Outro grande artigo de Mauro Santayana, desta vez sobre a arrogância imperial da Espanha em relação às suas ex-colônias e também aos países da Ibero-América.
Todos Somos Argentinos
Os espanhois se esqueceram da derrota da Invencível Armada... |
Mauro Santayana, em seu blog
O Brasil e a Argentina, sendo os dois maiores países da América do
Sul, têm sido alvos preferenciais do domínio euro-americano em nosso
continente. A Argentina, sob Cristina Kirchner, depois de anos desastrados de
ditadura militar, e do governo caricato e neoliberal de Menem, se confronta com
Madri, ao retomar o controle de suas jazidas de petróleo que estava com a
Repsol. Quando um governo entrega, de forma aviltante, os bens nacionais ao
estrangeiro, como também ocorreu no Brasil, procede como quem oferece seu corpo
no mercado da prostituição. Assim, as medidas de Cristina buscam reparar a
abjeção de Menem.
Será um equívoco discutir o conflito de Buenos Aires com Madri
dentro dos estreitos limites das relações econômicas. A economia de qualquer
país é um meio para assegurar sua soberania e dignidade – não um fim em si
mesmo.
As elites espanholas, depois da morte de Franco, foram seduzidas
pela idéia de que poderiam recuperar sua presença na América Latina, perdida na
guerra contra os Estados Unidos e durante a ditadura de quase 40 anos. Já
durante o governo de Adolfo Suárez, imaginaram que poderiam, pouco a pouco,
readquirir a confiança dos latino-americanos, ofendidos pela intervenção
descarada dos Estados Unidos no continente. De certa forma, procediam com
inteligência estratégica: a nossa América necessitava de aliados, mesmo
frágeis, como era a Península Ibérica, na reconstrução de sua soberania,
mutilada pelos governos militares alinhados a Washington.
Mas faltou aos governantes e homens de negócios espanhóis a
habilidade diplomática, que se dissimula na modéstia, e lhes sobrou arrogância.
Essa arrogância cresceu quando a Espanha foi admitida na União Européia, e
passou a receber fartos recursos dos países ricos do Norte, a fim de acertar o
passo continental. A sua estratégia foi a de, com parte dos recursos
disponíveis, “comprar” empresas e constituir outras em nossos países. Isso os
levou a imaginar que poderiam ditar a nossa política externa, como serviçais
que foram, e continuam a ser, dos Estados Unidos. A idéia era a de que, em
espanhol, os ditados de Washington seriam mais bem ouvidos.
O paroxismo dessa
paranóia ocorreu quando José Maria Aznar telefonou ao presidente Duhalde, da
Argentina, determinando-lhe que
aceitasse as imposições do FMI, sob a ameaça de represálias. E a insolência
maior ocorreu, e sob o governo socialista de Zapatero, quando esse heróico
matador de paquidermes indefesos, Juan Carlos, mandou que o presidente Chávez
(eleito livremente pelo seu povo, sob a fiscalização de observadores
internacionais, entre eles o ex-presidente Carter) se calasse, no encontro
iberoamericano de Santiago. Um rei matador de elefantes indefesos e sogro de um
acusado de peculato – o bem apessoado serviçal da Telefónica de Espanha, Iñaki
Urdangarin, pago com lucros obtidos pela empresa na América Latina,
principalmente no Brasil.
Em plena crise, Juan Carlos caça elefantes na África |
O Brasil pode e deve ser solidário com a Argentina, no caso da recuperação,
para seu povo, das jazidas petrolíferas da YPF. E manter a nossa posição
histórica de reconhecimento da soberania de Buenos Aires sobre o arquipélago
das Malvinas.
Que querem os espanhóis em sua gritaria por solidariedade contra a
Argentina, pelo mundo afora? Eles saquearam tudo o que puderam, durante o
período colonial, em ouro e prata. Usaram esses recursos imensos – assim como
os portugueses fizeram com o nosso ouro – a fim de construir castelos e armar
exércitos que só se revelaram eficazes na repressão contra o seu próprio povo –
como ocorreu na guerra civil.
Durante o seu período de arrogância subsidiada, trataram com
desdém os mal chamados iberoamericanos, humilhando e ofendendo brasileiros e
latino-americanos, aviltando-os ao máximo. Um só ser humano, em sua dignidade,
vale mais do que todos os poços de petróleo do mundo. Antes que Cristina
Kirchner determinasse a recompra das ações da YPF em poder da Repsol,
patrimônio muito maior dos argentinos e de todos os latinoamericanos, sua
dignidade, havia sido aviltada, de forma abjeta e continuada, pelas autoridades
espanholas no aeroporto de Barajas e em seu território.
Evita e Francisco Franco: por que não fazem pães? |
Que se queixem agora aos patrões, como seu chanceler,
Garcia-Margallo fez, ao chorar nos ombros da senhora Clinton, e busquem a solidariedade
de uma Europa em
frangalhos. Ou que rearmem a sua Invencível Armada em Cádiz,
e desembarquem no Rio da Prata. Isso, se antes, os milhões de jovens
desempregados – a melhor parcela de um povo maravilhoso, como é o da Espanha –
não resolvam destituir suas elites políticas, corruptas, incompetentes e
opressoras, e seu rei tão ocioso quanto descartável.
E, ao final, vale
lembrar a viagem histórica que Eva Perón fez à Europa, no auge de sua
popularidade. Em Madri, diante da miséria em que se encontrava o povo, ofereceu
a Franco, em nome do povo argentino, alguns navios cheios de trigo. O general
respondeu que não era necessário, que os celeiros espanhóis estavam cheios de
farinha. E Evita replicou, de pronto: ¿entonces, por qué no hacen pan?
Nenhum comentário:
Postar um comentário