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sexta-feira, 30 de março de 2012

OS CANALHAS TAMBÉM ENVELHECEM

Até que enfim esses facínoras - militares de pijama saudosos da ditadura - estão sendo execrados em praça pública. Nada será como antes; pelo menos não poderão “comemorar” o golpe impunemente, com todo mundo quieto.

Abaixo, a bela crônica de Hildegard Angel, cujo irmão, Stuart Angel Jones, foi barbaramente assassinado na Base Aérea do Galeão em 1971, sob o comando do psicopata assassino brigadeiro João Paulo Burnier, e cuja mãe, a estilista Zuzu Angel, morreria num misterioso acidente automobilístico em 1976, depois de denunciar a morte do filho.

Nossos quixotinhos destemidos e desaforados diante do Clube Militar


do Blog de Hildegard Angel


Foi um acaso. Eu passava hoje pela Rio Branco, prestes a pegar o Aterro, quando ouvi gritos e vi uma aglomeração do lado esquerdo da avenida. Pedi ao motorista para diminuir a marcha e percebi que eram os jovens estudantes caras-pintadas manifestando-se diante do Clube Militar, onde acontecia a anunciada reunião dos militares de pijama celebrando o “31 de Março” e contra a Comissão da Verdade.

Só vi jovens, meninos e meninas, empunhando cartazes em preto e branco, alguns deles com fotos de meu irmão e de minha cunhada. Pedi ao motorista para parar o carro e desci. Eu vinha de um almoço no Clube de Engenharia. Para isso, fui pela manhã ao cabeleireiro, arrumei-me, coloquei joias, um vestido elegante, uma bolsa combinando com o rosa da estampa, sapatos prateados. Estava o que se espera de uma colunista social.

A situação era tensa. As crianças, emboladas, berrando palavras de ordem e bordões contra a ditadura e a favor da Comissão da Verdade. Frases como “Cadeia Já, Cadeia Já, a quem torturou na ditadura militar”. Faces jovens, muito jovens, imberbes até. Nomes de desaparecidos pintados em alguns rostos e até nas roupas. E eles num entusiasmo, num ímpeto, num sentimento. Como aquilo me tocou!


Manifestantes mais velhos com eles, eram poucos. Umas senhoras de bermudas, corajosas militantes. Alguns senhores de manga de camisa. Mas a grande maioria, a entusiasmada maioria, a massa humana, era a garotada. Que belo!

Eram nossos jovens patriotas clamando pela abertura dos arquivos militares, exigindo com seu jeito sem modos, sem luvas de pelica nem punhos de renda e sem vosmecê, que o Brasil tenha a dignidade de dar às famílias dos torturados e mortos ao menos a satisfação de saberem como, de que forma, onde e por quem foram trucidados, torturados e mortos seus entes amados. Pelo menos isso. Não é pedir muito, será que é?


Quando vemos, hoje, crianças brasileiras que somem, se evaporam e jamais são recuperadas, crianças que inspiram folhetins e novelas, como a que esta semana entrou no ar, vendidas num lixão e escravizadas, nós sabemos que elas jamais serão encontradas, pois nunca serão procuradas. Pois o jogo é esse. É esta a nossa tradição. Semente plantada lá atrás, desde 1964 – e ainda há quem queira comemorar a data! A semente da impunidade, do esquecimento, do pouco caso com a vida humana neste país.


E nossos quixotinhos destemidos e desaforados ali diante do prédio do Clube Militar. ”Assassino!”, “assassino!”, “torturador!”, gritava o garotinho louro de cabelos longos anelados e óculos de aro redondo, a quem eu dava uns 16 anos, seguido pela menina de cabelos castanhos e diadema, e mais outra e mais outro, num coro que logo virava um estrondo de vozes, um trovão. Era mais um militar de cabeça branca e terno ajustado na silhueta, magra sempre, que tentava abrir passagem naquele corredor humano enfurecido e era recebido com gritos e desacatos. Uma recepção com raiva, rancor, fúria, ressentimento. Até cuspe eu vi, no ombro de um terno príncipe de Gales.

Magros, ainda bem, esses velhos militares, pois cabiam todos no abraço daqueles PMs reforçados e vestidos com colete à prova de balas, que lhes cingiam as pernas com os braços, forçando a passagem. E assim eles conseguiram entrar, hoje, um por um, para a reunião em seu Clube Militar: carregados no colo dos PMs.


Os cartazes com os rostos eram sacudidos. À menção de cada nome de desaparecido ao alto-falante, a multidão berrava: “Presente!”. Havia tinta vermelha cobrindo todo o piso de pedras portuguesas diante da portaria do edifício. O sangue dos mortos ali lembrados. Tremulavam bandeiras de partidos políticos e de não sei o quê mais, porém isso não me importava. Eu estava muito emocionada. Fiquei à parte da multidão.

Recuada, num degrau de uma loja de câmbio ao lado da portaria do prédio. A polícia e os seguranças do Clube evacuaram o local, retiraram todo mundo. Fotógrafos e cinegrafistas foram mandados para a entrada do “corredor”, manifestantes para o lado de lá do cordão de isolamento. E ninguém me via. Parecia que eu era invisível. Fiquei ali, absolutamente sozinha, testemunhando tudo aquilo, bem uns 20 minutos, com eles passando pra lá e pra cá, carregando os generais, empurrando a aglomeração, sem perceberem a minha presença. Mistério.


Até que fui denunciada pelas lágrimas. Uma senhora me reconheceu, jogou um beijo. E mais outra. Pessoas sorriram para mim com simpatia. Percebi que eu representava ali as famílias daqueles mortos e estava sendo reverenciada por causa deles. Emocionei-me ainda mais. Então e enfim os PMs me viram.

Eu, que estava todo o tempo praticamente colada neles! Um me perguntou se não era melhor eu sair dali, pois era perigoso. Insisti em ficar, mesmo com perigo e tudo. E ele, gentil, quando viu que não conseguiria me demover: “A senhora quer um copo d’água?”. Na mesma hora o copo d’água veio. O segurança do Clube ofereceu: “A senhora não prefere ficar na portaria, lá dentro? “. “Ah, não, meu senhor. Lá dentro não. Prefiro a calçada”. E nela fiquei, sobre o degrau recuado, ora assistente, ora manifestante fazendo coro, cumprindo meu papel de testemunha, de participante e de Angel. Vendo nossos quixotinhos empunharem, como lanças, apenas a sua voz, contra as pás lancinantes dos moinhos do passado, que cortaram as carnes de uma geração de idealistas.

