"Aqueles que não conseguem se lembrar dos erros do passado estão condenados a repeti-los." George Santayana
"Encurradalada, a ditadura firmou-se. A tortura foi seu instrumento extremo de coerção e o extermínio, o último recurso da repressão política que o Ato Institucional nº 5 libertou das amarras da legalidade. A ditadura envergonhada foi substituída por um regime a um só tempo anárquico nos quartéis e violento nas prisões. Foram os Anos de Chumbo".
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"Os comandantes militares que incorporaram Fleury à 'tigrada' sabiam que tinham colocado um delinqüente na engrenagem policial do regime. Nos anos seguintes, o delegado tornou-se um paradigma da eficácia da criminalidade na repressão política. Um raciocínio que começara com a idéia de que a tortura pode ser o melhor método para obter uma confissão, transbordava para o reconhecimento de que um fora-da-lei pode ser o melhor agente para a defesa do Estado".
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"O que se apresentava como uma militarização das operações policiais tornou-se uma policialização das operações militares. O delegado Sérgio Fleury não ficou parecido com um oficial do Exército. Eram oficiais do Exército que ficavam parecidos com ele".
Elio Gaspari, A Ditadura Escancarada
A reação dos comandantes militares e do ministro da Defesa, Nelson Jobim, à criação da Comissão de Verdade, prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos, é vexaminosa, além de constituir-se num inaceitável desafio ao Estado Democrático de Direito. A Argentina e o Chile, por exemplo, extinguiram democraticamente leis de anistia feitas à ponta de baionetas e levaram altos oficiais e comandantes ao banco dos réus por violações de direitos humanos perpetrados durante as respectivas ditaduras; a África do Sul optou por não julgar os responsáveis pelos crimes do apartheid, mas criou a Comissão de Verdade e Reconciliação para esclarecer as circunstâncias desses crimes e estabalecer responsabilidades.
Aqui, o establishment militar defende abertamente a "legitimidade" da tortura e dos assassinatos de prisioneiros políticos que estavam sob custódia do Estado durante a ditadura com argumentos enviesados. Tenta-se, por exemplo, comparar esses crimes àqueles que foram provocadas por guerrilheiros ("terroristas", segundo eles). Como lembrou o Clóvis Rossi, os crimes da guerrilha já foram mais do que punidos - alguns com a morte. Mas quando se sentem ameaçadas, as viúvas da ditadura ressuscitam o espantalho do "revanchismo" - com o auxílio de seus amigos na mídia, como Alexandre Garcia (que foi assessor do general-presidente João Figueiredo). Com isso, sequer os arquivos da repressão podem vir a público. Até o Paraguai está mais adiantado do que nós nessa matéria...
Essa postura, além de subversiva, acaba associando a corporação militar a psicopatas assassinos como o brigadeiro João Paulo Burnier, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-capitão Ailton Guimarães. Sem falar em Sérgio Fleury, o capo do Esquadrão da Morte. Como lembra Elio Gaspari, "os oficiais-generais que ordenaram, estimularam e defenderam a tortura levaram as Forças Armadas brasileiras ao maior desastre de sua história". Os comandantes deveriam saber que a defesa da guerra suja também conspurca a memória da gloriosa Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutou na Itália contra o fascismo.
Só quando expiar esse período de trevas é que o Brasil irá se reconciliar consigo mesmo e com suas Forças Armadas.
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