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terça-feira, 6 de março de 2012

HOMENAGEM AOS 85 ANOS DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

"Mas se alguma coisa haviam aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada."


[...]


"Por outro lado, ele próprio não conseguia escapar à noção de velhice do seu tempo, o que tornava apenas natural ao ver Fermina Daza tropeçar à saída do cinema fosse abalado pelo raio pânico de que a puta da morte ia acabar ganhando sem remédio sua encarniçada guerra de amor."


[...]


"Mas sua vocação de gata errante, mas indômita que a própria força da sua ternura, manteve ambos condenados à infidelidade. Contudo, conseguiram ser amantes intermitentes durante quase trinta anos graças à sua divisa de mosqueteiros: infiéis, mas não desleais."


[...]


"Está dizendo isso a sério? – perguntou.


- Desde que nasci – disse Florentino Ariza – não disse uma única coisa que não fosse a sério.

O comandante olhou Fermina Daza e viu em suas pestanas os primeiros lampejos de um orvalho de inverno. Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, a que não tem limites.


- E até quando acredita o senhor que podemos continuar nesse ir e vir do caralho? – perguntou.

Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.


- Toda a vida – disse."


Gabriel García Márquez, O Amor nos Tempos do Cólera


"(...) Quando José Arcadio Buendia percebeu que a peste tinha invadido a povoação, reuniu os chefes de família para explicar-lhes o que sabia sobre a doença da insônia, e estabeleceram medidas para impedir que o flagelo se alastrasse para as outras povoações do pantanal. Foi assim que se tiraram dos cabritos os sininhos que os árabes trocavam por papagaios, e se puseram na entrada do povoado, à disposição dos que desatendiam os conselhos e as súplicas dos sentinelas e que insistiam em visitar a aldeia. Todos os forasteiros que por aquele tempo percorriam as ruas de Macondo tinham que fazer soar o sininho para que os doentes soubessem que estavam sãos. Não se lhes permitia comer nem beber nada durante a sua estada, pois não havia dúvidas de que a doença só se transmitia pela boca, e todas as coisas de comer e de beber estavam contaminadas pela insônia. Desta forma, manteve-se a peste circunscrita ao perímetro do povoado. Tão eficaz foi a quarentena, que chegou o dia em que a situação de emergência passou a ser encarada como coisa natural e se organizou a vida de tal maneira que o trabalho retomou o seu ritmo e ninguém voltou a se preocupar com o inútil costume de dormir.

Foi Aureliano quem concebeu a fórmula que havia de defendê-los, durante vários meses, das evasões da memória. Descobriu-a por acaso. Insone experimentado, por ter sido um dos primeiros, tinha aprendido com perfeição a arte da ourivesaria. Um dia, estava procurando a pequena bigorna que utilizava para laminar os metais, e não se lembrou do seu nome. Seu pai lhe disse: “tás”. Aureliano escreveu o nome num papel que pregou com cola na base da bigorninha: tás. Assim, ficou certo de não esquecê-lo no futuro. Não lhe ocorreu que fosse aquela a primeira manifestação do esquecimento, porque o objeto tinha um nome difícil de lembrar. Mas poucos dias depois, descobriu que tinha dificuldade de se lembrar de quase todas as coisas do laboratório. Então, marcou-as com o nome respectivo, de modo que bastava ler a inscrição para identificá-las. Quando seu pai lhe comunicou o seu pavor por ter-se esquecido até dos fatos mais impressionantes de sua infância, Aureliano lhe explicou o seu método, e José Arcadio o pôs em prática para toda a casa e mais tarde o impôs a todo o povoado. Com um pincel cheio de tinta, marcou cada coisa com o seu nome: mesa, cadeira, relógio, porta, parede, cama, panela. Foi ao curral e marcou os animais e as plantas: vaca, cabrito, porco, galinha, aipim, taioba, bananeira. Pouco a pouco, estudando as infinitas possibilidades do esquecimento, percebeu que podia chegar um dia em que se reconhecessem as coisas pelas suas inscrições, mas não se recordasse a sua utilidade. Então foi mais explícito. O letreiro que pendurou no cachaço da vaca era uma amostra exemplar da forma pela qual os habitantes de Macondo estavam dispostos a lutar contra o esquecimento: Esta é a vaca, tem-se que ordenhá-la todas as manhãs para que produza o leite e o leite é preciso ferver para misturá-lo com o café e fazer café com leite. Assim, continuaram vivendo numa realidade escorregadia, momentaneamente capturada pelas palavras, mas que haveria de fugir sem remédio quando esquecessem os valores da letra escrita."


Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão

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