A manifestação havia sido anunciada. Porém, eu estava nela por acaso. Um feliz e divino acaso. E aonde estavam naquela hora os remanescentes daquela luta de antigamente? Aqueles que sobreviveram àquelas fotos ampliadas em PB? Em seus gabinetes? Em seus aviões? Em suas comissões e congressos e redações? Será esta a lição que nos impõe a História: delegar sempre a realização dos “sonhos impossíveis” ao destemor idealista dos mais jovens?

Será que desta vez o YouTube não vai censurar e retirar o vídeo?



LAICIZAÇÃO DO ESTADO JÁ!

Se a nossa esquerda tupiniquim tivesse um terço dessa coragem cívica, não ficaria refém de clérigos obscurantistas, como esse bispo de Guarulhos; de pressões conservadoras da Igreja Católica contra os direitos civis, e de bancadas evangélicas que querem acabar com a laicidade do estado. Aliás, é preciso atualizar o dito de Voltaire: Écrassez l’infâmes



Hoje na História: 1880 – França decreta fim da educação jesuíta no país

Medida de cunho republicano caminhava no sentido da laicização do país

Do Operamundi


Em 29 de março de 1880, o então ministro da Instrução Pública da França Jules Ferry assina dois decretos que determinavam que jesuítas deixassem a educação do país em até três meses. Professores de outras congregações católicas teriam o mesmo prazo para se adequar à lei ou também deixar o ensino.

Jules Ferry

Cinco mil membros são quase imediatamente expulsos e cidades anticlericais chegam a cortar também os religiosos que atendiam enfermos em hospitais.

Era o começo de uma ativa política de laicização do ensino levada a cabo por Ferry, fervoroso republicano ateu e franco-maçon de uma rica família de livres-pensadores do departamento de Vosges.


Essa laicização nada tinha a ver com o desenvolvimento da instrução pública. Na França, entre 1686 e 1690, sob o reinado de Luis XIV, 29% dos homens e 14% das mulheres eram considerados alfabetizados.


É sob o reinado de Luis Filipe I que o Estado passa a se preocupar com a educação das crianças. Nessa altura, a metade dos franceses não sabia ainda nem ler nem escrever e o país estava atrasado em relação à Inglaterra e outros países da Europa do norte.


Por força de uma lei de 28 de junho de 1833, o ministro François Guizot inaugura a instrução primária pública. Sob Napoleão III, o ministro Victor Duruy amplia seu alcance. Desenvolve os liceus e encoraja a instrução das meninas contrariando a oposição dos meios conservadores.


No final do Segundo Império e antes da intervenção de Ferry, a França já era um país fortemente alfabetizado. Por volta de 1870, 72% dos novos casais estavam em condições de assinar o registro de casamento - 78% dos homens e 66% das mulheres.


No amanhecer da 3ª República, contudo, o ensino primário e secundário ainda conservava uma forte conotação religiosa devido à lei Falloux de 1850, votada por uma assembleia de maioria conservadora.


Esta lei obrigava todos os educadores a inscrever o catecismo no currículo e a levar os estudantes à missa. Permitia também às ordens religiosas abrir livremente escolas desligadas do setor público, com total autonomia para a escolha de professores. Excessiva, a lei Falloux despertou o anticlericalismo.


Ferry e os dirigentes da 3ª República queriam cidadãos instruídos, mas não só. Desejavam forjar bons republicanos e bons patriotas. Para tanto, propunham excluir a religião do ensino.


O novo chefe de governo, Charlers de Freycinet, resolve completar o âmbito dos decretos de Ferry. Em 21 de dezembro de 1880, o deputado Camille Sée, amigo de Ferry, faz aprovar uma lei que abre às meninas o acesso ao ensino secundário público em que o curso de religião seria substituído por cursos de moral.


No ano seguinte, é aprovada a criação da Escola Normal Superior de Sevres com vistas à formação de professores mulheres para os liceus. A Igreja não deteria o monopólio da educação das meninas.


Jules Ferry estabeleceu de resto a gratuidade do ensino primário em 1881, tornando-o laico e obrigatório em 1882.


O ensino primário público, gratuito e obrigatório viria a ser a ponta de lança da 3ª República. Seus defensores exaltavam os hussardos negros da República, modestos e devotados educadores que preparam os escolares a se tornarem bons cidadãos e ferventes patriotas.

quarta-feira, 28 de março de 2012

A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

“Consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual sociedade abastada industrial. Consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia ansiedade, porque o que se tem não pode ser tirado; mas exige que se consuma cada vez mais, porque o consumo anterior logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e o que consumo” (Eric Fromm, Ter ou Ser?)


“Vivemos o tempo dos objetos (…) existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente” (Jean Baudrillard, Sociedade de Consumo)

“O hiperconsumismo desenvolve-se como um substituto da vida que almejamos, funciona como um paliativo para os desejos não realizados de cada pessoa. Quanto mais se avolumam os dissabores e as frustrações da vida privada, mas a febre consumista irrompe a título de lenitivo, de satisfação compensatória, como um expediente para ‘reerguer o moral’” (Gilles Lipovetsky, A sociedade da decepção)
Obsolescência programada é o nome dado à vida curta de um bem ou produto projetado de forma que sua durabilidade se dê apenas por um período reduzido. É uma estratégia mercadológica que visa garantir um consumo constante por meio da promoção da insatisfação no consumidor, de forma que os produtos que satisfazem as necessidades daqueles que os compram tornem-se obsoletos em um curto espaço de tempo, tendo que ser substituídos rapidamente por outros, mais modernos. Surgiu nos anos 1930, criada entre outros por Alfred Sloan, presidente da GM, que buscou incentivar os consumidores a trocar de carro tendo como apelo a mudança anual de modelos e acessórios. Bill Gates e Steve Jobs são seus principais discípulos.


