­ta­res que se sen­ti­ram mui­to à von­ta­de na no­va Ca­pi­tal. Gra­dual­men­te, o ar­qui­te­to se viu im­pe­di­do de tra­ba­lhar no Bra­sil a aca­bou mu­dan­do-se pa­ra Pa­ris. 

Nas suas de­cla­ra­ções pró-so­cia­lis­mo, Nie­me­yer era um so­nha­dor, o que con­tras­ta­va com o prag­ma­tis­mo pro­fis­sio­nal que ma­ni­fes­ta­va ao fa­lar de sua pró­pria atua­ção co­mo ar­qui­te­to con­tra­ta­do. Di­zia que a clien­te­la pa­ra seu tra­ba­lho eram "a clas­se do­mi­nan­te e o pró­prio Es­ta­do".

— Na me­sa de de­se­nho, nós, ar­qui­te­tos, na­da po­de­mos fa­zer nes­se sen­ti­do... a ta­re­fa úni­ca é pro­tes­tar con­tra a mi­sé­ria e a opres­são e jun­tos lu­tar­mos por um mun­do me­lhor e mais jus­to — es­cre­veu em A Ar­qui­te­tu­ra Mo­der­na no Bra­sil.
— Sou rea­lis­ta e sei mui­to bem co­mo as coi­sas são pre­cá­rias e ilu­só­rias dian­te do tem­po que tu­do vai di­luir e es­que­cer — jus­ti­fi­ca­va.

Com informações do jornal Zero Hora

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