Sobre o polêmico artigo do escritor alemão Günther Grass, que escreveu um poema criticando a política israelense com relação aos palestinos e foi acusado de "antissemitismo" por defensores incondicionais do Estado de Israel.
Dedo na ferida
do Blog do Marco Aurélio Weissheimer.
Por Paulo Muzell
"A publicação de um simples poema provocou a enorme controvérsia. É verdade que circunstâncias muito peculiares explicam a grande repercussão. Primeiro pela autoria e nacionalidade do autor. Günter Grass é alemão e prêmio Nobel de literatura, para muitos o maior escritor vivo do país. Seus versos criticam a posição da Alemanha que apoia incondicionalmente Israel a ponto de fabricar e financiar cinco submarinos nucleares, dois em fase final de montagem e três já entregues ao governo de Benjamin Netanyahu.
O poeta e romancista afirmou que aumentar o poder militar de Israel – especialmente seu arsenal nuclear – representa um sério risco à paz mundial. E ele tem toda razão. Sabemos que a cada ação invariavelmente corresponde outra, não necessariamente igual mas contrária. Explica-se, assim, a crescente fobia norte-americana de que seja dada uma resposta à crescente militarização de Israel. Primeiro os Estados Unidos acusaram Sadam Hussein e invadiram o Iraque sob o pretexto de uma suposta existência de um arsenal nuclear. Mero pretexto porque o arsenal nuclear era ficção, não existia. Agora os Estados Unidos e Israel acusam o governo do Irã de estar desenvolvendo programas nucleares com fins militares.
Embora o alegado temor de que um suposto perigo nuclear árabe sirva como conveniente pretexto dos norte-americanos para intervir em países e aumentar seu controle da região, a verdade é que Günter Grass tem razão: a expansão territorial israelense assentada em crescente poderio militar e a posse de armas nuclares representa um sério e efetivo perigo à paz mundial.
Amira Hass uma respeitada e conhecida jornalista israelense independente, que realiza seu trabalho no território palestino ocupado, em recente entrevista registrou mais do que uma simples posição crítica, sua indignação com a dominação imposta aos palestinos por Israel: “…eles (os palestinos) são impedidos por lei de circularem livremente, forçados a um regime de confinamento e de toque de recolher.” E narra um episódio exemplar. Num certo dia, deparou-se com um menino intrigado com a onipresença militar que perguntou a ela: “os judeus já foram bebês e depois foram crianças como nós ou já nasceram crescidos, de uniforme e de metralhadora?”
De 1967 até hoje a área ocupada por Israel se expandiu e equivale hoje a quase 80% da área original da Palestina. E nos poucos mais de 20% da área restante vivem os palestinos, divididos em duas áreas totalmente isoladas uma da outra. O palestino não tem o direito de se deslocar de uma área para a outra nem para visitar familiares. E nestas áreas duas áreas existem dezenas de assentamentos e colônias que pela lei israelense constituem parte do “seu” território, onde o palestino não pode pisar ou sequer atravessar.
O resultado é um povo fragmentado, empobrecido, sem liberdade e qualquer perspectiva futura. A forma de manter a dignidade que resta é o gesto de desespero de investir como homem-bomba ou em veículo explosivo contra alvos israelenses.
Assim, os grupos populares palestinos de resistência à ocupação são chamados pelo governo sionista e pela mídia ocidental, equivocadamente, de terroristas. Fica claro que o estado israelense – com maciço apoio da imprensa européia, norte-americana e da maioria dos países periféricos ocidentais – quer convencer o mundo que os palestinos não têm o direito de se defender da violência e da barbárie. Que o que lhe resta é morrer em silêncio, sem protestar.
Günter Grass explica o irrestrito, o injustificável e injusto apoio do governo e do povo alemão a Israel a uma inconfessada vergonha nacional e à necessidade de expiar o forte sentimento de culpa por ser responsável por uma das maiores monstruosidades perpetradas pela civilização ocidental-cristã: a criação da indústria da morte do nazismo.
Seu oportuno poema colocou o dedo na ferida. Uma ferida que, infelizmente, mantém-se convenientemente oculta pela mídia brasileira e gaúcha, que simplesmente ignorou o episódio.
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