Um filme chamado The Light Bulb Conspiracy (A Conspiração da Lâmpada, em tradução livre), de Cosima Dannoritzer, ilustra a evolução do conceito e sua aplicabilidade nos dias de hoje. Qualquer um de nós já passou por isso: você tem um aparelho eletrônico, um DVD player, um televisor ou uma impressora. Eles quebram e você tenta consertá-los, mas geralmente o reparo ficará mais caro do que comprar outro produto e mais novo. Por que os equipamentos ficam obsoletos tão rapidamente? Porque chegaram ao limite programado pelos próprios fabricantes. Trata-se de um círculo vicioso: com maior número de produtos obsoletos, cresce o consumismo, aumenta a quantidade de lixo não-reciclável, novas tecnologias aumentam a produtividade e tornam um número cada vez maior de pessoas social e economicamente desnecessárias.




terça-feira, 27 de março de 2012

ESCRACHAR A CANALHA!

São auspiciosas as manifestações da molecada contra os torturadores da ditadura militar. Como lembrou o Rodrigo Vianna, a maioria dos manifestantes do movimento Levante da Juventude não tinha nascido quando a ditadura acabou, em 1985. Os jovens brasileiros se inspiraram no “escrache” dos argentinos para fazer o nosso “esculacho” contra os torturadores, escrachando essa escória que se crê acima do bem e do mal. É uma resposta da juventude aos generais de pijama que se insubordinaram contra a Comissão da Verdade. Só senti falta de manifestações contra outros facínoras notórios, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi em São Paulo, o capitão Benone de Arruda Albernaz e o “Carlinhos Metralha” (delegado Carlos Alberto Augusto) que, salvo engano, não foram alvo dos manifestantes. Mas, não importa; é apenas o começo. 

Reproduzo aqui a entrevista do ex-preso político Ivan Seixas, presidente do Conselho Especial de Defesa dos Diretos da Pessoa Humana (Condepe-SP), publicada pelo blog Viomundo, do Luiz Carlos Azenha.


Do blog Viomundo:


"'Capitão Lisboa’ deu a paulada final que matou meu pai”

por Conceição Lemes

Ivan Seixas, ex-preso político
Nesta segunda-feira, jovens do Movimento Levante da Juventude fizeram protestos em várias cidades brasileiras para escrachar ex-agentes da ditadura militar. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o alvo foi David dos Santos Araújo. Aqui e lá, as manifestações ocorreram, respectivamente, na frente da sede e da filial da sua empresa de segurança privada

David dos Santos Araújo, nas ações de repressão do DOI-Codi, utilizava o nome de Capitão Lisboa. Ele está envolvido na tortura e morte de Joaquim Alencar de Seixas. Ainda torturou Ivan e abusou sexualmente de Ieda, filhos de Joaquim. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal de São Paulo contra vários ex-torturadores, essas atrocidades estão detalhadas.


Em função das manifestações dessa segunda-feira do Levante da Juventude, Ivan Seixas acabou “reencontrando” o seu torturador, um dos assassinos de seu pai e abusador sexual de sua irmã. Resolvi revistá-lo então.


Tentei ouvir também David Araújo sobre tudo isso. Liguei para a sua empresa, a Dacala, deixei recado, mas não houve retorno.


Atualmente, Ivan Seixas preside o Condepe-SP (Conselho Especial de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana).


Viomundo — Como foi ver os jovens se manifestando na frente da empresa do policial que o torturou, matou o seu pai e abusou sexualmente da sua irmã?
Ivan Seixas Uma emoção muito grande ver a juventude do meu país outra vez nas ruas por uma causa tão justa. Emocionei-me muito vendo o rosto de meu pai sendo empunhado por gente com a idade que eu tinha quando vi meu pai nas salas de tortura antes de ele ser assassinado pelo “Capitão Lisboa”. E, como é característica dos covardes, David dos Santos Araújo se escondeu, agora, dos jovens.


Viomundo — Você sabia do paradeiro dele e o que fazia?
Ivan Seixas – Sabia que era dono de uma empresa de segurança privada, mas nunca tive a preocupação de saber mais sobre ele ou sobre os outros do naipe dele. Sei que ele é o mantenedor do advogado do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, como noticiaram os jornais. Essa gente se lambuzou de dinheiro dos empresários que financiaram as torturas e com o sangue de brasileiros e brasileiras.


Viomundo – Sabe como ele matou seu pai?
Ivan Seixas Outros torturadores me disseram depois que o “Capitão Lisboa” deu a paulada final que matou meu pai. Foi ele também que cometeu violência sexual contra minha irmã mais velha, que foi presa junto com minha mãe e minha outra irmã.


Viomundo – Como ele te torturou?
Ivan Seixas - Ele se revezava com os outros torturadores para torturar meu pai ao mesmo tempo que me tortu ravam. Ele me torturou muito, ficou em pé sobre meu peito quando eu estava pendurado no pau-de-arara e quebrou uma vértebra de minha coluna com uma paulada.


Viomundo — Depois que saiu da prisão, você já esteve cara a cara com ele?
Ivan Seixas Em 1990, durante os interrogatórios da CPI das Ossadas de Perus, na Câmara de Vereadores de São Paulo, eu e a Amelinha Teles fomos colocados frente a frente com esse cara para reconhecer o tal “Capitão Lisboa”, visto que ele negava.

O torturador David dos Santos Araújo, o "capitão Lisboa"

Quando a Amelinha Teles disse que o reconhecia como sendo o torturador “Capitão Lisboa”, sua resposta cínica: ”Eu não conheço essa mulher. Eu nunca torturei mulher feia“.

Depois foi minha vez. Ele ficou furioso quando eu disse que ele era o torturador e me conhecia, pois eu tinha dado um murro em sua cara e o jogdo longe. Ele ficou furioso e acabou por reconhecer que tinha interrogado meu pai.


Viomundo — Agora que David Araújo/Capitão Lisboa está escrachado, qual a tua expectativa?
Ivan Seixas – Acho ótimo que os jovens saiam às ruas para fazer, mais uma vez, a boa política dos indignados. Não podemos aceitar o esquecimento como norma. Não podemos deixar que o massacre de “hoje” tome o lugar dos de “ontem”, e o esquecimento os apague. Isso não faz bem ao país.



