O ditador Kim Jon-un e a suposta namorada |
A maioria das notícias sobre
as tensões na península coreana está eivada de simplismos maniqueístas. Como se
tudo não passasse de ações tresloucadas de um ditadorzinho inexperiente,
herdeiro de uma dinastia cruel e desalmada. É evidente que a dinastia Kim (pai,
filho e neto), que governa a Coréia do Norte desde 1945, não é o melhor
exemplo de sanidade e compostura políticas, para dizer o mínimo. Mas é preciso
entender as crises entre as Coreias de um ponto de vista geopolítico. Por trás
de discursos grandiloqüentes e de ameaças guerreiras há muito mais cálculo político do que supõe nossa vã filosofia política.
Incrustada entre potências
como a China, Japão e Rússia, a península coreana sempre serviu como campo de
batalha desses países. Os coreanos sobreviveram tentando jogar um país contra o
outro e, ao mesmo tempo, manifestando subserviência, principalmente em relação aos
soberanos chineses. Mas, depois de vencer a China e a Rússia, entre o final do
século XIX e o início do XX, o Japão transformou a Coréia num protetorado, entre
1910 e 1945. Durante a Segunda Guerra, os coreanos foram usados pelo Japão como
força de trabalho semiescrava. Na Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, os
aliados concordaram que a Coréia integraria a futura “zona de influência”
soviética, em troca do apoio de Stálin aos EUA na guerra contra o Japão. Com a
derrota dos japoneses, os soviéticos ocuparam o norte da península, enquanto
que o Exército dos EUA ocupou o sul. Mas os americanos decidiram, unilateralmente e sem consultar sequer os coreanos, dividir a país em torno do
Paralelo 38º: a Coréia do Norte, comunista; e a Coréia do Sul, pró-americana. Esse
fato, mais o advento da bipolaridade EUA-URSS e da Guerra Fria, adiariam ad infinitum a realização das eleições
gerais no país, previstas para 1950.
O regime norte-coreano cultiva o mito da autossuficiência |
Em 1950, o ditador
norte-coreano Kim Il-Sung – que havia sido colocado no poder pelos soviéticos –
mandou suas tropas invadirem a Coréia do Sul, numa tentativa de unificar o país
manu militari. Então os EUA,
aproveitando o boicote temporário da URSS ao Conselho de Segurança da ONU,
fizeram a organização aprovar uma resolução autorizando o envio de tropas para
defender a Coréia do Sul. Sob a bandeira da ONU, os EUA enviaram soldados para a península, enquanto que a China comunista engajava seus exércitos para
ajudar a Coréia do Norte. A guerra terminou em 1953 em um impasse, com um
armistício e a divisão do país, que sobreviveu ao colapso do bloco
soviético e permanece até hoje.
A Guerra da Coréia terminou em 1953 e ficou inconclusa |
Como explicar a
permanência dessa divisão aparentemente anacrônica? Segundo o professor Ian
Buruma, do Bard College, “a dinastia Kim se arroga o direito à legitimidade com
base no Juche, a ideologia oficial do regime que enfatiza a determinação do
país a se tornar autossuficiente”. Com isso, durante a Guerra Fria, Kim
Il-sung tentou jogar a China contra a URSS para
garantir a proteção de ambos. “Para a dinastia Kim sobreviver, a ameaça de
inimigos externos é fundamental”, diz Buruma. Esse jogo acabou com o fim da
URSS, em 1991. Como restou apenas a China, o regime norte-coreano ficou totalmente
dependente dos humores dos governantes de Pequim.
Treinamento militar na Coréia do Sul: jogos de guerra |
Assim, ainda segundo a
análise de Buruma, há somente uma maneira de desviar a atenção dessa situação
humilhante: “fazer propaganda da autoconfiança do país e transformar num
discurso histérico uma iminente ameaça dos imperialistas americanos e seus
lacaios sul-coreanos”. Os ziguezagues em relação à questão nuclear fazem parte
desse jogo.
O drama, no entanto, é que
uma mudança do status quo da região não
interessa a nenhum dos players da região. “A China quer manter o país como um
Estado-tampão e teme que milhões de refugiados fujam para o território chinês no caso de um colapso norte-coreano; os sul-coreanos jamais poderiam se
permitir absorver a Coréia do Norte da mesma maneira como a Alemanha Ocidental
incorporou a República Democrática da Alemanha; e nem o Japão, nem os Estados
Unidos mostram-se dispostos a pagar pela limpeza depois de uma implosão
norte-coreana”, diz o professor Buruma.
bolg de merda!
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