Aldous Huxley |
"- Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. [...]
não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é
estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não
podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte;
vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas
de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam
sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não
podem deixar de se portar como devem. E se por acaso alguma coisa andar mal, há
o soma. Que o senhor atira pela janela em nome da liberdade, Sr. Selvagem. Da
liberdade... - Riu.
Espera que os Deltas saibam o que é a liberdade! E
agora quer que eles compreendam Otelo meu caro jovem!
[...]
O Selvagem sacudiu a cabeça.
- Tudo isso me parece absolutamente horrível.
- Sem dúvida. A felicidade real sempre parece bastante
sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a
estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o
fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a
desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota
fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.
[...]
- No trabalho, nas diversões – aos sessenta anos,
nossas forças e nossos gostos são o que eram aos dezessete. Os velhos nos
tristes dias de outrora, renunciavam, retiravam-se, dedicavam-se à religião,
passavam o tempo lendo e pensando – pensando!
[..]
- Atualmente, tal é o progresso, os velhos trabalham,
os velhos copulam, os velhos não têm um instante, um momento de ócio para
furtar ao prazer, nem um minuto para se sentarem a pensar – ou se, alguma vez,
por um acaso infeliz, um abismo de tempo se abrir na substância sólida de suas
distrações, sempre haverá o soma, o delicioso soma, meio grama para um descanso
de meio dia, um grama para um fim-de-semana, dois gramas para uma excursão ao
esplêndido Oriente, três para uma sombria eternidade na Lua; de onde, ao retornarem, se encontrarão na outra
margem do abismo, em segurança na terra firme das distrações e do trabalho
cotidiano, correndo de um cinema sensível a outro, de uma mulher pneumática a
outra, de um campo de Golfe Eletromagnético [...]"
Aldous Huxley, Admirável Mundo
Novo
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