PS.: Curiosa a concepção de liberdade de expressão do YouTube, que retirou o vídeo, não?   

segunda-feira, 26 de março de 2012

HEROÍSMO E TRAIÇÃO

Soldados cubanos capturam tanque sul-africano 
Pouco conhecida, a Batalha de Cuito Cuanavale, entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988, foi o maior confronto militar da guerra civil angolana e o mais prolongado ocorrida no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial. O conflito opôs, de um lado, os angolanos das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e soldados das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) de Cuba; de outro, guerrilheiros da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola) unidos a forças regulares do Exército da África do Sul, país então sob domínio do regime de supremacia branca, o apartheid.
Nesta batalha, com a ajuda dos cubanos, o mito da invencibilidade do Exército branco sul-africano foi quebrado, o que alterou completamente a correlação de forças na região. A superioridade de angolanos das FAPLA e das tropas cubanas no campo de batalha obrigou o regime de Pretória a aceitar as negociações em Nova York em torno da independência da Namíbia – país onde também estava vigente um regime de minoria branca – e abriu caminho para o fim do apartheid, como mais tarde reconheceria Nelson Mandela: “Cuito Cuanavale foi a virada para a luta de libertação do meu continente e do meu povo do flagelo do apartheid”, afirmou.

General Arnaldo Ochoa
Mas Cuito Cuanavale também abriria uma brecha no regime cubano. Ao ignorar as determinações táticas de Fidel Castro, que queria comandar a batalha a partir de Havana, o general Arnaldo Ochoa venceu e se mostrou um gênio militar, consagrando sua fama de “herói da revolução”. Ele era o terceiro na hierarquia militar cubana, abaixo apenas de Fidel e Raúl, e também muito popular. O general, acredita-se, era favorável a uma flexibilização do regime cubano, nos moldes do que vinha fazendo Mikhail Gorbatchóv na União Soviética. Receosos, os irmãos Castro logo encontram um meio de livrar-se do general: no mesmo ano da vitória de Cuito Cuanavale, Ochoa foi acusado se vincular a funcionários do Ministério do Interior para realizar operações de tráfico de drogas com o Cartel de Medellín. Julgado sumariamente por uma corte marcial, num processo que não ficou nada a dever aos expurgos de Moscou dos anos 1930, Ochoa e outros dois oficiais das FAR – inclusive o coronel Antonio De La Guardia, chefe das forças especiais cubanas em Angola – foram fuzilados em 13 de julho de 1989. Até que os arquivos do regime cubano sejam um dia abertos, não temos como saber se as acusações eram verdadeiras. Mas, se fossem, fica difícil imaginar que os irmãos Castro, onipotentes e oniscientes, desconheciam as operações. 

drama de Ochoa é mais uma confirmação de que "a revolução - ou as revoluções - é como Saturno, que devora os próprios filhos", como escreveu George Büchner em A morte de Danton (1835). 

SERRA, O RATO E O REI DE EPIRO

Serra sai das prévias menor do que entrou. Foi como se a montanha parisse um rato ou, como diziam os mais antigos, foi uma "vitória de Pirro". Depois do texto da CartaMaior, esclareço aos mais novos, que porventura o ignorem, o signifcado desta expressão.  

Quando a vitória fragiliza e desgata


Da CartaMaior

Há vitórias que desconcertam pela intrínseca dimensão crepuscular que carregam. Em geral atestam o fim de um ciclo, quando o trunfo imediato mais revela uma perda de tônus do que reafirma uma supremacia promissora. Foi um pouco esse o sabor amargo do trunfo entre aspas conquistado por José Serra na prévia deste domingo do PSDB para a escolha do candidato do partido à prefeitura de São Paulo.

Ao obter apenas 52,1% dos votos, de um total 6.229 filiados que participaram do escrutínio, Serra expôs a marca dolorosa de uma rejeição intuída entre seus próprios pares. Toda a máquina do partido e a mídia amiga trabalhando a favor revelaram-se insuficientes para contornar a enorme resistência que o seu nome gera no seio do próprio conservadorismo nacional.

O grande vitorioso foi a rebeldia do secretário estadual tucano José Aníbal, que se recusou a renunciar a favor de Serra, obtendo o surpreendente apoio de 31,2 % dos votantes; o deputado federal Ricardo Tripoli amealhou outros 15,7 %, cravando o 3º lugar. Os serristas não escondiam a decepção com uma vitória que mais fragiliza e desgasta do que consagra.

Imaginava-se fazer da convenção uma gigantesca operação reiterativa do suposto favoritismo do candidato na disputa municipal, dando-lhe mais de 80% dos votos – "para não passar a impressão de que o partido entra dividido na corrida eleitoral". Deu-se o inverso.

A vitória decepcionante entre seus pares foi o revés oposicionista mais eloquente sofrido pelo ex-governador numa disputa municipal que apenas se inicia. Ela gerou um fato político mais grave do que um eventual crescimento das intenções de voto entre os seus adversários. Por uma razão incontornável: o resultado mostrou de maneira inequívoca que a liderança de Serra sofre o peso de um teto e não tem mais horizonte de crescimento ou de apoio nem entre os tucanos. Um palavra para exprimir esse estágio é declínio; convenhamos, não soa exatamente como um bordão eleitoral empolgante e mobilizador."

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Essa situação insólita me faz lembrar uma expressão antiga, a “vitória de Pirro”, utilizada para expressar uma vitória obtida a preço tão alto que outras vitória iguais significariam a ruína do vencedor. É uma menção às vitórias do rei Pirro, de Epiro (Macedônia) contra os exércitos romanos nas batalhas de Heraclea e Ásculo, entre 280aC e 279aC. Depois dessa última, o historiador Plutarco apresenta um relato feito por Dionísio de Halicarnasso (que daria origem à célebre expressão):


O rei Pirro, de Epiro

“Os exércitos se separaram; e, diz-se, Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória que "uma outra vitória como esta o arruinaria completamente". Pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo, e quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes; não havia outros homens para formar novos recrutas, e encontrou seus aliados na Itália recuando”.

As guerras pírricas mostraram que os Estados da Grécia continental tinham se tornado incapazes de controlar as colônias da Magna Grécia (sul da Itália) e que as legiões romanas se mostraram capazes de enfrentar os exércitos dos reinos helenísticos. Com isso, abriu-se o caminho para o domínio romano sobre as cidades-Estado da Magna Grécia e para a consolidação do poder de Roma em toda a Itália.

quinta-feira, 22 de março de 2012

DESTRUINDO O SUJEITO PELAS ARTES DO CUIDADO DO OUTRO (*)

Na quarta-feira, meia dúzia de gatos pingados liderados pelo bispo-emérito de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, realizou manifestação no centro de São Paulo contra o PT, distribuindo folhetos pedindo que os católicos não votem em candidatos de um partido que defende o aborto. O texto - o mesmo que havia sido elaborado contra a campanha de Dilma Rousseff em 2010 e retirado de circulação pela Justiça eleitoral - leva a assinatura da regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Isso é um indício do que vem por aí...

Na verdade, poucos no PT têm a coragem de assumir a defesa explícita do direito ao aborto. A influência da "padraiada" no partido é enorme; o PT nunca foi anticlerical, como a maioria dos partidos da esquerda europeia. Por isso, é importante esse texto do prof. Vladimir Safatle, pela coragem e clareza das ideias. E não se iludam: vamos ter que sair às ruas para defender a liberdade de expressão contra o fanatismo religioso.     

(*) Inversão da máxima de Michel Foucault: "construindo o sujeito pelas artes do cuidado de si".


Claramente a favor do aborto



por Vladimir Safatle, em CartaCapital

Há algum tempo, a política brasileira tem sido periodicamente chantageada pela questão do aborto. Tal chantagem demonstra a força de certos grupos religiosos na determinação do ordenamento jurídico brasileiro, o que evidencia como a separação entre Igreja e Estado está longe de ser uma realidade efetiva entre nós. Uma das expressões mais claras dessa força encontra-se no fato de mesmo os defensores do aborto não terem coragem de dizer isso com todas as letras.


Sempre somos obrigados a ouvir afirmações envergonhadas do tipo: “Eu, pessoalmente, sou contra, afinal, como alguém pode ser a favor do aborto? Mas esta é uma questão de saúde pública, devemos analisá-la de maneira desapaixonada…”


Talvez tenha chegado o momento de dizermos: somos sim absolutamente a favor do aborto. Há aqui uma razão fundamental: não há Estado que tenha o direito de legislar sobre o uso que uma mulher deve fazer de seu próprio corpo. É estranho ver algumas peculiaridades brasileiras. Por exemplo, o Brasil deve ser um dos poucos países onde os autoproclamados liberais e defensores da liberdade do indivíduo acham normal que o Estado se arrogue o direito de intervir em questões vinculadas à maneira como uma mulher dispõe de seu próprio corpo.


Há duas décadas, a artista norte-americana Barbara Kruger concebera um cartaz onde se via um rosto feminino e a frase: “Seu corpo é um campo de batalha”. Não poderia haver frase mais justa a respeito da maneira com que o poder na contemporaneidade se mostra em sua verdadeira natureza quando aparece como modo de administração dos corpos e de regulação da vida. Esta é a função mais elementar do poder: fazer com que sua presença seja percebida sempre que o indivíduo olhar o próprio corpo.


Nesse sentido, não deixa de ser irônico notar como alguns setores do cristianismo, como o catolicismo e algumas seitas pentecostais, parecem muito mais preocupados com o corpo de seus fiéis que com sua alma. Daí a maneira como transformaram, a despeito de outros segmentos do cristianismo, problemas como o aborto, a sexualidade e o casamento homossexual em verdadeiros objetos de cruzadas. Talvez seria interessante lembrar: mesmo entre os cristão tais ideias são controversas. Os anglicanos não veem o aborto como um pecado e mesmo entre os luteranos, embora se digam contrários, ninguém pensaria em excomungar uma fiel por ela ter decido fazer um aborto.


É claro que se pode sempre contra-argumentar dizendo que problemas como o aborto não podem ser vistos exclusivamente como uma questão ligada à autonomia a que tenho direito quando uso meu corpo. Pois haveria outra vida a ser reconhecida enquanto tal. Esse ponto está entre os mais inacreditáveis obscurantismos.


Uma vida em potencial não pode, em hipótese alguma, ser equiparada juridicamente a uma vida em ato. Um embrião do tamanho de um grão de feijão, sem autonomia alguma, parasita das funções vitais do corpo que o hospeda e sem a menor atividade cerebral não pode ser equiparado a um indivíduo dotado de autonomia das suas funções vitais e atividade cerebral. Não estamos diante do mesmo fenômeno.


A maneira com que certos grupos políticos e religiosos se utilizam do conceito de “vida” para unificar os dois fenômenos (dizendo que estamos diante da mesma “vida humana”) é apenas uma armadilha ideológica. A vida humana não é um conceito biológico, mas um conceito político no qual encontramos a sedimentação de valores e normas que nossa vida social compreende como fundamentais. Se dizemos que alguém desprovido de atividade cerebral está clinicamente morto, mesmo se ele conservar grande parte de suas funções vitais ainda em atividade graças a aparelhos médicos, é porque autonomia e autocontrole são valores fundamentais para nossa concepção de vida humana.

Assim, quando certos setores querem transformar o debate sobre o aborto em uma luta entre os defensores incondicionais da vida e os adeptos de alguma obscura cultura da morte, vemos a mais primária tentativa de transformar a vida em um conceito ideológico. Isso se admitirmos que será necessariamente ideológico um discurso que quer nos fazer acreditar que “as coisas falam por si mesmas”, que nossa definição de vida é algo assentado nas leis cristalinas da natureza, que ela não é uma construção baseada em valores sociais reificados.


Levando isso em conta, temos de saudar o fato de alguns arautos do conservadorismo pretenderem colocar tal questão na pauta do debate político brasileiro e esperar que existam algumas pessoas dispostas a compreender a importância do que está em jogo. Desativar as molas do poder passa pela capacidade de colocá-lo a uma distância segura de nossos corpos.

quarta-feira, 21 de março de 2012

DANTE NO INFERNO OU AONDE VAMOS PARAR?


"O abuso da graça é afetação; o abuso do sublime, absurdo. Toda perfeição é um defeito."
 (Voltaire)
A Gherush 92, uma organização que assessora o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas no âmbito de projetos para a educação, desenvolvimento e direitos humanos, classificou a Divina Comédia, escrita provavelmente entre 1307 e 1321 por Dante Alighieri, como uma obra "antissemita" e "islamofóbica", e que, por essa razão, deveria ser retirada dos programas escolares. Tudo em nome dos valores multiculturais da atualidade.  

Sim, é isso mesmo. Esses policiais do pensamento politicamente correto dizem que a Divina Comédia, uma Magnum Opus do pensamento ocidental, “apresenta um conteúdo que é ofensivo e discriminatório, tanto na substância quanto na linguagem, e isso sem que haja qualquer filtro ou que sejam fornecidas considerações críticas em relação ao antissemitismo e ao racismo”. George Orwell, que sabia que quem controla o passado controla o futuro, não se surpreenderia com essa "Novilíngua" em que o obscurantismo se traveste de defensor dos oprimidos.

Em outras palavras, Dante não deveria ter escrito a Divina Comédia como um homem do século XIV, mas com a cabeça do século XXI - multicultural e relativista. Só assim os tribunais da Inquisição multiculturalista poderiam absolvê-lo. Entramos no terreno do delíro absoluto. Por esse critério, que nada fica a dever aos Torquemadas, Fouquier-Tinvilles e Vichinskys da vida, deveríamos começar por proibir a Bíblia, especialmente o Velho Testamento – por incentivar assassinatos, vendetas e massacres –; o Talmud, por pregar a existência de um povo eleito –; e do Corão, por defender a guerra santa contra os infiéis. E o que dizer das obras de Cervantes, Shakespeare, Dickens, Marlowe, Chaucher, Eliot, Pound, Céline, Borges?

O próximo passo talvez seja a destruição desses livros. Quem sabe pela fogueira, para dar mais vigor às intenções purificadoras?

terça-feira, 20 de março de 2012

ÉTICA DA CONVICÇÃO E ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

"O critério da ética da convicção é geralmente usado para julgar as ações individuais, enquanto o critério da ética da responsabilidade se usa ordinariamente para julgar ações de grupo, ou praticadas por um individuo, mas em nome e por conta do próprio grupo, seja ele o povo, a nação, a Igreja, a classe, o partido etc. Poder-se-á também dizer, por outras palavras, que, à diferença entre moral e política, ou entre ética da convicção e ética da responsabilidade, corresponde também à diferente entre ética individual e ética de grupo."

(Norberto Bobbio, Política como ética de grupo, in Dicionário de Política)


"O partidário da ética da responsabilidade, [...] contará com as fraquezas comuns dos homens (pois, como dizia muito procedentemente Fichte, não temos o direito de pressupor a bondade e a perfeição do homem) e entenderá que não pode lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis de suas próprias ações. Dirá, portanto, “essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação”.
(Max Weber, Ética da convicção e ética da responsabilidade)

Max Weber
"Não é possível conciliar a ética da convicção e a ética da responsabilidade, assim como não é possível, se jamais se fizer qualquer concessão ao princípio segundo o qual os fins justificam os meios, decretar, em nome da moral, qual o fim que justifica um meio determinado [...] Com efeito, todos esses objetivos que não se conseguem atingir a não ser através da atividade política – onde necessariamente se faz apelo a meios violentos e se acolhem os caminhos da ética da responsabilidade – colocam em perigo a “salvação da alma”.
(Max Weber, idem)



Na ética da convicção seguimos valores ou princípios absolutos – tais como não matar, não roubar, não mentir. Neste caso, a intenção é sempre mais importante do que o resultado concreto das nossas ações. É a ética da moralidade do indivíduo.

Niccolò Machiavelli
Mas a ética da responsabilidade, estabelecida por Maquiavel e aprimorada por Max Weber, leva em consideração as conseqüências dos atos dos agentes, geralmente políticos. É por isso que, em política, as boas intenções não justificam o fracasso. Daí a se dizer, em tom de blague, que “de boas intenções, o inferno está cheio”. A subjetividade pouco importa, mas sim a aparência externa dos atos (“Não basta a mulher de César ser honesta; é preciso parecer honesta). Não há, nessa ética, desculpa para o fracasso “Mais do que um crime, foi um erro”, dizia Talleyrand.

Quem não entende a ética da responsabilidade não pode entender a ação política. Partidos na oposição frequentemente fingem que ignoram essa realidade e fazem uso de um discurso calcado em uma ética de convicção ou de valores. Uma vez no poder, são obrigados a se adequar à realidade e a abandonar o discurso da convicção.  


Para a ética da responsabilidade, maquiavélica ou weberiana, serão morais as ações que forem úteis à comunidade, e imorais aquelas que a prejudicam, visando apenas interesses particulares.

segunda-feira, 19 de março de 2012

A DIGNIDADE TAMBÉM VESTE FARDA

Finalmente, um pouco de dignidade! Um grupo de militares da reserva lançou um manifesto em resposta ao documento feito por oficiais-generais igualmente da reserva que criticava duramente as ministras Maria do Rosário e Eleonora Menicucci, o ministro Celso Amorim e a própria presidente Dilma Rousseff. O pano de fundo da polêmica é a aprovação da Comissão da Verdade, que investigará as circunstâncias dos crimes cometidos durante a ditadura militar. O "contra-manifesto" foi articulado pelos capitães-de-mar-e-guerra Luiz Carlos de Souza e Fernando Santa Rosa e tem como um dos signatários um heroi da Segunda Guerra Mundial, o brigadeiro Rui Moreira Lima, hoje com 93 anos, e um dos dois únicos pilotos sobreviventes do 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira. Na Itália, o então tenente Rui Moreira Lima participou de 94 missões de combate e recebeu a Cruz de Combate. Ele lutou bravamente contra inimigos, não contra civis indefesos, como o falecido brigadeiro João Paulo Burnier, um assassino psicopata. Justificando seu apoio à Comissão da Verdade, o brigadeiro Moreira Lima disse o seguinte: “ela é necessária não para punir, mas para dar satisfação ao mundo e aos brasileiros sobre pessoas que, pela prática da tortura, descumpriram normas e os mais altos valores militares”.

No contra-manifesto, os militares dizem que seus colegas que criticaram a Comissão da Verdade não falam por todos. O capitão-de-mar-e-guerra Santa Rosa diz que quem está por trás do movimento capitaneado por Clubes Militars são “os fascistas, os saudosos da ditadura”.
Vale a pena transcrever um trecho do contra-manifesto:

O então tenente Rui Moreira Lima, heroi de guerra
“Os torturadores (militares e civis), que não responderam a nenhum processo, encontram-se ‘anistiados’, permaneceram em suas carreiras, e nunca precisaram requerer, administrativa ou judicialmente, o reconhecimento dessa condição, diferentemente de suas vítimas, que até hoje estão demandando junto aos tribunais para terem os seus direitos reconhecidos (grifos meus). [...] Onde estão os corpos dos que foram mortos pelas agressões sofridas?”

É de dar inveja a qualquer magistrado...

Transcrevo também, abaixo, a carta do major Mascarenhas Maia ao jornalista Luis Nassif, comentando o “anti-manifesto”. Ele critica duramente os golpistas e os defensores da ditadura e levanta problemas atuais das Forças Armadas. Mesmo não concordando com tudo o que o major Maia diz, é reconfortante saber que há oficiais da ativa que pensem dessa maneira, destoando o mantra dos viúvos da malfadada “redentora”.

“Infelizmente somos julgados pela imagem dominante; e essa imagem dominante ainda é a de que os militares deram o golpe militar em 64, derrubando um presidente constitucionalmente eleito, e implantando uma ditadura sangrenta.


Eu refuto essa imagem de plano: os militares, em seu conjunto, não fizeram isso. Uma pequena parcela dos militares fizeram isso. Parcela essa que foi doutrinada, influenciada e levada a agir fora da lei pelos militares norte-americanos, notadamente a partir do final da 2ª guerra. Isso é fato. Décadas de cursos, mimos e agrados em West Point, Valley Forge, Colorado Springs, Annapolis, dentre outras, nos levaram a essa situação. Reconhecê-lo não faz de mim um oficial comunista; reconhecer os fatos históricos e valorá-los pelo real valor, e não pelo valor de face, deve fazer parte de uma análise baseada na defesa racional da soberania brasileira.


Não levanto bandeiras e nem lidero movimento algum dentro da Força. Falo por mim. E o que falo e afirmo é as Forças Armadas brasileiras perdem um tempo enorme discutindo a Lei de Anistia. Embora eu seja, desde o ingresso na Força, um crítico severo do envolvimento das FFAA no movimento de 64, não vejo como anular a Lei de Anistia sem conflagrar o país, opondo novamente militares a civis. Sou curto e grosso: a meu ver, a presidente, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, deve mandar o ministro da Defesa punir os signatários daquele manifesto bisonho. E ponto final.

Preocupa-me, isso sim, a situação de descaso, penúria e falta de capacidade operativa da Força Armada brasileira, em seu conjunto. Preocupa-me, mais ainda, o verdadeiro cerco que os norte-americanos implantaram ao território brasileiro; um verdadeiro cinturão de bases (fixas e móveis) a nos asfixiar, desde Mariscal Estigarríbia, no Paraguai, até a Amazônia. Isso sim é preocupante.

Portanto [...], devemos atuar em conjunto, militares e civis, no sentido de recompor minimamente a capacidade dissuasória das Forças Armadas brasileiras. Tanta riqueza exposta (petróleo, água, minérios variados, alguns quase que exclusivamente brasileiros, áreas imensas de terras férteis e intensamente produtivas) e indefesa pode acabar atiçando a cobiça de bucaneiros de todos os matizes. Sinto que é meu dever como brasileiro, e como militar, reiterar esse alerta à nação."
Major Mascarenhas Maia
Oficial de Infantaria

O GENERAL E OS PRIMATAS


Delegações ao Acordo de Evian, 1962
Passou em brancas nuvens na França o cinqüentenário da independência da Argélia. Pudera: naquele 19 de março de 1962, acabava-se o império colonial da França com o beneplácito do maior defensor da grandeur francesa: o general Charles De Gaulle. O cessar-fogo foi assinado em Evian, na França, entre representantes de De Gaulle e da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina. Bandeado de vez para a direita para tentar se reeleger, o presidente Nicolas Sarkozy disse que a França não tinha do que se arrepender pela feroz repressão aos argelinos: “atrocidades foram cometidas por ambos os lados. Esses abusos foram e devem ser condenados, mas a França não pode se arrepender de ter realizado essa guerra”. É como dizer que, durante a ocupação francesa, "atrocidades foram cometidas de ambos os lados". Aliás, é a mesma linguagem dos saudosistas da ditadura aqui. Quanta diferença de Jacques Chirac que, embora conservador, teve a dignidade de reconhecer a responsabilidade do Estado francês na deportação de judeus durante a II Guerra Mundial... 

Tropas franceses vigiam prisioneiros argelinos 
Depois de terem lutado ao lado dos franceses na guerra, os argelinos esperavam algum reconhecimento, mas no dia seguinte à vitória contra a Alemanha, em 8 de maio de 1945, o Exército francês reprimiu duramente manifestantes na cidade de Sétif, matando dezenas de milhares de argelinos. A guerra da Argélia mesmo começaria bem depois, em 1954, no mesmo ano em que os franceses tinham sido humilhados pelos vietnamitas na batalha de Dien Bien Phu e expulsos da Indochina. Os guerrilheiros da FLN, formada aquele ano, começaram atacando alvos militares franceses na Argélia, como faziam os militantes da Resistência contra os ocupantes nazistas. O governo francês de então era chefiado pelo socialista Pierre Mendès-France e tinha como ministro do Interior um certo François Mitterrand. Apesar de serem de esquerda, eles responderam aos ataques com uma feroz repressão. A França enviou os paraquedistas, tropa de elite do Exército, para quebrar a espinha dorsal da guerrilha. Apesar de muitos militares franceses serem ex-integrantes da Resistência, eles fizeram uso da tortura sistemática, aterrorizando os habitantes da kabash (bairro árabe) para buscar informações e desbaratar a FLN.

A chegada dos paraquedistas: cena de A Batalha de Argel
Os guerrilheiros responderam realizando atentados terroristas contra civis franceses (os pied-noirs). Esses episódios são narrados em vários filmes, entre eles a inesquecível Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo. Comandados pelo general Jacques Massu, os militares e pied-noirs praticamente obrigaram o governo a entregar o poder ao general De Gaulle, líder da Resistência contra os nazistas. Ele aceitou sob a condição de ter plenos poderes, o que obteve com mudança da Constituição e a fundação da V República. Foi um tremendo erro de cálculo dos conservadores.

Isso porque o velho general não estava disposto a repetir os erros de seus antecessores. Percebendo que a França não poderia vencer aquela guerra, em vez de usar a mão pesada contra os guerrilheiros da FLN, De Gaulle começou a negociar com eles, provocando a ira dos pied-noirs e dos generais que o chamaram. Sentiram-se traídos. Em abril de 1961, os franceses argelinos e oficiais liderados pelos generais Raoul Salan, Maurice Challe e Andre Zelle tentaram um golpe para depor De Gaulle e instaurar um regime de direita na França. Eles tomaram Argel, mas um apelo do general pelo rádio pedindo aos soldados que não aderissem ao golpe abortou a rebelião. Inconformados, vários oficiais da Argélia formaram um grupo terrorista, a OAS (Organisation de l’Armée Secrete, Organização do Exército Secreto) para enfrentar a FLN e matar De Gaulle. Quase conseguiram em 22 de agosto de 1962, quando seu Citroën foi metralhado em Paris.

Charles De Gaulle: visão de estadista
De Gaulle submeteu a independência da Argélia a um referendo em abril de 1962, no qual 90% dos eleitores se manifestaram favoravelmente. Encerrava-se assim, democraticamente, um dos capítulos mais sangrentos da história da França. E hoje Sarkozy sequer reconhece a responsabilidade da França. Perto de De Gaulle, Sarkozy é um primata, do mesmo naipe que os generais que tentaram deter o rumo da História (opa, falei como hegeliano...)





Batalha de Argel (trailer):


 

domingo, 18 de março de 2012

A OFENSIVA CONSERVADORA: VAMOS FICAR SÓ OLHANDO?

A bancada evangélica no Congresso está em vias de unir-se à bancada ruralista para votar duas matérias importantes: a Lei Geral da Copa e o Código Florestal. A iniciativa partiu dos primeiros, dispostos a derrubar o dispositivo da Lei da Copa que permite a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante os jogos do mundial de 2014. Em troca, os evangélicos apoiariam os ruralistas, votando o substitutito do deputado Paulo Piau, que modificou o texto aprovado no Senado em favor dos desmatadores. Os evangélicos também estão ameaçando usar o chamado 'kit gay', material anti-homofObia encomendado - e retirado, sob pressão - pelo Ministério da Educação, contra o ex-ministro Fernando Haddad, pré-canditato do PT à Prefeitura de São Paulo. Além disso, a bancada evangélica faz duras críticas à ministra Eleonora Menicucci (Política para Mulheres), ex-guerrilheira que se posicionou favoravelmente ao aborto. 

Até aqui, parece tudo normal; pressões e alianças fazem parte do jogo democrático. Mas, se olharmos com mais atenção para alguns episódios recentes, ficamos com a impressão de que uma profunda onda conservadora vem tomando conta do país, com a complacência - quando não o aplauso - da chamada sociedade civil. Senão, vejamos: o manifesto dos militares da reserva, se rebelando contra a instalação da Comissão da Verdade pelo governo e se insubordinando contra a autoridade do ministro da Defesa, Celso Amorim; a recusa da Justiça do Pará de processar o coronel da reserva Sebastião Curió, a pedido do Ministério Público Federal, por ações de sequestro durante a Guerrilha do Araguaia; e a reação de desembargadores gaúchos e da Igreja Católica contra a decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de retirar os crucifixos das salas para preservar a laicidade do Estado.

Dom Luiz Bergonzini
Finalmente, as recentes declarações do bispo emérito de Guarulhos, Dom Luiz Bergonzini, que disse que professores e alunos da PUC não podem ter ideias contrárias às da Igreja Católica. No texto intitulado “Graças a Deus, a PUC não é uma progressista universidade comunista”, o bispo faz referência ao jornalista e professor da PUC Leonardo Sakamoto por ter escrito textos a favor do aborto e da eutanásia. Sakamoto é usado como exemplo para o bispo defender a idéia de que a universidade, como uma instituição subordinada ao pontífice, não deve contratar professores com pensamentos contrários às orientações da Igreja Católica. “Se a PUC é da Igreja Católica, deve seguir o Evangelho e a moral cristã. Não pode ter em seu corpo docente professores contrariando os ensinamentos da Igreja Católica, dentro ou fora da sala de aula”, afirmou. Torquemada ficaria orgulhoso. Dom Luiz Bergonzini é o mesmo bispo que, durante as eleições presidenciais de 2010, orientou os padres de Guarulhos a pregarem votos contra a então candidata Dilma Rousseff, que seria defensora do aborto. 
General Adhemar

Ao proferir uma conferência no ultraconservador Instituto Plínio Correa de Oliveira sobre os problemas do Exército, o general Adhemar da Costa Machado Filho, comandante militar do Sudeste, frustou seus interlocutores de extrema direita ao dizer que a agitação da reserva não se reflete entre os oficiais da ativa, mais preocupados com a profissionalização. Ao responder a uma pergunta da plateia, o general declarou: "Dias atrás me perguntaram: 'general, quando os senhores voltam?' Respondi: 'Nunca mais. O Brasil mudou'". Menos mal. Por outro lado, eu me pergunto: que diabos um general de quatro estrelas da ativa, com comando de tropa, estava fazendo numa sociedade herdeira da TPF, que defende a ditadura militar a volta ao regime do padroado?

São fatos de indicam um movimento coordenado para impor à toda sociedade pontos de vista de uma parcela da população, passando por cima das regras do Estado Democrático de Direito. Os militares pretendem se colocar acima da lei e da Constituição ao se recusarem a aceitar determinações emanadas do poder legitimamente constituído; os religiosos trabalham para acabar com a separação Estado-Igreja, que é um dos pilares da República.

O pior é que não vejo nenhuma reação expressiva por parte dos partidos ditos progressistas contra tais atitudes. A exemplo do que se viu na última eleição, a maior preocupação dos políticos "de esquerda", que deveria ser a defesa intrangisente dos ideais democráticos e republicanos, tem sido a preocupação em não melindrar as igrejas, para não perder votos, e não se indispor contra os militares, supostamente para preservar a estabilidade política, mas na verdade para manter o pacto de silêncio sobre os crimes da ditadura imposto pela caserna na transição negociada. Note-se que não estou falando de defender bandeiras características da esquerda, mas somente de valores liberais e democráticos, como a liberdade de expressão e a subordinação dos militares ao poder civil legitimamente constituído.

Hitler: porrada, sabotagem política e conquista de corações e mentes.

O que me incomoda é o fato de os setores progressistas não estarem esboçando qualquer reação à altura a essa ofensiva conservadora. Claro, não é para ficar alarmado, ainda. Um retrocesso institucional não está no horizonte. Mas é bom lembrar que o fascismo avançou não apenas com a violência nas ruas, mas também de maneira insidiosa, conquistando corações e mentes e solapando por dentro as instituições democráticas.